domingo, 25 de fevereiro de 2018

Não vejo bem como é que a Frelimo aproveitaria


Não corremos o risco de ir às eleições de 2019 sem fecharmos o assunto desmilitarização e depois regressarmos à guerra, se uma das partes, neste caso, a Renamo, não conseguir aquilo que achava que iria conseguir? Uma desmilitarização inacabada não é o risco principal. Como já disse, a Renamo não quer voltar à guerra, pode no máximo fazer o que chamei de propaganda armada. Mas os riscos são muitos: um levantamento popular no centro e norte do país, nas cidades e no mato, contra o custo de vida ou contra eleições sentidas como fraudulentas e que poriam a Renamo, sem o querer à partida, a ter que responder, entrar na defesa armada dos manifestantes? Uma táctica de violência intimidatória do governo da Frelimo ou de sectores da Frelimo, se o perigo de uma derrota em 2019 aparecer plausível (o que chamei “processo de mugabização”)? E o próprio resultado das eleições. Não deve haver CNE e STAE, deve haver uma única CNE independente, com meios. Vejo um grande perigo: a Renamo aceitou este primeiro compromisso com o poder não porque é satisfatório, mas porque permite ao Dhlakama sair do mato e entrar em campanha. Dhlakama não quer fazer como em 2014, quando saiu do mato a 04 de Setembro para um escrutínio a ter lugar sete semanas mais tarde. Quer sair agora para organizar a campanha autárquica, vista como primeira etapa da campanha presidencial e legislativa. Se a Renamo está convencida que vai ganhar e perde, a situação pode ser explosiva no país. “Free and fair”, as eleições nunca o serão num Estado neopatrimonial, mas têm que serem plausíveis. Isto é: toda a gente deve estar pronta a perder, a Frelimo deve começar a conceber que pode perder. Será isso possível? A maneira de como as eleições autárquicas de 2018 se vão desenrolar será decisiva. Como é que fica o MDM, a terceira maior força política, num cenário em que os lí- deres deste partido argumentam que a Renamo e a Frelimo formaram uma coligação (FRENAMO) para prolongarem a bipolarização? O MDM não tem armas. É um partido pacífico e é isso que foi a sua simpática fraqueza. Lembro-me em 2014, a gente a dizer: “O MDM não tem armas? Mas então, quem vai nos proteger contra a Frelimo?” e votaram para a Renamo. Simango não alcançou ainda o estatuto de “Chefe Grande”. No entanto, a prazo, o MDM é muito perigoso para a Frelimo. Com efeito, apesar de este partido ser oriundo da Renamo, não conseguiu apanhar uma parte da base social da Renamo, salvo na Beira. Mas apanhou parte da base social da Frelimo, que, descontente contra a sua direção histórica, podia votar no MDM e muito mais dificilmente para a Renamo. O problema é que o MDM não me parece ter uma estratégia clara. Por exemplo, não propõe publicamente uma aliança com a Renamo. O MDM podia ganhar muita força com esta proposta pública e insistente, porque apareceria como mais unitário e seria o meio mais eficaz de impedir uma “Frenamo”. Depois das eleições, se a maioria legislativa absoluta não foi alcançada pela Renamo, mas que ela pode obtê-la com o apoio dos deputados do MDM, ele teria mesma uma importância grande. Paradoxalmente, é provável o MDM recuar, a curto prazo, porque beneficiou muito do boicote das eleições autárquicas de 2013 pela Renamo. Esta vai recuperar. Mas o MDM tem um lugar no país. É um grande paradoxo na história de Moçambique: um país altamente heterogêneo – por exemplo, só há minorias étnicas neste país! – mas é politicamente bipolarizado. Outro país africano com a mesma heterogeneidade social e cultural teria vinte partidos representados no parlamento! Moçambique só tem três. O ideal seriam três com força comparável, obrigados a negociar, para impedir o sistema de “o vencedor leva tudo”. Em alguns sectores argumenta-se que depois de ultrapassada a questão da descentralização e desarmamento, a próxima reclamação da Renamo será económica, sobretudo, a quota dos recursos naturais que a base social da oposição armada da Renamo se julga com direito. Tem a mesma percepção? Toda a gente quer comer, é claro, sendo que uns comeram muito durante muito tempo e outros ficaram na pobreza absoluta, em particular na base social da Renamo. Moçambique continua um dos países mais pobres do mundo. Porquê, 26 anos depois do fim da guerra civil? Porquê, 26 anos depois de tanta ajuda internacional? Há o problema da elite económica do país, que não é uma burguesia produtiva. Depois do abandono do dito socialismo, o projecto de “capitalismo nacional” de Armando Guebuza foi um fracasso retumbante. Não houve revolução burguesa neste país, houve formação de uma elite rendeira. E há o problema de profundos desequilíbrios regionais. Um país que foi imaginado a partir do extremo-sul, em Maputo, nunca poderá ser regionalmente equilibrado. É preciso uma revolução cultural, é preciso pôr a capital no centro geográfico do país, isto é, na Zambézia.

Conhecedor profundo da realidade moçambicana, o académico e historiador francês Michel Cahen não tem dúvidas de que foi a pressão política e militar exercida pela Renamo que obrigou o Presidente da República, Filipe Nyusi, a propor à Assembleia da República(AR) mudanças no processo de descentralização do país. “Constato que é o facto de a Renamo ter adoptado uma estraté- gia político-militar que obrigou o poder da Frelimo a negociar. Era essa a única maneira? Penso que não”, defende Michel Cahen em entrevista ao SAVANA. Sobre um dos aspectos mais polémicos da proposta de revisão constitucional apresentada por Filipe Nyusi à AR, a eleição indirecta dos presidentes de município, o académico francês aplaude essa inovação, assinalando que a eleição directa de um dirigente não é obrigatoriamente democrática. Michel Cahen descreve como “cancro da vida política de Moçambique” o facto de até agora o “vencedor ficar com tudo” nos processos eleitorais. Siga as reflexões de Cahen, numa entrevista feita electronicamente. Quarenta e oito horas depois da comunicação à nação sobre os entendimentos com o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, o Presidente da República (PR), Filipe Nyusi, submeteu à Assembleia da República (AR) a proposta que cria um novo figurino de descentralização em Moçambique. Acha que esse novo figurino pode ajudar a reduzir os conflitos pós-eleitorais? Numa entrevista dada em Outubro de 2016, tinha dito que “não haverá negociações antes de 2019”. Formalmente, errei e estou muito contente por ter errado! No entanto, o que queria dizer era que só a aproximação das eleições de 2019 poderia provocar discussões a sério entre o governo da Frelimo e a Renamo. Não tinha, então, em mente, a decisão da Renamo de participar, pela primeira vez desde 2003, nas eleições autárquicas de Outubro de 2018. O Presidente Filipe Nyusi submeteu à Assembleia da República uma proposta que cria, pelos menos oficialmente, um novo figurino de descentralização em Moçambique. E você me pede para me pronunciar sobre se isso é capaz de reduzir os conflitos pós-eleitorais. Penso que pode ajudar a diminuir os conflitos pré-eleitorais. Com efeito, a proposta do Presidente Nyusi está muito longe de poder satisfazer a Renamo, é muito mais uma desconcentração do Estado do que uma descentralização democrá- tica. Descentralização quer dizer que doravante haverá policentrismo, vários poderes. Não é o problema de a nação ser unitária, é o problema de o poder político ficar em grande medida único, embora com algumas novas concessões. É um compromisso: nem a Frelimo, nem a Renamo queriam o que o presidente Nyusi propôs. Mas do lado da Renamo, era o mínimo para permitir que – se que os assuntos militares forem resolvidos também  – o presidente Dhlakama saia do mato e a Renamo participe activamente nas eleições autárquicas que, para ela, são um treino para as eleições gerais de 2019. Vejo só uma razão para o presidente Dhlakama ter aceite este compromisso minimalista: é a possibilidade de reintegração completa da Renamo na arena política. Isso porque, suponho, ele está certo de poder ganhar em 2019. Mas tem mesmo que sair do mato. Se não houver mais esquadrões de morte, isto vai permitir uma intensificação da vida política civil e pacífica, a não ser que, vendo um verdadeiro perigo de perder em 2019, a Frelimo siga um caminho de “mugabização” e de violência pré-eleitoral. Mas como se diz em francês, a minha língua: “o pior nunca é certo!”. Sectores da sociedade civil rejeitam a pretensão de mudanças na eleição do presidente do conselho municipal de directa para indirecta. Entendem que se trata de um total retrocesso da democracia em Moçambique. O professor tem o mesmo entendimento? Não concordo, acho isso muito bom. Moçambique manteve a tradição colonial portuguesa de, nas eleições autárquicas, haver um duplo processo: eleição da assembleia municipal e eleição da câmara municipal. Mas o dualismo que é indispensável ao topo do Estado (distinguindo o poder legislativo e o poder executivo) não faz sentido na base: um município não faz leis, faz editais que respeitem as leis. Pois a dualidade não só não é útil, mas provoca conflitos entre os dois corpos. Além disso, a eleição directa de um dirigente por sufrágio directo não é obrigatoriamente democrá- tica. A tradição da esquerda francesa – meu campo de pensamento – foi sempre contra a eleição directa do presidente da República por sufrágio directo. Porquê? Porque isso dá a esse presidente – uma pessoa só – um peso tão importante como o das centenas de deputados da Assembleia e nutre a tendência do que nós achamos de bonapartismo (de Napoleão Bonaparte, o nosso famoso imperador e ditador francês). É muito melhor um poder legislativo forte, que possa controlar o poder executivo. Como indica o termo, um poder executivo deve executar o que foi democraticamente concebido pela assembleia pluralista. Ao nível das autarquias, o perigo de “pequenos bonapartes” pode ser considerado como de pouca importância, mas não é o caso: nutre em particular o clientelismo. É possivelmente disso que morreu o presidente da câmara de Nampula (Mahamudo Amurane). Em França, os presidentes dos municípios são eleitos pelas assembleias, no seu seio (não há Câmara), e depois, o presidente nomeia, sempre no seio da Assembleia, os seus vereadores. O presidente está, por isso, sob o controlo da assembleia municipal em vez de constituir um poder paralelo. Neste ponto, acho a proposta do Presidente Nyusi excelente, é um progresso na democratização do país, sobretudo se o modelo municipal se vai expandir à totalidade do país. “O vencedor leva tudo” foi o cancro da vida política de Moçambique Mas uma eleição indirecta não “mata” figuras que valem por si só (acima dos partidos) como é o caso de Manuel de Araújo (Quelimane), Daviz Simango (Beira), Venâncio Mondlane (Maputo) e potenciais Amuranes em Nampula? Não é uma estratégia da Frelimo para recuperar municípios sob gestão da oposição? Se a lei que vai passar no Parlamento determinar que é a Assembleia municipal que elege o presidente do município, e não o partido vencedor que o nomeia (mesmo com maioria relativa, com é proposto para os Governadores de Província), penso que este perigo não existe, até ao contrário. Sabendo da nova legislação, os candidatos independentes, ou de pequenos partidos locais, organizar-se-ão, formando listas de cidadãos independentes para se apresentarem às eleições com os mesmos direitos que as listas dos partidos. Se os partidos forem inteligentes – claro