James Banks |
Jan 26, 2016
É crucial reconhecer que as descobertas nascem da curiosidade
A ciência está matando as humanidades: eu não sou o primeiro a afirmar isto, nem serei o último. Os líderes norte-americanos estão apressando essa morte, seja por causa das suas prioridades, seja por causa das suas opções políticas. Enquanto muitos estudiosos provavelmente vão lamentar o fim das humanidades, outros já começaram a aceitar estoicamente a ideia de que não vale a pena tentar salvar as ciências humanas.
John Ellis escreve sobre este declínio:
“Os cursos que oferecem uma visão geral das realizações da cultura ocidental foram abolidos em quase todos os lugares; os cursos obrigatórios sobre a história e sobre as instituições desta nação também foram deixados de lado e até as faculdades de literatura deixaram de exigir Shakespeare como parte essencial da literatura inglesa. Mesmo quando cursos anteriormente obrigatórios ainda são oferecidos como opcionais, costuma-se apresentá-los a partir de uma perspectiva preconceituosa do nosso passado cultural, o que tende a desencorajar estudos mais aprofundados”.
Ellis identifica uma tendência real, embora não muito inteligível: ler Shakespeare pode até deixar de ser exigido, mas quem se formar em literatura inglesa sem ter lido Shakespeare deverá ter realizado uma tarefa hercúlea para se desviar de Hamlet, Otelo ou Macbeth.
No entanto, mesmo que as faculdades de ciências humanas, em seu estado atual, não desapareçam, Ellis não responde se as ciências humanas, tais como devem ser ensinadas, ainda valem a pena. Ele pode não ter uma resposta, mas eu gostaria de declarar um sonoro “sim”. Hoje nós podemos assistir às ciências matando as humanidades, mas amanhã vamos perceber que a morte das humanidades vai matar também as ciências.
Alguns anos atrás, em uma conferência sobre a chamada “educação STEM” (ciência, tecnologia, engenharia e matemática, na sigla em inglês), especialistas dentre os mais importante dos EUA se reuniram para lamentar que estávamos todos “condenados”, porque “não havia alunos suficientes interessados em ciências”. Alguns dos palestrantes tinham credenciais impressionantes: um dos oradores era Dean Kamen, o inventor do Segway; outro era Bill Nye, o “Science Guy”.
Eu participei de grupos de discussões específicas naquele evento e tive a sensação de que os professores de ciências nos EUA estavam estranhamente desconectados da maneira como as pessoas vivem e pensam. A maioria das recomendações que eles traziam soava banal: “Precisamos mudar a imagem cultural que as pessoas têm do cientista nerd”, repetiam.
Mas, de forma mais ampla, o problema com esses eventos é o seu objetivo, que, basicamente, é o de ajudar a encontrar substitutos para os atuais trabalhadores dos ramos de exatas. Enquanto eles se lamentavam porque “os jovens norte-americanos não estão interessados nos trabalhos científicos que nós temos para eles”, eu não podia deixar de me lembrar de uma passagem do livro “Coração das Trevas”, de Joseph Conrad, para a qual William Deresiewicz tinha chamado a minha atenção em certa ocasião:
“Ele estava empregado nisso desde a mocidade. Era obedecido, mas não inspirava nem amor, nem medo; nem mesmo respeito. Ele inspirava mal-estar. Isso, apenas mal-estar. Não era uma desconfiança definida; apenas mal-estar, nada mais. Você não tem ideia do quanto pode ser eficaz uma… uma… capacidade desse tipo. Ele não tinha nenhum grande talento para organizar, nem para tomar a iniciativa, nem sequer para comandar… Ele não tinha nenhum conhecimento, nem inteligência. Seu cargo tinha chegado até ele. Por quê? Ele não originava nada, ele apenas mantinha a rotina; só isso. Mas ele impressionava. Ele impressionava graças a essa pequena coisa, essa impossibilidade dizer o que controlava um homem daqueles. Ele nunca revelou esse segredo”.
