Quem é Cyril Ramaphosa e o que se espera que faça
A eleição de Cyril Ramaphosa como chefe de Estado da África do Sul vem acabar com a grave crise política que reina no país. No entanto, a sua chegada ao poder, após a demissão de Jacob Zuma na quarta-feira, não significa o fim de todos os problemas. Ramaphosa, líder do Congresso Nacional Africano (ANC, no poder desde 1994) e até há bem pouco tempo vice-presidente da África do Sul, recebe em mãos um país onde os níveis de desigualdade e pobreza continuam a ser trágicos.
O acesso a eletricidade e saneamento básico está longe de estar totalmente assegurado e os cuidados de saúde ainda são, em muitos casos, dos mais rudimentares. Um estudo citado pelo britânico “The Guardian” mostra que do total de crianças com nove anos de idade na África do Sul, oito em cada 10 são analfabetas. Os níveis de violência e criminalidade colocam o país ao lado dos mais perigosos do mundo - sendo que os mais afetados por isto, pelo desemprego (27,7% no segundo trimestre de 2017, segundo números do StatsSA - Statistics South Africa), pela corrupção (que começa logo no polícia na rua que aceita dinheiro na rua para fazer de conta que não viu e vai daí até aos mais altos cargos públicos e políticos, incluindo Jacob Zuma, sobre o qual recaem 793 acusações de corrupção relativas a contratos de armas do final dos anos 90) e pela falta de água (sobretudo na Cidade do Cabo, segunda maior cidade do país) e pelas doenças (em 2016 havia mais 2,31 milhões de pessoas infetadas com HIV em relação a 2002) são obviamente os mais pobres.
Ninguém sabe o que Cyril Ramaphosa fará para resolver todos estes problemas, mas espera-se que o seu passado de ativista e sindicalista e secretário-geral do ANC (partido no poder desde 1994, quando se realizaram as primeiras eleições democráticas na África do Sul, que deram a vitória a Nelson Mandela) e vice-presidente do partido e do país seja uma mais-valia para, antes de mais e de tudo, ajudá-lo a recuperar a confiança da população.
Cyril Ramaphosa nasceu em Joanesburgo, na África do Sul, em novembro de 1952, segundo de três filhos. O pai era polícia. Cresceu na cidade de Soweto, onde fez grande parte da sua educação. O ensino secundário fê-lo numa escola na cidade de Sibasa, na província de Limpopo, onde foi aliás eleito líder do Movimento de Estudantes Cristãos. Estudou Direito na antiga Universidade do Norte, situada também naquela província (em 2005, esta universidade fundiu-se com a Universidade de Medicina de África do sul para dar origem à atual Universidade de Limpopo). Ali, tornou-se membro ativo da Organização dos Estudantes Sul-Africanos (SASO, na sigla em inglês), fundada pelo ativista Steve Biko, assassinado em 1977, quando tinha apenas 30 anos, em consequência da sua longa e dolorosa luta contra o apartheid na África do Sul.
Ao mesmo tempo, fez parte do Movimento de Estudantes Universitários Cristãos. Depois de terminar o curso, Cyril Ramaphosa manteve-se ativo politicamente, incluindo por via da Convenção do Povo Negro (Black People’s Convention, também fundada por Steve Biko, em 1972), o que lhe valeu aliás seis meses na prisão. Juntou-se depois ao Conselho dos Sindicatos de África do Sul e fundou, em 1982, a União Nacional dos Trabalhadores Mineiros (NUM, na sigla em inglês), que viria a transformar-se, com Ramaphosa como seu secretário-geral - cargo que ocupou durante 10 anos -, no maior e mais poderoso sindicato do país.
Se Cyril Ramaphosa já era então conhecido, mais ficou quando ficou eleito secretário-geral do Congresso Nacional Africano (ANC), em 1991. Desempenhou um papel central na política de África de Sul pós-apartheid, assumindo a liderança de várias negociações e encabeçando a equipa que elaborou uma nova Constituição no país, o que o faz ser considerado um dos principais arquitetos da democracia constitucional na África do Sul. Tornou-se membro do Parlamento após as primeiras eleições democráticas no país, em 1994, que deram a vitória a Nelson Mandela.
Depois de perder a corrida à presidência para Thabo Mbeki, Cyril Ramaphosa abandonou a política para se dedicar aos negócios; fez crescer uma grande sociedade de investimentos, a Shanduka, com interesses em sectores que iam desde a mineração ao fast-food. “O sucesso deste grupo confirmou a sua reputação como negociador habilidoso”, assinala Thapelo Tselapedi, investigador na Universidade de Joanesburgo, num artigo publicado no site “The Conversation”. Apesar da sua longa incursão pelo mundo dos negócios, Cyril Ramaphosa manteve-se ligado ao ANC, fazendo parte do comité disciplinar do partido. O seu regresso definitivo à política aconteceria em 2012, quando foi eleito vice-presidente do partido e, depois, do país. Jacob Zuma, a quem Ramaphosa sucedeu agora na liderança de África do Sul, era então presidente do país.
Segundo Jason Burke, correspondente do “Guardian” em Joanesburgo, a primeira tarefa que Cyril Ramaphosa tem pela frente é unir o ANC antes da campanha para as eleições de 2019. Não é que a oposição represente uma ameaça, porque não representa, “mas o partido deve fazer tudo para evitar um cenário de coligação governamental” - até porque os resultados nas eleições municipais de 2016 não foram espectaculares para o partido. “Não será fácil”, aponta o jornalista, até porque as disputas internas continuam, em grande medida, por resolver. Atenta ao que vai acontecer estará a população do país, curiosa para saber se o futuro é afinal de “esperança” ou, pelo contrário, de “deceção”.
Já Thapelo Tselapedi, o investigador que assina o texto publicado no site “The Conversation”, considera que a grande dúvida aqui é saber o quão “eficaz” será o novo Presidente. “Embora ele tenha sido vice-presidente do ANC e do país durante cinco anos, alguns acreditam que a sua influência foi mínima e que ele não foi capaz de deixar a marca da sua liderança tanto no partido, como no país.”
Irá Ramaphosa ser capaz de impor a sua vontade sobre aqueles que vai liderar, “muitos deles com personalidades difíceis e que estão, eles próprios, habituados a liderar e não a ser liderados?”, questiona o investigador, mas nem ele, nem nós, nem ninguém tem ainda a resposta a esta pergunta. É preciso esperar.
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