que não há garantia nisso... –, no caso de uma personalidade local que “vale mais que o partido” (você evoca o caso de Venâncio Mondlane em Maputo), vão ser obrigados a abrir largamente as suas listas a pessoas não membros deste partido. E muitas vezes, se um candidato, mesmo membro de um partido, for também mais potente localmente que o seu partido, este candidato vai influenciar a delegação local do partido, autonomizando-a parcialmente relativamente ao partido nacional. Acha que o MDM tem interesse em romper com Manuel de Araújo em Quelimane? Claro que não! Um Manuel de Araújo, em Quelimane não está nada em perigo por causa do novo dispositivo e tem larga margem de manobra dentro do MDM. As últimas eleições na Beira comprovaram o que digo: nas autárquicas de 2013, Daviz Simango teve muito mais votos para ser presidente da Câmara que, no ano a seguir, nas presidenciais. Os eleitores não são tontos: adaptam os seus votos consoante o objectivo. Neste caso, queriam Daviz Simango como presidente da Câmara, mas não queriam Daviz Simango candidato do MDM para a presidência da República. Não vejo bem como é que a Frelimo aproveitaria, mais que os outros partidos, este novo dispositivo. Acha que caso passe a proposta de nomeação/eleição de governadores provinciais e administradores distritais pode acabar com a política do “the winner-takes-all”, que tem sido uma ameaça à democracia em Moçambique? O conceito de “o vencedor leva tudo” foi o cancro da vida política de Moçambique no pós Acordo de Roma (1992). Os eleitores da Zambézia bem podiam sempre votar a favor da oposição, mas o governador era sempre da Frelimo, a totalidade dos administradores de distrito eram da Frelimo, a totalidade dos chefes de posto, a totalidade das autoridades comunitárias reconhecidas eram da Frelimo (quantos chefes tradicionais abertamente pró-Renamo foram reconhecidos neste país?), os chefes dos departamentos eram da Frelimo, os 7 milhões eram para os amiguinhos da Frelimo, etc. Isso nutriu a exasperação e o absentismo eleitoral em massa e o perigo de nova guerra em 2014-2015, porque havia uma massa considerá- vel de jovens muito pobres sem esperança alguma de poder mudar a situação pela via pacífica. Se o presidente Dhlakama levantava um dedo, podia haver uma revolta violentíssima em certas partes do país. Mas o que muita gente não entende é que o presidente Dhlakama é um moderado e ele não levantou o dedo. Por isso é preciso acabar com o “the winner-takes-all”. Num Estado unitário, isto é um Estado dentro do qual, em todo o país, vigora a mesma lei – não há “regiões autónomas” – municí- pios, distritos, regiões muito bem podem ser geridos pela oposição, porque essa oposição obviamente vai obedecer às leis do Estado unitário. A oposição não põe em perigo a unidade nacional pela simples razão de que a oposição faz parte da nação tal e qual como a Frelimo. A unidade da nação não é a unicidade do poder polí- tico. É assim em todos os grandes países democráticos, incluídos os unitários como a França, sem falar dos federais como a Alemanha ou o Brasil. Agora a proposta traz muitos problemas: o governador não é eleito pela assembleia provincial, é proposto pelo partido vencedor e é nomeado pelo Presidente da República. Nisso há conservadorismo: com efeito, continua a vigorar o velho conceito de que o governador não é o representante da população da província junto ao governo central, mas fica o representante do poder central junto à população da província. O Presidente da República pode exonerar um governador proposto por larga maioria por uma assembleia. O governador, é verdade, responde perante a assembleia, mas é nomeado pelo poder central. Vejo muito bem um governador da Renamo a fazer a política da Frelimo. Temos muitos conflitos em vista, incluindo dentro da própria Renamo. No entanto, é preciso ver isso numa dinâmica: se houver um governador da Renamo, já nem todos os administradores de distritos ou chefes de posto vão ser da Frelimo. E isso vai mudar muito, as populações vão dizer: “as estruturas agora podem ser da Renamo?” Só isso já é uma potencial revolução cultural neste país. Entende que o modelo de um governador proposto pelo partido vencedor na província e nomeado pelo Presidente da República é o ideal? A meu ver, o governador não devia ser proposto pelo partido vencedor numa província, mas eleito pela Assembleia provincial. Não é a mesma coisa. Imaginemos uma província onde a Frelimo é vencedora com 45% dos deputados, depois vem a Renamo com 43%, depois vem o MDM com 12%. Se entendi bem a proposta actual, é a Frelimo que propõe o nome do governador. Se fosse a assembleia a fazer a proposta, uma aliança entre a Renamo e o MDM faria com que essa coligação fizesse a proposta. Num caso, haverá um governador da Frelimo, embora este partido não tenha a maioria na assembleia, com instabilidade, no outro caso, provavelmente, um governador da Renamo num executivo provincial de coligação, tendo a maioria na assembleia, com estabilidade. Então o que deve prevalecer? Uma maioria absoluta para a assembleia propor um governador? Sim, uma maioria absoluta, mas que pode provir de uma coligação dentro da Assembleia, mesmo que os partidos se tivessem apresentado separadamente ao escrutínio, como no exemplo teórico que acabei de frisar. E insisto: devia ser uma eleição, não uma mera “proposta”. Precisamente, porque o novo dispositivo prevê que haja, em cada província, um Secretário de Estado directamente nomeado pelo poder central, não se entende porque é que o Governador também deve ser nomeado pelo mesmo poder central. O facto de o Governador ser realmente eleito pela Assembleia provincial não é antagónico ao Estado unitário, porque todos os Governadores, quaisquer que forem as suas filiações partidárias, deverão obedecer à mesma lei nacional. A indicação de um Secretário de Estado não pode concorrer para a existência de conflitos institucionais, sobretudo, em províncias onde o governador não é do mesmo partido que o Secretário de Estado? Claro que sim! Vejam-se os conflitos permanentes nos municí- pios vencidos pela oposição. Mas não só aqueles! A transferência das competências e das verbas correspondentes do governo do distrito para o município está sempre atrasada e parcial! Diz-se que os municípios não têm os funcionários qualificados para assumir isso. Mas aqui voltamos ao “vencedor leva tudo”. Com efeito, a transferência de competências deveria ser acompanha pela transferência de funcionários públicos, sempre assalariados pelo Estado, mas em regime de destacamento nos municípios. Não são eles pagos pelos impostos dos cidadãos? Porque é que um funcionário do distrito não poderia ir trabalhar para o município, continuando a receber o seu salário do Estado? Os funcionários públicos não são propriedade do Estado central, são propriedade do povo. O Estado continua a considerar os municípios como algo de estrangeiro, algo de exterior. Mas os municípios também são estruturas do Estado (pelo menos no sentido de Marx), são estruturas descentralizadas do Estado e não só desconcentradas. O Estado não é só o governo, é a totalidade das instituições públicas encarregadas de gerir o país. Pois o que é previsto nas regiões, mais tarde nos distritos, e o que vai continuar nos municípios, isso é um perigo de guerrinhas permanentes entre o Estado central (cujos escalões desconcentrados terão os orçamentos e os funcionários) e as estruturas descentralizadas (que terão a legitimidade popular local). Qual é o modelo ideal? Não há. Mas penso que se deve sair da mera dicotomia centralização/descentralização para entrar numa dinâmica de democratização. A descentralização (mesmo se for disso que se trata e não somente de uma desconcentração) não é suficiente. Muitos países africanos já têm décadas de experiências de descentralização, frequentemente impostas pelo Banco Mundial. Muitas vezes, isso permitiu antes de mais a recomposição do poder central e o fortalecimento do clientelismo. Um governador, um presidente de câmara, um gestor de distrito eleitos devem também poder ser exonerados. Por exemplo, se 10% dos eleitores o exigirem, deve haver novas eleições: vão-me dizer que isso vai produzir uma instabilidade permanente e um custo enorme. Não é, pois na realidade concreta é muito difícil conseguir 10% dos habitantes num abaixo-assinado com identidades comprovadas por exemplo pelo cartão de eleitor (que, sendo gratui- t o , é muito mais generalizado que o bilhete de identidade).

TEMA DA SEMANA 2 Savana 23-02-2018 tido. E muitas vezes, se um candidato, mesmo membro de um partido, for também mais potente localmente que o seu partido, este candidato vai influenciar a delegação local do partido, autonomizando-a parcialmente relativamente ao partido nacional. Acha que o MDM tem interesse em romper com Manuel de Araújo em Quelimane? Claro que não! Um Manuel de Araújo, em Quelimane não está nada em perigo por causa do novo dispositivo e tem larga margem de manobra dentro do MDM. As últimas eleições na Beira comprovaram o que digo: nas autárquicas de 2013, Daviz Simango teve muito mais votos para ser presidente da Câmara que, no ano a seguir, nas presidenciais. Os eleitores não são tontos: adaptam os seus votos consoante o objectivo. Neste caso, queriam Daviz Simango como presidente da Câmara, mas não queriam Daviz Simango candidato do MDM para a presidência da República. Não vejo bem como é que a Frelimo aproveitaria, mais que os outros partidos, este novo dispositivo. Acha que caso passe a proposta de nomeação/eleição de governadores provinciais e administradores distritais pode acabar com a política do “the winner-takes-all”, que tem sido uma ameaça à democracia em Moçambique? O conceito de “o vencedor leva tudo” foi o cancro da vida política de Moçambique no pós Acordo de Roma (1992). Os eleitores da Zambézia bem podiam sempre votar a favor da oposição, mas o governador era sempre da Frelimo, a totalidade dos administradores de distrito eram da Frelimo, a totalidade dos chefes de posto, a totalidade das autoridades comunitárias reconhecidas eram da Frelimo (quantos chefes tradicionais abertamente pró-Renamo foram reconhecidos neste país?), os chefes dos departamentos eram da Frelimo, os 7 milhões eram para os amiguinhos da Frelimo, etc. Isso nutriu a exasperação e o absentismo eleitoral em massa e o perigo de nova guerra em 2014-2015, porque havia uma massa considerá- vel de jovens muito pobres sem esperança alguma de poder mudar a situação pela via pacífica. Se o presidente Dhlakama levantava um dedo, podia haver uma revolta violentíssima em certas partes do país. Mas o que muita gente não entende é que o presidente Dhlakama é um moderado e ele não levantou o dedo. Por isso é preciso acabar com o “the winner-takes-all”. Num Estado unitário, isto é um Estado dentro do qual, em todo TEMA DA SEMANA C onhecedor profundo da realidade moçambicana, o académico e historiador francês Michel Cahen não tem dúvidas de que foi a pressão política e militar exercida pela Renamo que obrigou o Presidente da República, Filipe Nyusi, a propor à Assembleia da República(AR) mudanças no processo de descentralização do país. “Constato que é o facto de a Renamo ter adoptado uma estraté- gia político-militar que obrigou o poder da Frelimo a negociar. Era essa a única maneira? Penso que não”, defende Michel Cahen em entrevista ao SAVANA. Sobre um dos aspectos mais polémicos da proposta de revisão constitucional