Como Deresiewicz aponta, esta é a descrição perfeita da burocracia: ela está cheia de gente que mantém o status quo, mas não de gente que define qual é o status quo. Isso não quer dizer que as pessoas presentes na conferência fossem todas burocratas; algumas delas eram empreendedoras, realizadas; e tinham que ser, para terem chegado até a posição que ocupavam. Mas elas queriam, essencialmente, treinar a próxima geração para ocupar papéis precisos e para ter o preciso conhecimento que elas próprias tinham.
Não é assim que o mundo funciona. Os problemas de amanhã são sempre diferentes dos problemas de hoje. As soluções que funcionam hoje não vão responder a todas as questões que surgirão na próxima década. Adaptar-se ao amanhã só é possível a partir do próprio ato de se viver em sociedade. E isto é assim porque aquele adágio surrado que diz que “a necessidade é a mãe da invenção” é pura verdade: quanto mais as pessoas precisarem (ou pensarem que precisam), mais elas vão inventar.
Há uma abundância de sociedades que têm ou tiveram sistemas educacionais dedicados quase exclusivamente à formação de estudantes de ciências e de engenharia. A China faz isso hoje, assim como a União Soviética o fez em seu tempo. Mas, apesar de estar na moda declamar que a escassez de habilidades em matemática e ciências põe o nosso futuro em risco, este medo não se mostrou matematicamente verdadeiro no passado. O Japão é bem posicionado nos rankings de desempenho acadêmico, mas o seu desempenho econômico não tem refletido este sucesso.
Educadores e tecnocratas acreditam, erroneamente, que já sabemos ou já pensamos em tudo de que precisamos para o próximo boom econômico ou para a próxima revolução científica. Tudo seria apenas questão de dar à próxima geração as respostas que nós já temos. Acontece, porém, que é menos importante treinar as pessoas para chegarem à próxima fronteira do que educá-las para discernirem quais são as fronteiras que vale a pena cruzar. Teoricamente, é para isso que existe a educação nas artes liberais. Na prática, isso nem sempre é verdade: as faculdades de humanas tenderam de tal forma ao pensamento de grupo na geração passada que provavelmente não melhoraram as habilidades de pensamento crítico dos alunos nem a sua criatividade.
Mesmo que as artes liberais já não sirvam ao seu propósito tradicional, no entanto, isso não significa que esse objetivo não seja valioso. O valor principal de uma educação em artes liberais é que ela incentiva o debate e a discordância. Diferentemente da matemática, é raro que haja nas artes liberais uma resposta claramente correta. Algumas declarações sobre arte ou literatura são mais verdadeiras do que outras, mas nunca há uma perspectiva que possa servir indefinidamente. Isto ocorre porque o “melhor que já foi pensado e dito” foi mudando ao longo do tempo; mais ainda: o mundo foi mudando. O “Édipo Rei”, de Sófocles, ou o “Frankenstein”, de Mary Shelley, não podem nos dizer definitivamente o que devemos pensar sobre o cientificismo ou sobre o pós-humanismo, mas nos forçam a enfrentar os cantos mais escuros do iluminismo para os quais relutamos em voltar os olhos.
As ciências humanas, entretanto, podem fazer mais do que nos ajudar a entender o que não deveríamos estar fazendo: elas podem nos ajudar a contemplar o que deveríamos fazer. Podemos estar bem longe do mundo clássico que separava as artes liberais (artes liberales) das artes técnicas (artes serviles), mas as artes liberais ainda são indispensáveis porque fomentam a curiosidade intelectual e o desejo de aprender pelo prazer de aprender. As ciências também podem fazer isso: alguns cientistas atingem marcos importantes mesmo sem a capacidade de pensar criativamente. Mas os professores de ciências nem sempre entendem as implicações do campo em que querem educar: se eles acreditam que podem fornecer toda a educação de que as pessoas precisam para o futuro, eles já falharam. As ideias não são um instrumento para o futuro, mas são, em si mesmas, objetivos dignos de busca.
