A Soberania da Assembleia Nacional renova-se de cinco em cinco anos
O processo de criação de autarquias que o Governo têm actualmente em curso – sobre o qual reflectimos ontem mais uma vez (ver também aqui) – padece de um segundo momento de violação constitucional, a propósito da cronologia prevista no artigo 9.º. É que 17 anos para a criação das autarquias é algo inadmissível, e por duas razões.
Por um lado, um período tão alargado compromete várias legislaturas de cinco anos, que são soberanas em si mesmas. Quando o povo, a a cada cinco anos, elege os seus deputados, está a delegar-lhes o seu poder soberano. Durante esse período, em nome da população e em respeito pela Constituição, esses deputados integrarão a Assembleia Nacional, promovendo a legislação que melhor defenda os interesses nacionais.
Deste modo, “atar” 3,5 legislaturas a um procedimento desta natureza não tem sentido político-constitucional. E não tem sentido porque se está a basear na maioria efémera que é a do MPLA. Em teoria (e não considerando para efeito de raciocínio jurídico as possibilidades de fraude eleitoral), nada garante que nas próximas eleições gerais o MPLA obtenha maioria. Assim, sem aquilo a que se chama um “acordo de regime”, é ilegítimo definir um processo político que vai decorrer por 17 anos. Isto significa que, se o MPLA quer aprovar um procedimento que vai durar 17 anos, e confrontar-se com várias eleições gerais, deveria tentar obter o acordo básico dos vários partidos da oposição para criar um quadro legislativo aceite por todos e que não sofra alterações a cada cinco anos.
Atendendo a que a Assembleia Nacional exprime a vontade soberana do povo e exerce o poder legislativo do Estado (artigo 141.º, n.º 2 da CRA) e os seus deputados são eleitos para mandatos de cinco anos (artigo 143.º, n.º 3 da CRA), é evidente que em cada período quinquenal essa soberania é renovada. E, nestes termos, não tem sentido um parlamento soberano entre 2017-2022 estar a estender a sua soberania até 2035, sem o acordo dos vários contendores.
O artigo 242.º da CRA é uma disposição transitória
Se o argumento anterior está mais ligado a aspectos políticos e legitimadores da estrutura constitucional do Estado, existe um argumento adicional, agora de natureza técnico-jurídica, que invalida a possibilidade de se criar um prazo de institucionalização das autarquias de 17 anos.
O artigo 242.º não é uma norma pertencente ao corpo central da Constituição. A sua inserção sistemática enquadra-o nas disposições finais e transitórias da CRA.
Nesse sentido, deve ser lido com referência ao ano de 2010, e não 2018. Este tipo de disposições utiliza-se para facilitar a entrada em vigor de determinado acto normativo, permitindo a adaptação de anteriores situações. Por consequência, o princípio do gradualismo deveria ter sido algo a ter em conta em 2010, no âmbito da implementação da nova Constituição, podendo mesmo alegar-se que, neste momento, essa norma já se encontra caducada e, por isso, só haverá que implementar as autarquias locais de imediato, sem mais delongas. Nesta sequência, haveria já uma inconstitucionalidade por omissão: a não institucionalização das autarquias até ao momento.
Contudo, não se optando por esta interpretação mais radical no sentido e alcance do artigo 242.º como norma transitória, sempre se dirá que gradualismo não é um adiamento prolongado, e que deve ser medido desde 2010.
Levar 25 anos para implementar as autarquias é um excesso, e também aí temos uma inconstitucionalidade por omissão, ou por acção, a partir do momento em que a proposta de lei que consagra os 15 anos é colocada em vigor.
Conclusões
Considerando o teor semi-rígido do conceito de gradualismo existente no artigo 242.º da CRA, atendendo à sua natureza de disposição transitória com referência a 2010, reconhecendo o carácter da soberania renovável de cinco em cinco anos da Assembleia Nacional, entende-se não ser constitucional um modelo de estruturação das autarquias que faseie a sua criação em termos territoriais e demore 17 anos a partir de 2018.
Considerando o teor semi-rígido do conceito de gradualismo existente no artigo 242.º da CRA, atendendo à sua natureza de disposição transitória com referência a 2010, reconhecendo o carácter da soberania renovável de cinco em cinco anos da Assembleia Nacional, entende-se não ser constitucional um modelo de estruturação das autarquias que faseie a sua criação em termos territoriais e demore 17 anos a partir de 2018.
Nota final
Convicto da inconstitucionalidade fundamental da proposta governamental de institucionalização das autarquias, e defendendo que a mesma deve ser levantada junto do Tribunal Constitucional, não se tem dúvidas de que este Tribunal, considerando a sua história legal, não proverá tal solicitação. De facto, em termos das questões fundamentais do Estado e do regime, o Tribunal Constitucional tem sempre optado pela submissão ao poder político, adoptando uma postura não intervencionista.
Convicto da inconstitucionalidade fundamental da proposta governamental de institucionalização das autarquias, e defendendo que a mesma deve ser levantada junto do Tribunal Constitucional, não se tem dúvidas de que este Tribunal, considerando a sua história legal, não proverá tal solicitação. De facto, em termos das questões fundamentais do Estado e do regime, o Tribunal Constitucional tem sempre optado pela submissão ao poder político, adoptando uma postura não intervencionista.
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