apresentada por Filipe Nyusi à AR, a eleição indirecta dos presidentes de município, o académico francês aplaude essa inovação, assinalando que a eleição directa de um dirigente não é obrigatoriamente democrática. Michel Cahen descreve como “cancro da vida política de Moçambique” o facto de até agora o “vencedor ficar com tudo” nos processos eleitorais. Siga as reflexões de Cahen, numa entrevista feita electronicamente. Quarenta e oito horas depois da comunicação à nação sobre os entendimentos com o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, o Presidente da República (PR), Filipe Nyusi, submeteu à Assembleia da República (AR) a proposta que cria um novo figurino de descentralização em Moçambique. Acha que esse novo figurino pode ajudar a reduzir os conflitos pós-eleitorais? Numa entrevista dada em Outubro de 2016, tinha dito que “não haverá negociações antes de 2019”. Formalmente, errei e estou muito contente por ter errado! No entanto, o que queria dizer era que só a aproximação das eleições de 2019 poderia provocar discussões a sério entre o governo da Frelimo e a Renamo. Não tinha, então, em mente, a decisão da Renamo de participar, pela primeira vez desde 2003, nas eleições autárquicas de Outubro de 2018. O Presidente Filipe Nyusi submeteu à Assembleia da República uma proposta que cria, pelos menos oficialmente, um novo figurino de descentralização em Moçambique. E você me pede para me pronunciar sobre se isso é capaz de reduzir os conflitos pós-eleitorais. Penso que pode ajudar a diminuir os conflitos pré-eleitorais. Com efeito, a proposta do Presidente Nyusi está muito longe de poder satisfazer a Renamo, é muito mais uma desconcentração do Estado do que uma descentralização democrá- tica. Descentralização quer dizer que doravante haverá policentrismo, vários poderes. Não é o problema de a nação ser unitária, é o problema de o poder político ficar em grande medida único, embora com algumas novas concessões. É um compromisso: nem a Frelimo, nem a Renamo queriam o que o presidente Nyusi propôs. Mas do lado da Renamo, era o mínimo para permitir que – se que os assuntos militares forem resolvidos também  – o presidente Dhlakama saia do mato e a Renamo participe activamente nas eleições autárquicas que, para ela, são um treino para as eleições gerais de 2019. Vejo só uma razão para o presidente Dhlakama ter aceite este compromisso minimalista: é a possibilidade de reintegração completa da Renamo na arena política. Isso porque, suponho, ele está certo de poder ganhar em 2019. Mas tem mesmo que sair do mato. Se não houver mais esquadrões de morte, isto vai permitir uma intensificação da vida política civil e pacífica, a não ser que, vendo um verdadeiro perigo de perder em 2019, a Frelimo siga um caminho de “mugabização” e de violência pré-eleitoral. Mas como se diz em francês, a minha língua: “o pior nunca é certo!”. Sectores da sociedade civil rejeitam a pretensão de mudanças na eleição do presidente do conselho municipal de directa para indirecta. Entendem que se trata de um total retrocesso da democracia em Moçambique. O professor tem o mesmo entendimento? Não concordo, acho isso muito bom. Moçambique manteve a tradição colonial portuguesa de, nas eleições autárquicas, haver um duplo processo: eleição da assembleia municipal e eleição da câmara municipal. Mas o dualismo que é indispensável ao topo do Estado (distinguindo o poder legislativo e o poder executivo) não faz sentido na base: um município não faz leis, faz editais que respeitem as leis. Pois a dualidade não só não é útil, mas provoca conflitos entre os dois corpos. Além disso, a eleição directa de um dirigente por sufrágio directo não é obrigatoriamente democrá- tica. A tradição da esquerda francesa – meu campo de pensamento – foi sempre contra a eleição directa do presidente da República por sufrágio directo. Porquê? Porque isso dá a esse presidente – uma pessoa só – um peso tão importante como o das centenas de deputados da Assembleia e nutre a tendência do que nós achamos de bonapartismo (de Napoleão Bonaparte, o nosso famoso imperador e ditador francês). É muito melhor um poder legislativo forte, que possa controlar o poder executivo. Como indica o termo, um poder executivo deve executar o que foi democraticamente concebido pela assembleia pluralista. Ao nível das autarquias, o perigo de “pequenos bonapartes” pode ser considerado como de pouca importância, mas não é o caso: nutre em particular o clientelismo. É possivelmente disso que morreu o presidente da câmara de Nampula (Mahamudo Amurane). Em França, os presidentes dos municípios são eleitos pelas assembleias, no seu seio (não há Câmara), e depois, o presidente nomeia, sempre no seio da Assembleia, os seus vereadores. O presidente está, por isso, sob o controlo da assembleia municipal em vez de constituir um poder paralelo. Neste ponto, acho a proposta do Presidente Nyusi excelente, é um progresso na democratização do país, sobretudo se o modelo municipal se vai expandir à totalidade do país. “O vencedor leva tudo” foi o cancro da vida política de Moçambique Mas uma eleição indirecta não “mata” figuras que valem por si só (acima dos partidos) como é o caso de Manuel de Araújo (Quelimane), Daviz Simango (Beira), Venâncio Mondlane (Maputo) e potenciais Amuranes em Nampula? Não é uma estratégia da Frelimo para recuperar municípios sob gestão da oposição? Se a lei que vai passar no Parlamento determinar que é a Assembleia municipal que elege o presidente do município, e não o partido vencedor que o nomeia (mesmo com maioria relativa, com é proposto para os Governadores de Província), penso que este perigo não existe, até ao contrário. Sabendo da nova legislação, os candidatos independentes, ou de pequenos partidos locais, organizar-se-ão, formando listas de cidadãos independentes para se apresentarem às eleições com os mesmos direitos que as listas dos partidos. Se os partidos forem inteligentes – claro que não há garantia nisso... –, no caso de uma personalidade local que “vale mais que o partido” (você evoca o caso de Venâncio Mondlane em Maputo), vão ser obrigados a abrir largamente as suas listas a pessoas não membros deste parO olhar de Michel Cahen Desconcentração, descentralização ou democratização? Por Francisco Carmona O conceito de “o vencedor leva tudo” foi o cancro da vida política de Moçambique no pós Acordo de Roma (1992) - Michel Cahen. - A pressão político-militar obrigou a Frelimo a negociar -“(...) a propaganda armada da Renamo permitiu Dhlakama recuperar espaço político” TEMA DA SEMANA Savana 23-02-2018 3 o país, vigora a mesma lei – não há “regiões autónomas” – municí- pios, distritos, regiões muito bem podem ser geridos pela oposição, porque essa oposição obviamente vai obedecer às leis do Estado unitário. A oposição não põe em perigo a unidade nacional pela simples razão de que a oposição faz parte da nação tal e qual como a Frelimo. A unidade da nação não é a unicidade do poder polí- tico. É assim em todos os grandes países democráticos, incluídos os unitários como a França, sem falar dos federais como a Alemanha ou o Brasil. Agora a proposta traz muitos problemas: o governador não é eleito pela assembleia provincial, é proposto pelo partido vencedor e é nomeado pelo Presidente da República. Nisso há conservadorismo: com efeito, continua a vigorar o velho conceito de que o governador não é o representante da população da província junto ao governo central, mas fica o representante do poder central junto à população da província. O Presidente da República pode exonerar um governador proposto por larga maioria por uma assembleia. O governador, é verdade, responde perante a assembleia, mas é nomeado pelo poder central. Vejo muito bem um governador da Renamo a fazer a política da Frelimo. Temos muitos conflitos em vista, incluindo dentro da própria Renamo. No entanto, é preciso ver isso numa dinâmica: se houver um governador da Renamo, já nem todos os administradores de distritos ou chefes de posto vão ser da Frelimo. E isso vai mudar muito, as populações vão dizer: “as estruturas agora podem ser da Renamo?” Só isso já é uma potencial revolução cultural neste país. Entende que o modelo de um governador proposto pelo partido vencedor na província e nomeado pelo Presidente da República é o ideal? A meu ver, o governador não devia ser proposto pelo partido vencedor numa província, mas eleito pela Assembleia provincial. Não é a mesma coisa. Imaginemos uma província onde a Frelimo é vencedora com 45% dos deputados, depois vem a Renamo com 43%, depois vem o MDM com 12%. Se entendi bem a proposta actual, é a Frelimo que propõe o nome do governador. Se fosse a assembleia a fazer a proposta, uma aliança entre a Renamo e o MDM faria com que essa coligação fizesse a proposta. Num caso, haverá um governador da Frelimo, embora este partido não tenha a maioria na assembleia, com instabilidade, no outro caso, provavelmente, um governador da Renamo num executivo provincial de coligação, tendo a maioria na assembleia, com estabilidade. Então o que deve prevalecer? Uma maioria absoluta para a assembleia propor um governador? Sim, uma maioria absoluta, mas que pode provir de uma coligação dentro da Assembleia, mesmo que os partidos se tivessem apresentado separadamente ao escrutínio, como no exemplo teórico que acabei de frisar. E insisto: devia ser uma eleição, não uma mera “proposta”. Precisamente, porque o novo dispositivo prevê que haja, em cada província, um Secretário de Estado directamente nomeado pelo poder central, não se entende porque é que o Governador também deve ser nomeado pelo mesmo poder central. O facto de o Governador ser realmente eleito pela Assembleia provincial não é antagónico ao Estado unitário, porque todos os Governadores, quaisquer que forem as suas filiações partidárias, deverão obedecer à mesma lei nacional. A indicação de um Secretário de Estado não pode concorrer para a existência de conflitos institucionais, sobretudo, em províncias onde o governador não é do mesmo partido que o Secretário de Estado? Claro que sim! Vejam-se os conflitos permanentes nos municí- pios vencidos pela oposição. Mas não só aqueles! A transferência das competências e das verbas correspondentes do governo do distrito para o município está sempre atrasada e parcial! Diz-se que os municípios não têm os funcionários qualificados para assumir isso. Mas aqui voltamos ao “vencedor leva tudo”. Com efeito, a transferência de competências deveria ser acompanha pela transferência de funcionários públicos, sempre assalariados pelo Estado, mas em regime de destacamento nos municípios. Não são eles pagos pelos impostos dos cidadãos? Porque é que um funcionário do distrito não poderia ir trabalhar para o município, continuando a receber o seu salário do Estado? Os funcionários públicos não são propriedade do Estado central, são propriedade do povo. O Estado continua a considerar os municípios como algo de estrangeiro, algo de exterior. Mas os municípios também são estruturas do Estado (pelo menos no sentido de Marx), são estruturas descentralizadas do Estado e não só desconcentradas. O Estado não é só o governo, é a totalidade das instituições públicas encarregadas de gerir o país. Pois o que é previsto nas regiões, mais tarde nos distritos, e o que vai continuar nos municípios, isso é um perigo de guerrinhas permanentes entre o Estado central (cujos escalões desconcentrados terão os orçamentos e os funcionários) e