As iniciativas educacionais geralmente focam no currículo, mas promover a curiosidade intelectual não é algo facilmente descritível num currículo. Essa tarefa depende da cultura da escola e dos valores dos alunos e dos instrutores. De qualquer forma, nenhum educador deveria começar a elaborar uma política educacional sem reconhecer que a próxima revolução tecnológica não virá de pessoas que sempre têm a resposta certa, mas de pessoas cuja aprendizagem as dotou de curiosidade intelectual suficiente para se sentirem à vontade mesmo quando obtêm a resposta errada.
Ao encontro do Professor Julião João Cumbane
Por uns tantos dias o Professor Julião Cumbana decidiu dizer o que lhe ia na alma quanto a distinção e mérito entre ciências sociais e as ditas ciências naturais ou ciências exactas. Fê-lo em inúmeros posts que para já não adianta elencar. Mas ficam aqui as suas linhas de força.
Primeira, que as ciências sociais são meras promotoras de confusão e muita confusão.
Segunda, que elas não são tão expressivas no contexto produtivo, comparadas com as ciências exactas ou ciências naturais
Terceira, que pelo facto de Moçambique não apostar em ciências exactas, estar a razão da nossa pobreza.
Para começar, vou fazer de contas que o que ele afirmou é tudo verdadeiro. Porém, o primeiro erro do Professor é meramente de raciocínio. ERRO de raciocino que consiste em associar a pobreza de um país à falta do investimento em ciências naturais. O segundo grande erro de raciocínio é de ele sempre pensar no vácuo. Se calhar tenha razão, dado que a física faz de vácuos seus prediletos campos de testagem.
Não sei porque é que o Professor Cumbana preferiu se esquecer da sua paixão pela análise politica, apesar de ele não creditar no campo de estudo, algum mérito cientifico. Mas deixemos.
Hoje, o campo de estudos sobre a geração de conhecimentos nas ciências naturais está entulhado de expressões como "construtivismo", "contextualidade", "contingência", "indexicalidade", "oportunismo" e "fabricação", que colocam em questão tanto a visão popperiana da ciência como a busca do experimento crucial, como a descrição de Thomas S. Kuhn da ciência normal como a resolução de quebra-cabeças, interrompidos a cada tanto por revoluções paradigmáticas. O debate que o Professor Cumbane quer introduzir está de longe esgotado graças ao avanço da interdisciplinaridade, da intradisciplinaridade e da transdisciplinaridade, conceitos provavelmente bem conhecidos pelo Professor e que foram responsáveis por revoluções interessantes. Cheikh Anta Diop (N. dezembro 29, 1923 e M. Fev. 7, 1986, Dakar, Senegal) foi um historiador, antropólogo e físico senegalês que conseguiu provar cientificamente a anterioridade negra do actual Egipto. Fê-lo combinando as técnicas de datação de carbono e da decifração dos primeiros hieróglifos; portanto, exemplo paradigmático de como o paradigma dominante já nos primórdios do sec. XX entrava em crise.
A insistência do departamentalismo cientifico do Profesor Cumbane é hoje inútil e mesmo indizível. Só pode alimentar museus ou mesmo redes sociais, apenas para o deleite individual. Professor Carlos Serra, se calhar, o maior (para mim é) sociólogo moçambicano, é dos principais expoentes de estudos interdisciplinares. Convenhamos, porém, trabalhar com outros requer abertura do “impensar”e uma mente fecunda, disposta em apreender o mundo fascinante e interminável de saberes.
Mas como acontece em toda sociedade, existem sempre as chamadas minas retardadas, que sao aproveitadas para outros fins. E, nestes tempos de glorificação da prática empresarial e dos lucros do capitalismo, essas minas retardadas valem-se destes questionamentos para se desfazer de vez das ilusões da ciência académica, seja ela social ou natural, e buscar uma "ciência de resultados”.