as estruturas descentralizadas (que terão a legitimidade popular local). Qual é o modelo ideal? Não há. Mas penso que se deve sair da mera dicotomia centralização/descentralização para entrar numa dinâmica de democratização. A descentralização (mesmo se for disso que se trata e não somente de uma desconcentração) não é suficiente. Muitos países africanos já têm décadas de experiências de descentralização, frequentemente impostas pelo Banco Mundial. Muitas vezes, isso permitiu antes de mais a recomposição do poder central e o fortalecimento do clientelismo. Um governador, um presidente de câmara, um gestor de distrito eleitos devem também poder ser exonerados. Por exemplo, se 10% dos eleitores o exigirem, deve haver novas eleições: vão-me dizer que isso vai produzir uma instabilidade permanente e um custo enorme. Não é, pois na realidade concreta é muito difícil conseguir 10% dos habitantes num abaixo-assinado com identidades comprovadas por exemplo pelo cartão de eleitor (que, sendo gratui- t o , é muito mais generalizado que o bilhete de identidade). Não corremos o risco de ir às eleições de 2019 sem fecharmos o assunto desmilitarização e depois regressarmos à guerra, se uma das partes, neste caso, a Renamo, não conseguir aquilo que achava que iria conseguir? Uma desmilitarização inacabada não é o risco principal. Como já disse, a Renamo não quer voltar à guerra, pode no máximo fazer o que chamei de propaganda armada. Mas os riscos são muitos: um levantamento popular no centro e norte do país, nas cidades e no mato, contra o custo de vida ou contra eleições sentidas como fraudulentas e que poriam a Renamo, sem o querer à partida, a ter que responder, entrar na defesa armada dos manifestantes? Uma táctica de violência intimidatória do governo da Frelimo ou de sectores da Frelimo, se o perigo de uma derrota em 2019 aparecer plausível (o que chamei “processo de mugabização”)? E o próprio resultado das eleições. Não deve haver CNE e STAE, deve haver uma única CNE independente, com meios. Vejo um grande perigo: a Renamo aceitou este primeiro compromisso com o poder não porque é satisfatório, mas porque permite ao Dhlakama sair do mato e entrar em campanha. Dhlakama não quer fazer como em 2014, quando saiu do mato a 04 de Setembro para um escrutínio a ter lugar sete semanas mais tarde. Quer sair agora para organizar a campanha autárquica, vista como primeira etapa da campanha presidencial e legislativa. Se a Renamo está convencida que vai ganhar e perde, a situação pode ser explosiva no país. “Free and fair”, as eleições nunca o serão num Estado neopatrimonial, mas têm que serem plausíveis. Isto é: toda a gente deve estar pronta a perder, a Frelimo deve começar a conceber que pode perder. Será isso possível? A maneira de como as eleições autárquicas de 2018 se vão desenrolar será decisiva. Como é que fica o MDM, a terceira maior força política, num cenário em que os lí- deres deste partido argumentam que a Renamo e a Frelimo formaram uma coligação (FRENAMO) para prolongarem a bipolarização? O MDM não tem armas. É um partido pacífico e é isso que foi a sua simpática fraqueza. Lembro-me em 2014, a gente a dizer: “O MDM não tem armas? Mas então, quem vai nos proteger contra a Frelimo?” e votaram para a Renamo. Simango não alcançou ainda o estatuto de “Chefe Grande”. No entanto, a prazo, o MDM é muito perigoso para a Frelimo. Com efeito, apesar de este partido ser oriundo da Renamo, não conseguiu apanhar uma parte da base social da Renamo, salvo na Beira. Mas apanhou parte da base social da Frelimo, que, descontente contra a sua direção histórica, podia votar no MDM e muito mais dificilmente para a Renamo. O problema é que o MDM não me parece ter uma estratégia clara. Por exemplo, não propõe publicamente uma aliança com a Renamo. O MDM podia ganhar muita força com esta proposta pública e insistente, porque apareceria como mais unitário e seria o meio mais eficaz de impedir uma “Frenamo”. Depois das eleições, se a maioria legislativa absoluta não foi alcançada pela Renamo, mas que ela pode obtê-la com o apoio dos deputados do MDM, ele teria mesma uma importância grande. Paradoxalmente, é provável o MDM recuar, a curto prazo, porque beneficiou muito do boicote das eleições autárquicas de 2013 pela Renamo. Esta vai recuperar. Mas o MDM tem um lugar no país. É um grande paradoxo na história de Moçambique: um país altamente heterogêneo – por exemplo, só há minorias étnicas neste país! – mas é politicamente bipolarizado. Outro país africano com a mesma heterogeneidade social e cultural teria vinte partidos representados no parlamento! Moçambique só tem três. O ideal seriam três com força comparável, obrigados a negociar, para impedir o sistema de “o vencedor leva tudo”. Em alguns sectores argumenta-se que depois de ultrapassada a questão da descentralização e desarmamento, a próxima reclamação da Renamo será económica, sobretudo, a quota dos recursos naturais que a base social da oposição armada da Renamo se julga com direito. Tem a mesma percepção? Toda a gente quer comer, é claro, sendo que uns comeram muito durante muito tempo e outros ficaram na pobreza absoluta, em particular na base social da Renamo. Moçambique continua um dos países mais pobres do mundo. Porquê, 26 anos depois do fim da guerra civil? Porquê, 26 anos depois de tanta ajuda internacional? Há o problema da elite económica do país, que não é uma burguesia produtiva. Depois do abandono do dito socialismo, o projecto de “capitalismo nacional” de Armando Guebuza foi um fracasso retumbante. Não houve revolução burguesa neste país, houve formação de uma elite rendeira. E há o problema de profundos desequilíbrios regionais. Um país que foi imaginado a partir do extremo-sul, em Maputo, nunca poderá ser regionalmente equilibrado. É preciso uma revolução cultural, é preciso pôr a capital no centro geográfico do país, isto é, na Zambézia. Frelimo pode adoptar a “mugabização” TEMA DA SEMANA 4 Savana 23-02-2018 Propaganda armada da Renamo Até que ponto os consensos alcançados/ganhos da Renamo mostram que a violência é o único e mais eficaz mecanismo de obtenção de concessões polí- ticas em Moçambique? Teria ou não a Renamo conseguido estas concessões se não tivesse armas? É possível negociar com a Frelimo sem estar armado? Uma Renamo desarmada conseguiria os consensos que conseguiu? Violência de quem? Quando, ano após ano, nas vilas e no mato, toda a gente pode facilmente aperceber-se que se vive melhor com o cartão vermelho que sem este, isso não será violência acumulada? Quando há uma estranha avaria de electricidade no momento de contagem dos boletins de voto em Maputo e na Matola nas eleições autárquicas de 2013, não é violência isso? Quando gente do poder diz, hoje, que os empréstimos escondidos de 2013 eram na realidade para fins militares, não estão reconhecendo que o poder de então já tinha decidido uma violenta repressão contra a Renamo, que ainda não tinha começado as suas operações? Senão, porquê rearmar em 2013? Quem produziu os esquadrões da morte? O que fez a Renamo no seu processo de “volta ao mato” que começou em 2013 não foi uma decisão clara de retorno à luta armada, mesmo se houvesse um perigo real de volta à guerra civil, pelas razões que já apontei. O que fez a Renamo é o que se pode chamar de propaganda armada. E a grande força política das iniciativas militares da Renamo foi que essas iniciativas eram quase sempre defensivas. Num contexto onde nas eleições, mesmo nas províncias onde a oposição ganhava, nada mudava, todas as estruturas ficavam na mão do mesmo partido, onde toda a gente sabia que quem era chefe era a Frelimo e que quem era “Chefe Grande” era o presidente da Frelimo, essa propaganda armada da Renamo permitiu a Afonso Dhlakama recuperar espaço político: se o “Chefe Grande” do governo não conseguia matá- -lo ou apanhá-lo, significava que Dhlakama também era “Chefe Grande”. Moçambique não tem tradição democrática: os Estados africanos pré-coloniais não eram democráticos, o colonialismo obviamente não foi, o dito marxismo-leninismo não foi e o período de partido hegemónico ainda não foi. Pois o que procuram as pessoas do povo muitas vezes não é “mais democracia”, é a descoberta de um bom chefe. Obviamente, um bom chefe, se não houver contrapoderes, não vai ficar bom chefe muito tempo! Não há despotismo esclarecido que perdure, torna-se rapidamente despotismo tout court. E como dizia o grande revolucionário francês Saint-Just em 1793, “le pouvoir corrompt et le pouvoir absolu corrompt absolument” (“o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”). Constato que é o facto de a Renamo ter adoptado uma estraté- gia político-militar que obrigou o poder da Frelimo a negociar. Era essa a única maneira? Penso que não. Um forte partido de oposição com ligação à sociedade civil, aos movimentos sociais, podia desenvolver manifestações pacíficas em todo o país, provavelmente violentamente reprimidas pelo poder, mas provocando mais manifestações pacíficas e ainda mais massivas. Assim nascem as A Anadarko anunciou nesta terça-feira ter chegado a acordo com a Electricité General de France (EGF) para a venda de 1,2 milhões de toneladas anuais de (MPTA) de Gás Natural Liquefeito (GNL), durante 15 anos da sua concessão da Área 1 na Bacia do Rovuma. Segundo o vice-presidente executivo da Anadarko, Mitch Ingram, o acordo com a EGF é parte de uma carteira de vendas de cinco MPTA, cujos termos já foram acordados entre a multinacional norte-americana e os seus parceiros no consórcio da Área 1. “Continuamos a discutir mais acordos de venda”, acrescentou Mitch Ingram. No mínimo, a Anadarko deve assegurar a venda de 8 MPTA de GNL para poder garantir o financiamento necessário ao desenvolvimento do seu projecto na Bacia do Rovuma. Em Dezembro, a Reuters informou que a Anadarko concluiu um acordo de venda de 280 mil MPTA válido por 15 anos à japonesa Tohoku Electric Power Company. A Anadarko também assinou um acordo de compra e venda com a tailandesa PTT, que detém 8,5% do consórcio, para a venda de 2,6 MPTA. Este acordo aguarda a aprovação do governo tailandês. A multinacional norte-americana detém 26,5 na Área 1, a PTT 8,5%, ENH 15%, Mitsui, do Japão, 20%, e as companhias indianas Videsh, 16%, Oil India, 4%, Bharat Petroleum, 10%. revoluções como no Burkina-Faso, quando o povo afastou Blaise Compaoré em 2014 depois de 27 anos de poder. Só que este forte partido de oposição com ligação à sociedade civil não existia em Moçambique. Não vou dizer que a estratégia político-militar da Renamo foi boa ou má. Mas conseguiu. Foi assim. Aparentemente, a parte relacionada com o desarmamento, desmobilização e reintegração dos militares da Renamo é o ponto mais sensível e complicado de negociar. Acha que a Renamo abrirá mão das suas forças antes da questão do pacote de descentralização ser aprovada pelo Parlamento? Não vejo o interesse da Renamo em abrir mão das suas forças antes desta aprovação pelo parlamento. A Renamo tem razões para desconfiar. Lembrem-se do acordo sobre despartidarização do Estado que foi alcançado na comissão Renamo-Frelimo? No dia a seguir, o parlamento de maioria da Frelimo chumbou a proposta. A situação mudou, com certeza. Mas a Renamo fará concessões, se o governo da Frelimo fizer concessões. No fundo há três problemas distintos: os mais conhecidos são o das “forças residuais” da Renamo (para integrar na polícia) e o dos militares da Renamo integrados nas FADM mas marginalizados. Com vontade política, isso é bastante fácil de resolver, até no plano financeiro: quantos militares da Renamo se poderiam integrar com o valor dos carros de luxo regularmente comprados para uns fulanos ou sicranos do poder? Vejo um perigo, uma chantagem financeira deste tipo: “já estamos com o problema das dívidas escondidas, agora para pagar a reintegração dos militares da Renamo, temos de ter apoio da comunidade internacional”, uma espécie de troco. Se a reintegração dos soldados da Renamo for decretada uma grande causa nacional, é dentro do orçamento do país que se deve encontrar este dinheiro. Não se pode fazer isso, obviamente, se ao mesmo tempo, os impostos das companhias estrangeiras, dos mega-projetos são baixíssimos... Afinal, é um assunto de soberania popular. O terceiro problema é muito mais complicado: é o dos antigos combatentes da Renamo, que foram desmobilizados em 1992-94, que voltaram às suas aldeias. Aqui, Anadarko vai vender gás à EGF fizeram-se as cerimónias que se deviam fazer para os espíritos dos antepassados aceitarem acolher a volta dos combatentes. Regra geral, isso foi um sucesso. Mas depois, com a re-estabilização do poder hegemónico, muitos dos antigos combatentes foram ostracizados e voltaram às antigas bases onde constituíram aldeias de antigos combatentes. Ficaram anos ali, na miséria. Esperavam pela formação de uma associação dos antigos combatentes que poderia organizar pequenos projectos económicos. Mas, apesar de ela ser oficialmente constituída em 2007, nunca funcionou, aumentando o desespero. Muitos dos antigos combatentes que foram dormir nas ruas de Nampula em 2012 à volta da casa de Afonso Dhlakama queriam, de um lado, protegê-lo, mas, por outro lado, pressioná-lo. É provavelmente na situação desses antigos combatentes que reside a causa principal da viragem política de Afonso Dhlakama quando decidiu refugiar-se em Sadjundjira. Mas o problema social continua. Será que a reforma provincial vai ajudar a resolvê-lo, com governadores atentos a essa miséria? TEMA DA SEMANA Savana 23-02-2018 5 PUBLICIDADE Campus UEM 02 Março | 20h00 RICHARD BONA ERNIE SMITH ALBINO MBIE JIMMY DLUDLU Bilhetes: Normal: 2000MT VIP: 7500MT Exposição de Pintura “SINFONIAS 2” de PMourana | Os portões abrem às 18h30 Bilhetes já disponíveis nos Balcões do BancABC (Maputo e Matola), Computicket, Dolce Vita & Uptown Café NOITE DE GUITARRA VOL. II 6 Savana 23-02-2018 SOCIEDADE SOCIEDADE Tel: 013 758 1222 reservations@bundulodge.co.za R40 main road Nelspruit / White river www.bundulodge.co.za Apartir deR395por pessoa RESERVE JÁ!!! ACOMODAÇÃO Acomodaçao para os meses de Janeiro e Fevereiro de 2018 O governo moçambicano poderá ver esbarrada a possibilidade de mobilizar financiamento para investir num novo sistema de transporte público designado AGT, para o Município de Maputo. Em causa estão as chamadas dívidas ocultas, contraídas durante a administração Guebuza. O projecto AGT, sigla de Automated Guideway Transit, irá implicar a utilização de comboios que usam pneus de borracha, não pilotado, cuja operatividade depende de sistemas informáticos. Segundo o embaixador do Japão em Moçambique, Toshio Ikeda, enquanto não ficar clarificada a questão das dívidas ilegalmente contraídas entre 2013 e 2014, o seu país só poderá conceder apoio técnico e não financeiro ao projecto. Orçado em USD544.6 milhões, o projecto AGT é visto como uma das principais soluções para os problemas de mobilidade urbana e de transporte público de passageiros que afectam o Município de Maputo. Na quarta-feira, uma equipa de consultores nipónicos apresentou um estudo de viabilidade do projecto, que se deverá estender por um raio de 18 quilómetros, na rota Baixa- Zimpeto. Numa primeira fase, o percurso será Baixa-Benfica, para mais tarde ser alargado para Zimpeto. Com capacidade para transportar 112 mil pessoas por dia, a bordo de seis comboios, com capacidade de levar 700 passageiros, o projecto vai ter 15 estações e mais 2,8 quilómetros de linha para o aeroporto. A viagem deverá custar 25 meticais. De acordo com a apresentação, a primeira fase das obras vai arrancar em 2020, as operações experimentais em 2023 e a segunda e última fase estará pronta até 2033. A ideia é implantar o projecto no espaço outrora reservado ao BRT (Bus Rapid Transit) e espera-se que a infra-estrutura seja mista, composta por um viaduto aéreo a ser implantado no meio da EN1 e outro de superfície, com separadores de betão pelas laterais. O estudo de viabilidade diz que o AGT constitui uma solução eficaz para o sistema de transporte urbano de média capacidade, como é o caso da capital moçambicana. Considera imperioso que se substitua o BRT pelo AGT ao longo da EN1, devido aos problemas de capacidade que pode gerar num futuro próximo. Financiamento O AGT surge como fruto da cooperação entre Moçambique e Japão e como resultado da visita efectuada pelo Presidente da República, Filipe Nyusi, àquele país no ano passado. Na ocasião, os dois governos assinaram um memorando de entendimento para resolver a problemática dos transportes públicos na capital do país. De seguida, foi constituída uma equipa de trabalho de ambos os lados, que resultou na vinda de consultores japoneses que elaboraram o estudo de viabilidade do projecto. Os consultores defendem que um empréstimo externo seria favorável para garantir a viabilidade da iniciativa, apontando o Japão como a opção viável de financiamento. Não há condições - Japão Sobre esta matéria, o embaixador nipónico em Moçambique, Toshio Ikeda, mostrou o seu alinhamento com os países membros do Fundo Monetário Internacional (FMI), que congelaram empréstimos financeiros ao país na sequência das dívidas ocultas. “Por enquanto, ainda não há condições para financiarmos este projecto, devido às dívidas. De momento, só podemos providenciar apoio técnico até que o problema seja resolvido”, disse Ikeda. O diplomata enfatizou que o governo moçambicano deve empenhar-se para que o país volte a ser um devedor de confiança. No evento, quer o governo moçambicano quer o município optaram por não falar do orçamento necessário para a implementação do AGT, assinalando que a questão será analisada mais tarde. BRT Antes do AGT, o Município de Maputo apresentou em 2014 um projecto denominado BRT (Bus Rapid Transit) e o metro de superfície para resolver a problemática dos transportes públicos na edilidade. O BRT foi a bandeira da campanha eleitoral de David Simango para o Município de Maputo e tinha financiamento garantido pelo governo brasileiro. Mas a queda do governo do PT, em Agosto de 2016, na altura dirigido por Dilma Rousseff, e a consequente ascensão de Michel Temer deitou o projecto por terra. Temer congelou o financiamento de dois projectos em Moçambique, a barragem de Moamba-major e o BRT. Numa entrevista ao SAVANA, em 2016, Simango minimizou o assunto e manifestou optimismo em relação à viabilização do BRT. O vereador dos Transportes no Município de Maputo, João Matlombe, negou que o BRT esteja “morto”, assinalando que o projecto foi redimensionado para o corredor entre a Av. Julius Nyerere e a Praça da Juventude, em Magoanine. Segundo Matlombe, o Plano Director de Mobilidade e Transportes prevê três projectos. O primeiro é o metro-bus, na rota Maputo-Matola, que conta com a parceria do sector privado; o segundo é o AGT, ao longo da EN1, e o terceiro é o BRT, no trajecto Julius Nyerere-Magoanine. Para a execução do projecto BRT, o governo municipal está à procura de alternativas ao Brasil. Por sua vez, o ministro dos Transportes e Comunicações, Carlos Mesquita, também assinalou que o BRT está em redimensionamento, devido à conjuntura económica do país. Mesquita apontou que o discurso governamental recomenda que se arranjem soluções exequíveis para a realidade do país. Nesse sentido, o AGT está mais próximo da realidade financeira do país. Consolidar o estatuto Intervindo no discurso de abertura, o presidente do Conselho Municipal da Cidade de Maputo, David Simango, referiu que, com o projecto AGT, pretende-se resolver os problemas de mobilidade urbana e contribuir na requalificação urbana da cidade, o que, certamente, vai contribuir para a consolidação do estatuto de Maputo como grande capital turística e cultural de Moçambique e da região. Disse tratar-se de uma solução tecnológica avançada de alto padrão, cuja implementação impõe a maior prudência e colaboração de todos. Quem duvida da sustentabilidade do projecto é o PCA da Fleetrail, Amade Camal, que coloca como constrangimento o preço de 25 meticais. O empresário responsável pelo metrobus tomou como exemplo o seu projecto, que mesmo de borla, não tem impedido que as pessoas continuem se apinhando nos vulgos my loves. Japão bloqueia fundos do AGT devido às dívidas ocultas Por Argunaldo Nhampossa SOCIEDADE Savana 23-02-2018 7 PUBLICIDADE Savana 23-02-2018 9 PUBLICIDADE SOCIEDADE Asseguramos que pode transaccionar a qualquer hora, Assim como o gás cujo o fl uxo não interrompe às 17h00. As nossas soluções digitais inovadoras permitem-lhe poupar tempo e dão acesso a serviços bancários dia e noite. Conosco não precisa de esperar o amanhecer para aproveitar a oportunidade. Para que o seu negócio prospere para além do normal, precisa de um banco fora do normal. Ligue-se ao FNB Negócios. Email Business@FNB.co.mz FNB Mozambique O FNB Moçambique é uma subsidiária do Grupo FirstRand como podemos ajudar? 10 Savana 23-02-2018 SOCIEDADE O Ministério da Saúde (MISAU) recuou na sua decisão de corte de subsídios de médicos estagiários. A decisão surge uma semana depois desta instituição ter comunicado, ao grupo de estudantes finalistas do curso de medicina da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), através da Direcção Nacional dos Recursos Humanos, que por falta de cabimento orçamental suspenderia o pagamento de subsídios de estágio. É que, apesar de ter um papel social fundamental na vida da população, o MISAU não escapou às restrições financeiras impostas pelo bloqueio de financiamentos externos, uma medida tomada pela comunidade internacional depois da descoberta de dívidas ocultas contraídas por empresas privadas com garantias de Estado. São pouco mais de dois biliões de dó- lares americanos que o governo de Armando Guebuza foi buscar nos credores internacionais ao arrepio das normas, para financiar empresas privadas, mas com garantias soberanas. A retirada de subsídios de médicos estagiários foi comunicada à direcção da Faculdade de Medicina sob alegação de que o dispositivo legal que cria o direito aos estagiá- rios foi aprovado num contexto em que no país tinha apenas uma única universidade pública a leccionar o curso de medicina e, hoje, o nú- mero subiu para três com a criação da Universidade Lúrio e Zambeze. O aumento de estabelecimentos públicos de ensino superior com curso de medicina fez com que o número de estudantes crescesse, o que também resultou num impacto orçamental elevado para o Estado. Perante o cenário de crise, o MISAU dizia que não tinha onde ir buscar mais de 80 milhões de meticais/ano para custear os ordenados dos estagiários. O subsídio de estágio para estudantes finalistas foi aprovado pelo Decreto 58/2004 de 08 de Dezembro. O dispositivo legal referia que durante o período de estágio da prática clínica nas unidades sanitárias, o estagiário teria uma remuneração mensal referente a 80% do salário base de médico generalista, acrescido da percentagem fixada para o