Na realidade, as ciências não vivem nem de uma maneira nem de outra, mas das duas ao mesmo tempo. A actividade científica dá-se por uma negociação contínua entre pessoas de carne e osso sobre critérios de relevância, critérios de prova e de verdade, recursos financeiros e autoridade de decidir quem deve ou pode fazer o quê. O equívoco de muitas das tentativas de pensar a ciência a partir da política ou da economia, ou de conduzi-la por decisões externas; é não entender que a política exerce-se no interior na própria actividade científica, durante sua própria elaboração, de forma inseparável do processo de construção das tradições de trabalho, práticas empíricas e consolidação de resultados, e não por cima, por fora ou em substituição a estes processos.
Mas convenhamos. Negar a existência de uma barreira de demarcação entre as ciências naturais e sociais não significa dizer que elas sejam idênticas. Uma das coisas que diferenciam mais claramente as ciências exactas e naturais das sociais é a natureza cambiante do campo em que estas se desenvolvem, ou seja, dos interlocutores com os quais os pesquisadores e cientistas normalmente dialogam.
As ciências naturais contemporâneas lograram se desenvolver em campos de diálogo relativamente fechados, e por isto puderam criar suas próprias linguagens, com os supostos implícitos, vocabulários, hierarquias e regras de retórica e demonstração próprias de cada campo. Por muito tempo a sociedade se contentou em respeitar e admirar os cientistas, e esperar com paciência as benesses de suas descobertas. Uma novidade importante dos últimos anos, que abalou esta autoprotecção das ciências exactas e biológicas, foram as controvérsias sobre temas como os efeitos do fumo, os índices de contaminação de alimentos, a segurança dos diferentes tipos de energia, ou a responsabilidade jurídica dos médicos pelos erros técnicos que possam cometer. Em todos estes casos as fronteiras entre o "leigo" e o "especialista" tendem a se dissolver, e deixa de ser possível resolver as questões pelos procedimentos tradicionais de disputa e conciliação "técnica", intramuros.
PORQUE É QUE AS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS OCUPAM UMA PARTE PREPONDERANTE DE TODOS OS SISTEMAS DE ENSINO SUPERIOR EM QUALQUER PARTE DO MUNDO?
As ciências humanas e sociais ocupam uma parte preponderante de todos os sistemas de ensino superior em qualquer parte do mundo, pela simples razão de que o número de actividades profissionais que requerem o uso adequado da língua e conhecimentos gerais sobre a sociedade e o mundo contemporâneo são muito maiores do que as que requerem conhecimentos especializados e técnicos. Se os cientistas sociais não tratarem de atender a este público, ninguém o fará. Se o Professor Cumbane não entendeu essa parte eu posso explicar de novo.
MAS TAMBÉM O PROFESSOR CUMBANE TEM EM PARTE ALGUMA RAZÃO
A questão do uso da pesquisa social por governos e empresas tem sido bastante estudada, e o que se nota é que pesquisas são contratadas por muitas razões (legitimação de políticas, cooptação dos cientistas sociais, busca de fortalecimento de determinados sectores em lutas interburocráticas. etc), das quais o uso efectivo dos resultados obtidos nem sempre é a mais importante.
Não há dúvida que alguns cientistas sociais foram capazes de desenvolver competências de grande aceitação junto ao sector privado, como por exemplo na área de pesquisas de opinião pública e propaganda, enquanto outros se tornaram consultores disputados e bem pagos de grandes firmas nacionais e internacionais. Mas, aqui como no exterior, é difícil imaginar que este tipo de actividades venha a constituir o cerne do trabalho do cientista social, que é sobretudo de natureza académica, e por isto mesmo universitário.
Com esse texto, não venho em defesa de nenhuma ciência pois elas tendem a cada dia a partilharem mesmo gineceu de valores e preocupações. A minha defesa é pela HARMONIA das ciências e pelo trabalho interdisciplinar, transdisciplinar e pela cooperação mutua, pois os desafios da humanidade afectam a todos.
Insistir em departamentalismos bacocos é parar no tempo. Nem próprio Voltaire concordaria com esse principio se tivesse acordado da sua tumba.