bónus especial ou outras regalias devidas aos licenciados em medicina. Cada um dos estagiários tem direito a um subsídio mensal de 37 mil meticais. O MISAU era também responsá- vel pelo pagamento de passagens áreas de ida/volta e alojamento dos estudantes que fossem escalados para trabalhar fora da cidade e província de Maputo. Na altura, o director nacional dos Recursos Humanos do MISAU, Norton Pinto, disse ao SAVANA , que não sabia quanto tempo a suspensão de subsídios levaria porque a sua instituição dependia do Ministério de Economia e Finanças (MEF). Porém, havia um trabalho multissectorial no sentido de resolver a situação. O anúncio de corte de subsídio aos médicos estagiários criou um desconforto no seio da classe estudantil que se via sem moral nem estímulo para se fazer às enfermarias para auxiliar os médicos profissionais a assistir doentes. Os estagiários classificaram a decisão como injusta e de má-fé porque a atribuição do subsídio era um direito que assiste àquele grupo. A decisão do MISAU fez com que os estudantes recusassem fazer-se ao estágio que deveria iniciar no passado dia 12 de Fevereiro. Inconformados com a decisão e com o fracasso das negociações com as direcções da Faculdade de Medicina e do MISAU, os estudantes recorreram ao patrocínio jurídico Instituto do Instituto de Assistência Jurídica da Ordem dos Advogados de Moçambique. A resistência dos estudantes e a pressão externa fez com que o MISAU reconsiderasse a sua decisão e manter os direitos que estavam a ser injustamente retirados aos estudantes. Em contacto com o SAVANA , fonte do MISAU negou que o recuo tenha resultado da pressão da comunidade estudantil, mas porque as negociações que estavam a decorrer com o MEF fizeram com que as verbas referentes a estas despesas fossem incrementadas. “O MISAU não tinha como ficar pressionado pela recusa ou não dos estudantes em se fazer aos seus estágios curriculares. Pelo contrário, a resistência prejudicaria o estudante, visto que este não terminaria o seu curso por falta de estágio de prática clínica. O Sistema Nacional de Saúde (SNS) é suportado por médicos profissionais e experimentes e não estagiários. Estes são meros auxiliares. Ademais, para além dos estagiários dos estabelecimentos de ensino público, as unidades sanitárias abrangidas pelo SNS recebem estagiários de universidades e institutos privados. Estes não têm nenhum subsídio, mas cumprem as suas obrigações. Portanto, não seria um grupo de 40 estagiários que paralisaria um sistema com milhares de profissionais. Se pagamos é porque o défice financeiro foi desbloqueado”, disse a fonte. Com anúncio da reintrodução dos subsídios de estágio de prática clí- nica, os estudantes iniciaram as actividades nesta segunda-feira, 19, nos hospitais públicos da cidade e província de Maputo. Corte de subsídios de médicos estagiários Por Raul Senda MISAU recua Savana 23-02-2018 11 PUBLICIDADE SOCIEDADE E as pessoas que mais ama poderão receber transferências de dinheiro na China, em Portugal, na Índia e em mais 51 países*. Saiba mais junto do seu agente local mais próximo. Envie uma ajuda directamente para a conta bancária de familiares e amigos! moving money for better MOBILE | ONLINE | AO VIRAR DA ESQUINA *Outros países incluindo Andorra, Austrália, Áustria, Bahrain, Bangladesh, Bélgica, Bulgária, Chipre, República Checa, Dinamarca, Egipto, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Japão, Letónia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Marrocos, Países Baixos, Nova Zelândia, Nigéria, Noruega, Paquistão, Filipinas, Polónia, Roménia, Singapura, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Sri Lanka, Suécia, Suiça, Tailândia, Turquia, EAU, Reino Unido, Estados Unidos, Vietname e Indonésia, Quénia, Malásia, Rússia. © 2018 Western Union Holdings, Inc. Todos os Direitos Reservados. SM 12 Savana 23-02-2018 INTERNACIONAL SOCIEDADE SOCIEDADE P oucas figuras tiveram um papel de preponderância na determinação do futuro dos seus povos na era pós-independência na África Austral, como o fez Morgan Richard Tsvangirai, que no dia 14 de Fevereiro perdeu a vida numa clínica de Joanesburgo, depois de 16 meses de luta contra um cancro intestinal. A morte de Tsvangirai é uma perda irreparável para todos os combatentes pela liberdade, democracia e boa governação não só em África, mas em todo o mundo em geral. Tsvangirai dedicou grande parte da sua vida lutando pelo triunfo da democracia no seu país, tornando-se numa inesgotável fonte de inspiração para cidadãos de outros países, onde a independência política não foi mais do que uma simples substituição dos símbolos do poder colonial, mas em que o sistema de repressão e negação dos direitos dos cidadãos se mantiveram intactos. É muito fácil pronunciar as palavras democracia, boa governação e respeito pelos direitos humanos. Mas lutar para que elas ganhem espaço e significado prático numa sociedade controlada por homens que acreditam que o poder lhes é predestinado, pode significar a escolha entre a vida e a morte. Tsvangirai escolheu combater a tirania e proporcionar o bem-estar económico e social do seu povo. O preço que teve de pagar pela sua ousadia é incalculável, incluindo inúmeras detenções, agressões físicas, tentativas de assassinato e processos judiciais com base em acusações sem qualquer mérito jurídico-legal. Tsvangirai nasceu no dia 10 de Março de 1952 em Buhera, cerca de 250 quilómetros a sudeste de Harare, na confluência das províncias de Manicaland e de Masvingo. Pertence ao sub-grupo dos Karanga, um dos mais dominantes dentro da etnia Shona. Foi o primeiro de nove filhos do casal Dzingirai-Chibwe e Lydia Zvaipa Tsvangirai, ambos camponeses, embora o pai se tenha antes aventurado para as minas da África do Sul. Morgan Tsvangirai: Um homem de fibra Sindicalista Depois de completar os estudos secundários e de um emprego como operário têxtil em Mutare, junto à fronteira com Moçambique, em 1975 Tsvangirai foi trabalhar para uma empresa mineira em Bindura, pertencente à multinacional Anglo American. Foi aqui onde ele se iniciou no sindicalismo que viria a ser um dos marcos da sua vida, chegando a ocupar o cargo de presidente da associação dos sindicatos da indústria mineira. Em 1988 foi eleito Secretário Geral da Confederação dos Sindicatos do Zimbabwe (ZCTU), durante um congresso realizado na cidade de Gweru, na província central de Midlands, num projecto que visava resgatar o movimento sindical do controlo da Zanu-PF. Foi em 1989, em Harare, que conheci pessoalmente Morgan Tsvangirai. Nessa altura, o Zimbabwe preparava-se para lançar o seu programa de restruturação económica, ESAP, sob a égide do FMI. Moçambique havia lançado idêntica iniciativa em 1987. Debatia-se, então, muito sobre os méritos do programa no Zimbabwe, e a ZCTU estava particularmente preocupada com o impacto do ESAP sobre as camadas sociais mais vulneráveis. Importava, como tal, colher as sensibilidades do movimento sindical, no qual militavam na altura mais de 400 mil trabalhadores. Encontrei-o na sede da ZCTU no centro da cidade, para uma longa conversa, na qual advertiu contra o perigo do governo avançar na implementação do programa sem consultar a organização sindical e outras partes interessadas, tais como as igrejas, o sector empresarial e o movimento estudantil. No fundo, Tsvangirai nunca acreditou no sucesso do ESAP. Como diria anos mais tarde, “os nossos receios viriam a ser justificados (...) Por volta dos finais dos anos 1990, o mundo em geral acordava para a realidade de que ilimitados fluxos de capitais poderiam arruinar as economias dos países em desenvolvimento. O ESAP expôs o Zimbabwe a uma impiedosa globalização onde não podíamos competir, colocando-nos numa situação de dependência crónica”. Com o tempo, a ZCTU viria a mudar-se para novas e melhores instalações, um prédio de dez andares, o Chester House, na esquina da Terceira Avenida e Speke Avenue, onde a organização ocupava os dois últimos pisos do topo. A respeitavelmente apetrechada biblioteca estava aberta ao público, e funcionava no nono andar. Era no seu gabinete, no décimo andar, onde encontrava Tsvangirai para uma conversa ocasional, sempre que visitava a biblioteca para uma consulta pontual. Greve geral Nos dias 8 e 9 de Dezembro de 1997, a ZCTU organizou uma greve geral que pela primeira vez paralisou o país inteiro. A greve, que viria a ser repetida em Janeiro de 1998, desta vez com a duração de uma semana, era em protesto contra a crescente deterioração da qualidade de vida no país, depois do governo ter decidido intervir militarmente na República Democrática do Congo, para proteger o regime de Laurent Kabila. Na manhã do dia 11 de Dezembro, dois dias depois do fim da primeira greve, um grupo de indivíduos que se identificaram como veteranos de guerra chegaram à recepção e disseram à secretária de Tsvangirai, Edith Munyaka, que pretendiam avistar-se com ele. Uma vez no interior do gabinete agrediram-no na cabeça com uma barra de ferro, ao mesmo tempo que tentavam atirá-lo pela janela. Eu e outros jornalistas fomos visitá- -lo em casa, no subúrbio de Ashdown Park, onde ele se encontrava a recuperar, no fim de semana logo a seguir ao ataque. Tsvangirai acreditava que tinha escapado à morte graças aos gritos de Edith, que alertaram outras pessoas no edifício, e também pelo facto de ele próprio ter oferecido resistência contra os atacantes. O facto, porém, é que o homicídio não se consumou porque o gabinete estava gradeado. Os assaltantes não tinham feito o seu trabalho de casa de estudar minuciosamente a geografia do seu local de crime. Era o começo de uma série de actos de brutalidade de que Tsvangirai viria a ser alvo ao longo dos cerca de 20 anos da sua carreira como líder político. Em 1998, um grupo de organizações da sociedade civil, incluindo igrejas, sindicatos e associações sócio-profissionais, com a ZCTU na dianteira, lançaram oficialmente a Assembleia Nacional Constituinte (NCA), que tinha como objectivo pressionar o governo e mobilizar a sociedade para a necessidade de uma nova Lei Mãe, em substituição da constituição de Lancaster House. Para liderar este movimento, escolheram unanimemente Morgan Tsvangirai. Embora a NCA tenha mantido a sua própria identidade, ela pode ser considerada a plataforma que deu lugar ao nascimento do Movimento para a Mudança Democrática (MDC), em Outubro de 1999, depois de um longo processo de consultas populares, durante o qual foi vincada a necessidade de uma forte alternativa política à Zanu-PF. Sob liderança de Tsvangirai, o MDC foi, de facto, concebido como uma ampla plataforma de oposição política, envolvendo vários segmentos da sociedade zimbabweana, incluindo, como o próprio Tsvangirai, antigos membros da Zanu-PF e veteranos da luta pela independência. Só este facto justifica os temores da Zanu-PF perante o MDC, e a excessiva ferocidade com que o seu governo sempre procurou combater este partido. Não é o poder em si o que motivava Tsvangirai a envolver-se nas várias frentes em que esteve, mas sim a dedicação e amor pelo seu país e povo. Governo de Unidade Depois de uma indiscutível vitória eleitoral que lhe foi roubado em 2008, Tsvangirai aceitou, em 2009, exercer o cargo de Primeiro Ministro num governo de unidade. Houve alguns que o criticaram por isso, considerando que Tsvangirai estava a entregar-se à boca do lobo. Os acontecimentos subsequentes provaram que essas vozes tinham razão. Mas a resposta que