Mas atenção: eu sou da opinião que o estado invista muito mais nos cursos profissionalizantes por serem esses com potencial de fomentar a inovação. Estou consciente que esses cursos são mais caros, mais exigentes em equipamento, porem reside ai a possibilidade de maximização da nossa capacidade de resiliênca.
Por uns tantos dias o Professor Julião Cumbana decidiu dizer o que lhe ia na alma quanto a distinção e mérito entre ciências sociais e as ditas ciências naturais ou ciências exactas. Fê-lo em inúmeros posts que para já não adianta elencar. Mas ficam aqui as suas linhas de força.
Primeira, que as ciências sociais são meras promotoras de confusão e muita confusão.
Segunda, que elas não são tão expressivas no contexto produtivo, comparadas com as ciências exactas ou ciências naturais
Terceira, que pelo facto de Moçambique não apostar em ciências exactas, estar a razão da nossa pobreza.
Para começar, vou fazer de contas que o que ele afirmou é tudo verdadeiro. Porém, o primeiro erro do Professor é meramente de raciocínio. ERRO de raciocino que consiste em associar a pobreza de um país à falta do investimento em ciências naturais. O segundo grande erro de raciocínio é de ele sempre pensar no vácuo. Se calhar tenha razão, dado que a física faz de vácuos seus prediletos campos de testagem.
Não sei porque é que o Professor Cumbana preferiu se esquecer da sua paixão pela análise politica, apesar de ele não creditar no campo de estudo, algum mérito cientifico. Mas deixemos.
Hoje, o campo de estudos sobre a geração de conhecimentos nas ciências naturais está entulhado de expressões como "construtivismo", "contextualidade", "contingência", "indexicalidade", "oportunismo" e "fabricação", que colocam em questão tanto a visão popperiana da ciência como a busca do experimento crucial, como a descrição de Thomas S. Kuhn da ciência normal como a resolução de quebra-cabeças, interrompidos a cada tanto por revoluções paradigmáticas. O debate que o Professor Cumbane quer introduzir está de longe esgotado graças ao avanço da interdisciplinaridade, da intradisciplinaridade e da transdisciplinaridade, conceitos provavelmente bem conhecidos pelo Professor e que foram responsáveis por revoluções interessantes. Cheikh Anta Diop (N. dezembro 29, 1923 e M. Fev. 7, 1986, Dakar, Senegal) foi um historiador, antropólogo e físico senegalês que conseguiu provar cientificamente a anterioridade negra do actual Egipto. Fê-lo combinando as técnicas de datação de carbono e da decifração dos primeiros hieróglifos; portanto, exemplo paradigmático de como o paradigma dominante já nos primórdios do sec. XX entrava em crise.
A insistência do departamentalismo cientifico do Profesor Cumbane é hoje inútil e mesmo indizível. Só pode alimentar museus ou mesmo redes sociais, apenas para o deleite individual. Professor Carlos Serra, se calhar, o maior (para mim é) sociólogo moçambicano, é dos principais expoentes de estudos interdisciplinares. Convenhamos, porém, trabalhar com outros requer abertura do “impensar”e uma mente fecunda, disposta em apreender o mundo fascinante e interminável de saberes.
Mas como acontece em toda sociedade, existem sempre as chamadas minas retardadas, que sao aproveitadas para outros fins. E, nestes tempos de glorificação da prática empresarial e dos lucros do capitalismo, essas minas retardadas valem-se destes questionamentos para se desfazer de vez das ilusões da ciência académica, seja ela social ou natural, e buscar uma "ciência de resultados”.
Na realidade, as ciências não vivem nem de uma maneira nem de outra, mas das duas ao mesmo tempo. A actividade científica dá-se por uma negociação contínua entre pessoas de carne e osso sobre critérios de relevância, critérios de prova e de verdade, recursos financeiros e autoridade de decidir quem deve ou pode fazer o quê. O equívoco de muitas das tentativas de pensar a ciência a partir da política ou da economia, ou de conduzi-la por decisões externas; é não entender que a política exerce-se no interior na própria actividade científica, durante sua própria elaboração, de forma inseparável do processo de construção das tradições de trabalho, práticas empíricas e consolidação de resultados, e não por cima, por fora ou em substituição a estes processos.