ele deu é que não aguentava mais com o sofrimento a que eram sujeitos milhares de militantes do seu partido e outros cidadãos vítimas colaterais da extraordinária brutalidade do então regime de Robert Mugabe. O sonho de que contra todas as vicissitudes é possível viver-se com dignidade e em liberdade, sempre o perseguiu. Se a materialização dessa visão de país tivesse que ser alcançada pela via de se assumir o poder, que assim fosse. Mas tentou fazê-lo sempre pela via democrática. Talvez porque ele não era um político, no mais consumado sentido do termo. Pois, como ele próprio dizia, “enquanto os políticos pensam apenas nas próximas eleições, verdadeiros líderes pensam sobre a próxima geração”. Famba Zvakanaka Shamwari Morgan! Por Fernando Gonçalves Richard Tsvangirai S erá que (Robert) Mugabe havia sido colocado no poder como a melhor opção do Ocidente para continuar a oprimir a classe trabalhadora e o campesinato? Uma das teorias dominantes entre os líderes nacionalistas rivais de Mugabe – a qual eu muitas vezes tratei com alguma incredulidade – era de que os Estados Unidos teriam feito um trabalho clandestino no sentido de pressionar os britânicos e os sul-africanos (durante o regime do apartheid) para permitir que a Zanu-PF assumisse o poder no Zimbabwe em 1980, como forma de evitar um possível domínio soviético na África Austral. No período imediatamente a seguir à sua independência, o Zimbabwe havia se recusado intermitentemente a tornar-se um cliente da União Soviética. Levou três anos para Moscovo abrir a sua embaixada em Harare. Nessa altura, pensávamos que os soviéticos não eram bem vistos porque durante a luta armada eles haviam prestado apoio à ZIPRA, enquanto a ZANLA recebia apoio da China. Apesar da sua admiração aberta pelo socialismo, Mugabe manteve intacto o sistema capitalista, protegendo todos os principais investimentos estrangeiros, incluindo o gigante sul-africano da Anglo-American e todos os seus activos. Nada foi nacionalizado, contrariamente ao que acontecera nos vizinhos Moçambique e Zâmbia. A maioria dos capitalistas rodesianos permaneceram seguros nos seus negócios, com um nível de vida que lhes conferia privilégios especiais (...) Tudo se manteve na mesma ao nível das companhias mineiras, de cujos trabalhadores eu era o representante sindical (na qualidade de presidente do sindicato da indústria mineira). Com o habitual desprezo da Zanu-PF pelos trabalhadores e a sua atitude negativa perante os sindicatos, comecei então a acreditar na teoria da conspiração americana. Uma vez que me tornara entusiasta do socialismo a partir de uma perspectiva sindical, comecei a duvidar das verdadeiras lealdades de Mugabe, sem saber se eu estava certo ou não. Preocupava-me porque se tornava óbvio que nenhum dos colegas de Mugabe no governo parecia ter uma ideia sobre o que na verdade era o socialismo. Tendo sido educado em três escolas católicas, tinha muitas suspeitas sobre as qualidades de Mugabe como uma pessoa profundamente religiosa, um cató- lico devoto. A Igreja Católica pregava sobre os valores da justiça, empatia e solidariedade – particularmente em relação aos pobres – e eu recordava-me que a palavra de ordem da minha escola secundária, Gokomore, era Vincere Caritate (Conquistar com Amor). A questão mais difícil para mim era se ele não seria um corrupto impostor político. Como é que isto poderia ser, dadas as suas impressionantes qualificações académicas e postura de urbanidade? Era necessário admirar os que tinham conseguido alcançar altos níveis de formação académica. Mugabe era certamente um deles – de facto, eu olhava para ele como meu ídolo – mas à medida que o tempo foi passando, as contradições colocavam-me numa situação em que cada vez mais se tornava difícil eu defender os seus actos e decisões. No meio de tudo isto, apercebi-me de algo que pensei que revelava as características-chave de Mugabe como um ser social. O futebol, indiscutivelmente a modalidade desportiva mais popular em todo o mundo, era igualmente uma das mais favoritas recreações para a maioria dos zimbabweanos, quer como adeptos quer como jogadores, seguido do boxe e da luta livre. Apesar de que havia um nú- mero significativo de clubes de futebol de rodesianos brancos com jogadores bem destacados, muitos deles mudaram as suas preferências desportivas depois da independência. Mugabe, muito rapidamente se juntou a eles, passando a sua modalidade de preferência a ser o cricket, numa altura em que não havia nem sequer um único jogador de cricket negro no país. *Título da responsabilidade do SAVANA. Extractos do livro At The Deep End (No Fundo do Poço), da autoria de Morgan Tsvangirai. Em homenagem póstuma a Morgan Richard Tsvangirai As contradições que me transformaram no que sou hoje* Savana 23-02-2018 13 DIVULGAÇÃO PUBLICIDADE SOCIEDADE 16 Savana 23-02-2018 PUBLICIDADE Savana 23-02-2018 17 PUBLICIDADE Savana 23-02-2018 19 OPINIÃO 568 Email: carlosserra_maputo@yahoo.com Portal: http://oficinadesociologia.blogspot.com F oram seis dias de internamento sob uma vigilância médica apertada, análises laboratoriais e encéfalo ou electrocardiogramas contínuos. Na manhã do sétimo dia, o mé- dico, perante a minha mulher e o nosso filho mais velho, anunciou o seu veredicto: eu tinha de sofrer a retirada de um rim. Seria uma operação pacífica e sem grandes sobressaltos, não fosse um óbice: a minha idade e o estado de extrema debilidade física em que me encontrava. Tornava-se, assim, uma operação de alto risco. Deu-nos dois dias para decidirmos se aceitávamos correr esse risco ou não. Decisão, é evidente, em que quem teria a última palavra seria eu. De regresso à enfermaria, passei a noite daquele dia totalmente em branco. Povoei a minha insónia com imagens de lugares e, principalmente, nomes que tinham feito o universo da última fase da minha infância e primeira da minha adolescência. A primeira coisa que me veio à memória foi a barbearia do velho Taímo. Ela situava-se a meio da Rua do Goa, na Mafalala, justamente no lugar onde ela faz uma bifurcação à direita, desembocando no prostíbulo das Lagoas, mesmo na margem da Avenida Craveiro Lopes. O leito principal desta rua atravessava, mais para a esquerda, o outro prostíbulo, que era de Matlotlomana, mesmo na margem da Avenida Angola. Eu nutria um ódio surdo e infantil pelo dono daquela barbearia, por duas razões: primeiro, porque a minha ida para sentar no seu banco, uma vez por mês, para o corte de cabelo, era um autêntico martírio. Na altura não se usavam máquinas eléctricas; eram manuais. E, como tinha que cortar o cabelo à escovinha, o contacto das suas lâminas com o meu couro cabeludo provocava-me dores indescritíveis, tanto mais intensas quanto era facto que tinha de reprimir a minha vontade de soltar berros, por uma necessidade infeliz de mostrar que era homem. Mas, além disso, o motivo principal do meu ódio em relação àquele homem era a corte insidiosa e despudorada que fazia à minha irmã mais velha, claramente mais nova do que ele, e o tentar envolver-me nisso, utilizando-me como seu pombo-correio. Poderia crer que era um ódio infantil, mas fiquei surpreendido quando, algumas dezenas de anos mais tarde, soube da sua morte e não consegui reprimir um suspiro de alívio. Nessa altura, a minha irmã já estava casada – e bem casada – e com filhos. Quem nos provocava um suspiro profundo de alívio naquela época era o meu pai, quando finalmente chegava a casa, depois das 21 horas. Ele trabalhava como cobrador nos Serviços Municipalizados de Viação – SMV, e quando lhe calhava o turno da noite era um autêntico sobressalto, porque, para fazer a caminhada a pé até casa, tinha que sobreviver a dois inimigos: as hordas dos trabalhadores domésticos que à noite abandonavam a zona urbana e invadiam os subúrbios, espancando quem quer que fosse que lhes aparecesse pela frente, para vazar a sua raiva, a sua propensão para a agressividade ou mesmo as suas frustrações; ou, perigo não menos grave, uma rusga da polícia de choque, principalmente quando esta integrava o Benedito, a quem se tratava por “Chefe Benedito”, embora não tivesse nenhuma patente que lhe conferisse cargo de chefia ou responsabilidade acrescida. A sua notoriedade provinha da forma cruel como tratava todo o cidadão que lhe aparecesse pela frente. Era ele e um tal Langa, de tal forma que o músico Xadreque Mucavele os notabilizou na sua canção emblemática Ximbomana, que eu aqui traduzo livremente por “bastão”. Eram simplesmente terríveis. Terrível era também um assistente formal da Polícia de Segurança Pública, a quem deram a alcunha de «Mudinho» – minha tradução –, devido ao facto de ser surdo-mudo. Era surdo e mudo, mas muito eficaz para neutralizar bandidos, ladrões ou simples desrespeitadores da lei e provocadores de desacatos. Bem entroncado, robusto, ágil de pernas, este Mudinho tornava-se ainda mais terrível pela fácil irritabilidade, justamente como consequência da impossibilidade de estabelecer diálogo. Tinha outra característica que eu admirava: era extremamente asseado. Sempre de calçado, peúgas altas, calções e camisa de mangas curtas, tudo branco, de uma brancura imaculada, e ele próprio de um asseio de não botar defeito. Poder-se-ia pensar que era um cliente regular do mainato Bila, embora não fosse. Este mainato estava instalado mesmo no coração do Bairro da Mafalala. Dispunha de um amplo quintal de chão de areia, onde fazia as suas barrelas para roupa de cama ou vestuário branco para as famílias de bem, não só da Mafalala como também dos arredores, engomava e limpava os fatos dessa gente. Mas o que tornava o seu quintal notável era a grande amendoeira de copa farta, à sombra do qual se concentravam todos os dias, desde manhã até às primeiras horas da noite, grupos que se dedicavam aos jogos de azar ou batota, se quiserem. Jogava-se ali ao loto, às cartas e à cara ou coroa. Não eram grandes fortunas, mas, para o nível das capacidades financeiras dos participantes nesses jogos, poder-se-iam considerar jogos de vida ou morte. Gostava de passar por lá e passava sempre que podia, a acompanhar o meu amigo Rachide, que, sempre que se anunciava para a matiné de domingo um filme que tivesse como actor o John Wayne ou o Clint Eastwood, não desperdiçava a oportunidade de ir tentar a sua sorte no jogo da cara ou coroa, sorte a que tinha que se juntar um pouco de (ou muita) batota, e muitas vezes ele conseguia nestes jogos juntar os necessários 2,50 escudos para comprar o ingresso para a fila Z, que ficava mesmo a 3 ou 4 metros do ecrã do cinema, martírio que valia a pena para as coboiadas, para depois vir contar aos amigos, ao cair da noite. Quem dispensava claramente os serviços do mainato Bila ou as suas jogatanas era o Txovela Kwatsi. Taciturno, de muito poucas palavras, este homem tinha invariavelmente como vestuário apenas uma capulana bem cingida à cintura, que lhe caía até um pouco abaixo dos joelhos. De resto, nada. Sempre descalço e de tronco nu, ganhava a vida a acarretar água para aqueles que, por uma razão ou outra, não queriam ir disputá-la no fontanário pú- blico. Fazia 20 centavos por cada lata de 20 litros. Trabalho não lhe faltava, uma vez até que, nessa altura, o único morador da Mafalala, tanto quanto eu me lembre, que tinha água canalizada em casa era o Enoque Libombo, que, para além de gozar da categoria de régulo, era assimilado. Gozou do privilégio de ser o primeiro a ter água canalizada em casa, e também o único durante muitos