Mas convenhamos. Negar a existência de uma barreira de demarcação entre as ciências naturais e sociais não significa dizer que elas sejam idênticas. Uma das coisas que diferenciam mais claramente as ciências exactas e naturais das sociais é a natureza cambiante do campo em que estas se desenvolvem, ou seja, dos interlocutores com os quais os pesquisadores e cientistas normalmente dialogam.
As ciências naturais contemporâneas lograram se desenvolver em campos de diálogo relativamente fechados, e por isto puderam criar suas próprias linguagens, com os supostos implícitos, vocabulários, hierarquias e regras de retórica e demonstração próprias de cada campo. Por muito tempo a sociedade se contentou em respeitar e admirar os cientistas, e esperar com paciência as benesses de suas descobertas. Uma novidade importante dos últimos anos, que abalou esta autoprotecção das ciências exactas e biológicas, foram as controvérsias sobre temas como os efeitos do fumo, os índices de contaminação de alimentos, a segurança dos diferentes tipos de energia, ou a responsabilidade jurídica dos médicos pelos erros técnicos que possam cometer. Em todos estes casos as fronteiras entre o "leigo" e o "especialista" tendem a se dissolver, e deixa de ser possível resolver as questões pelos procedimentos tradicionais de disputa e conciliação "técnica", intramuros.
PORQUE É QUE AS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS OCUPAM UMA PARTE PREPONDERANTE DE TODOS OS SISTEMAS DE ENSINO SUPERIOR EM QUALQUER PARTE DO MUNDO?
As ciências humanas e sociais ocupam uma parte preponderante de todos os sistemas de ensino superior em qualquer parte do mundo, pela simples razão de que o número de actividades profissionais que requerem o uso adequado da língua e conhecimentos gerais sobre a sociedade e o mundo contemporâneo são muito maiores do que as que requerem conhecimentos especializados e técnicos. Se os cientistas sociais não tratarem de atender a este público, ninguém o fará. Se o Professor Cumbane não entendeu essa parte eu posso explicar de novo.
MAS TAMBÉM O PROFESSOR CUMBANE TEM EM PARTE ALGUMA RAZÃO
A questão do uso da pesquisa social por governos e empresas tem sido bastante estudada, e o que se nota é que pesquisas são contratadas por muitas razões (legitimação de políticas, cooptação dos cientistas sociais, busca de fortalecimento de determinados sectores em lutas interburocráticas. etc), das quais o uso efectivo dos resultados obtidos nem sempre é a mais importante.
Não há dúvida que alguns cientistas sociais foram capazes de desenvolver competências de grande aceitação junto ao sector privado, como por exemplo na área de pesquisas de opinião pública e propaganda, enquanto outros se tornaram consultores disputados e bem pagos de grandes firmas nacionais e internacionais. Mas, aqui como no exterior, é difícil imaginar que este tipo de actividades venha a constituir o cerne do trabalho do cientista social, que é sobretudo de natureza académica, e por isto mesmo universitário.
Com esse texto, não venho em defesa de nenhuma ciência pois elas tendem a cada dia a partilharem mesmo gineceu de valores e preocupações. A minha defesa é pela HARMONIA das ciências e pelo trabalho interdisciplinar, transdisciplinar e pela cooperação mutua, pois os desafios da humanidade afectam a todos.
Insistir em departamentalismos bacocos é parar no tempo. Nem próprio Voltaire concordaria com esse principio se tivesse acordado da sua tumba.
Mas atenção: eu sou da opinião que o estado invista muito mais nos cursos profissionalizantes por serem esses com potencial de fomentar a inovação. Estou consciente que esses cursos são mais caros, mais exigentes em equipamento, porem reside ai a possibilidade de maximização da nossa capacidade de resiliênca.