anos, tirando talvez, mais tarde, pelo que soube, a avó Sinoda. Da mesma forma que Txovela Kwatsi dispensava os cuidados do mainato Bila, também dispensava os do sapateiro remendão de bairro, a quem sempre conheci e tratei pelo apelido, «Puttem Down», que deve ser corruptela de uma expressão inglesa qualquer, que nunca me interessou saber. Gostava de estar umas horas na sua oficina, que não era muito espaçosa, pelo fascínio que me causava saber como é que, no meio daquele monte indefinido de pares de sapatos, todos a precisarem de remendos, ele conseguia identifi- car o dono de cada um. Muitos pares dos quais, aliás, os donos nunca mais iam reclamar. Tenho a impressão de que muita gente ia deixar os sapatos podres ali não tanto para os remendar, mas para se livrar deles, por não ter coragem de os deitar fora, pura e simplesmente. Puttem Down pouco se importava com isso. De pele acobreada, muito sorridente, tinha um montão de histórias fantásticas a contar sobre naufrágios ou sobreviventes de naufrágios e tempestades no alto-mar, o que me fazia pensar e acreditar que ele era originário ou descendente de algum desses povos insulares – ou de Madagáscar ou das Comores ou das Ilhas Reunião. De resto, respeitava muito o recato em que mantinha as suas duas únicas filhas. Tinha as suas razões: elas eram extremamente belas. Quem não tinha filhas, tinha um filho único, era o alfaiate do bairro, o Bai Salimo, que invariavelmente não perdia a oportunidade de se vangloriar de ter conhecido o Eusébio quando ainda jogava peladinhas nos bairros suburbanos ou da Mafalala ou do bairro popular da Munhuana, de tal forma que sonhava para o seu filho um futuro igual, pelo menos, ou, se quisesse, um pouco superior ao do Eusébio, e por isso lhe tinha dado o nome de Matateu. Sonho que não se conseguiu realizar, como é bom saber. Mas, no meu imaginário, o meu ídolo era outro: o Fuzy John. Nunca o vi a andar a pé, e parecia possuir o dom da ubiquidade. Tanto posso revê-lo no Bairro de Minkadjuíne ou da Mafalala, no Xitalamati ou no Xipamanine, e mesmo no Chamanculo. Sempre montado na sua bicicleta, que bem poderia ser a sua casa, com muitos atavios e cestos, ornada de objectos vários de artesanato, ela e o seu dono formavam um corpo único. De alcunha, o Fuzy John era o “Malepfo ya Khangala”. Quando grupos de crianças em que me encontrasse gritavam em coro uma, duas, três, cinco vezes «Fuzy John, Malepfo ya Khangala», ou seja, «Fuzy John, Barba de Enguia», eu não participava dessa brincadeira. Limitava-me a olhar para ele, que pedalava indiferente até desaparecer. Era, para mim, a encarnação da suprema indiferença pelas mesquinhices e vaidades mundanas, a encarnação da suprema sabedoria e do sentir superior, não pelo que se tinha de material, mas pela elevação do espírito e da mente. Quando, na manhã seguinte, a servente tocou a campainha anunciando que eram 7h30, e que, portanto, as visitas poderiam entrar para ficar por 15 minutos, a Gertrudes entrou, depositou a bandeja do meu pequeno-almoço na mesinha ao lado da minha cama, fincou-se, bem assente no chão, e olhou-me do alto dos seus 1,80 m e da sua redondeza de embondeiro. Perguntou-me, simplesmente: – Então, já te decidiste? – Já. Venha daí o bisturi. Não sei a que propósito me lembrei disto tudo. Talvez porque sentisse que estava a decidir entre a vida e a morte. A verdade é que, de lá para cá, já passam 17 anos. Galeria de pinturas rupestres O pensamento  espontâneo tem a ver com formas cognitivas e argumentativas do dia-a-dia. Estamos diariamente em contacto com muita informações, procuramos transformar o desconhecido no conhecido, o heterogéneo no homogéneo. O conhecimento é a busca incessante de certezas socialmente úteis. Para dizer as coisas em modo de paradoxo: certezas mais socialmente úteis do que logicamente certas. Na verdade, mais do que sequências lógicas, estamos interessados em sequências que façam sentido, que sejam socialmente úteis; mais do que sermos analistas estamos interessados em ser juízes. Então, o que muitas vezes passa por análise é, unicamente, uma condenação veemente. São ideias que nos interessam realmente, não categorias; são coisas simples e imediatas da vida que nos atraem, não lucubrações que entendemos serem obscuras e desnecessárias. Isso é especialmente evidente na conversação diária, onde estar ou não de acordo é fundamental. Pensamento espontâneo 20 Savana 23-02-2018 OPINIÃO SACO AZUL Por Luís Guevane À primeira vista não é fácil encontrar alguma relação entre o problema do lixo criminoso do Hulene com a escolha de pessoas certas para o lugar certo baseado na poligamia. O “lixo criminoso” tornou-se internacionalmente famoso por ter eliminado 16 pessoas em poucos minutos. Por maioria de razão, o “lixo criminoso” controla a estatística referente às causas de mortes por si produzidas, em mais de duas décadas: malária, diarreia, cólera, té- tano, hepatite A, a leptospirose (doença infecciosa causada a partir da urina dos ratos), doenças respiratórias, entre outras. O que nos dizem as estatísticas oficias sobre essas mesmas mortes na população circunvizinha da lixeira do Hulene até um raio, por exemplo, de 3 a 5 quilómetros? O “lixo criminoso” é oficialmente o culpado ou estamos perante um “mandante”? Desde que se anunciou, pela primeira vez, que se deslocalizaria a Lixeira de HuleLixo criminoso ne, o “lixo criminoso” não parou de debitar a seguinte “palavra de ordem” tatuada na sua imensidão: “ao pó voltarás”. Os jornais não deixam mentir. O “lixo criminoso” sempre esperou que os governantes ultrapassassem as suas inconsistências e incongruências de topo e aliviassem o seu conhecido poder de sufocar as vítimas da pobreza, da exclusão, vítimas da não participação na “luta de libertação”, vítimas do assustador pesadelo do silêncio e do conformismo. O “lixo criminoso” continua a “reierarquizar-se” de modo dinâmico com a chuva, seguro de que não haverá marcha alguma contra si (com direito a camisetas e água mineral), marcha com dísticos exigindo a demissão do edil ou dísticos condenatórios da sua acção, com cobertura jornalística... É uma maravilha. Isto não é nenhum problema político, meus camaradas; é um problema histórico-financeiro! Que ninguém se atreva a associar o problema da lixeira de Hulene às dívidas ocultas num momento de pesar, por favor! Luto nacional? As chuvas ainda não pararam! Mas, nisto tudo, aparentemente tão desfazado da realidade, onde entra a poligamia? Provavelmente, entra na análise que uns e outros fazem sobre quem, de facto, deve estar em frente dos destinos de uma nação ou, no caso em apreço, de uma cidade como Maputo. Até onde este balé (balet) emocionante, antropologicamente vulcânico, é aceitável? Parte-se de um princípio muito simples: os bons administradores ou gestores, no caso de um país pobre como Moçambique, devem ser escolhidos entre aqueles que têm provas dadas na gestão da poligamia que desenvolvem e controlam. Isto choca com muitos preceitos socialmente aceites do ponto de vista, por exemplo, ocidental. Entretanto, não deixa de ser válido como um critério a ser adoptado, supostamente, sem preconceitos. No fundo é questionável. Não é por ser polígamo que um indivíduo tem fortes potencialidades como bom gestor e, logo, como “homem do poder” público. O contrário não deixa de ser válido. O “lixo criminoso” é poligâmico. Pode estar em Maputo, mas também está nos vários cantos do país. O risco é similar a todos os locais e a dificuldade de resolução do problema rima com a pobreza do país. Um indivíduo polígamo, só como hipó- tese, pode ter ou tem um bom poder de antecipação/resolução relativamente aos problemas que outros acham bicudos e com nós difíceis de serem desfeitos. Nunca, em nenhum momento, vai conviver com lixo de cerca de três andares, pressionando sobre um muro que de betão não tem nada, à espera que não desabe. O poder de antecipação ter-lhe-ia mandado dizer que é inevitável a angariação de fundos (financeiros) para o reassentamento daquela parcela de população e posterior resolução do problema de fundo – o encerramento da lixeira. Caso não se conseguissem fundos para a resolução definitiva do “lixo criminoso” até podia propôr, simplesmente, a alteração do nome para, por exemplo, Instituto de resíduos sólidos de Maputo; só para destraumatizar e apagar ficticiamente “lixeira de Hulene”. C riar é produzir intencionalmente perguntas eficientes. Eficientes para quê? Para resolver problemas. E amiúde a forma mais eficiente de resolver os problemas é, em vez de os diluir, acrescentar-lhes novas questões que abrem novos horizontes, inesperados, que afinal contornam os impasses. Um país não pode viver estrangulado por uma obstinada má escolha das suas prioridades e tem de aprender a fluir sem medos e sem estorvos na sua organização institucional, de modo a que os seus cidadãos usufruam do bem-estar que faz nascer as motivações criativas que enformam o seu desenvolvimento humano. Este fim-de-semana ouvi esta história. Um amigo precisava de uma certidão de nascimento. Por acaso é do Mossuril. Ora, os livros de assento dessa zona foram enviados para a Conservatória da Ilha de Moçambique. É aí que um amigo deste meu amigo foi requerer uma certidão de nascimento. Porém, a seguir todos os prazos razoáveis são ultrapassados, até que chega o documento e a explicação. Os livros de assento de antigamente eram grandes e as suas páginas desbordam da única e pequena máquina de fotocópias que existe na Conservatória. E então a opção é deixar acumular os casos por resolver a fim de que se justifique enviar dois ou três livros de assentos atravessar o istmo numa balsa, com um funcionário, para irem ao outro lado, tirar as fotocópias necessárias. E sob risco de que um aguaceiro, uma trovoada repentina, desabe sobre a balsa e os livros, debotando o milhar de assentos de que dependem muitas vidas. Por que não se digitaliza? Porque não há orçamento. É aqui que se coloca a necessidade de fazer novas perguntas, ainda para mais quando os líderes políticos reclamam a bondade de se voltar definitivamente à paz. Então por As perguntas de um anjinho que não fazem a única pergunta necessária e radical? Raras vezes percebi a utilidade e a necessidade absoluta dos exércitos. Quando Xerxes invadiu a Grécia com um exército tão grande que secava os rios à passagem (e é indubitavelmente uma coisa que assombra: um exército tão grande que sorva os rios por inteiro), Esparta mandou contra ele um primeiro (pequeno) contingente de 300 homens, que travaram os persas em Termópilas – aí percebe-se a absoluta necessidade de um exército. O mundo de hoje seria muito pior e mais triste se Xerxes tivesse vencido; os déspotas demoram sempre mais tempo a morrer que os liberais, é uma verdade dramática. A existência de Hitler tornou evidentemente obrigatória a existência de exércitos, ou nacionais ou em coligação, que degolassem o perigo do fascismo. Portanto, há causas e causas. Mas em setenta por cento dos casos não é assim. Agora, é razoável que um país pobre possa alimentar um, pior, dois exércitos? Que proveito tem um país atrasado e dependente em ter um exército que lhe devora uma fatia substancial do bolo que devia ser gasto em cultura, em bibliotecas, em educação, em agricultura, numa melhor distribuição social? E a questão é: Quantas consultas em oncologia custa uma bazuca? Quantos ginásios custa um carro de combate? Quantas bolsas de estudo se pagavam com um tanque? Quantos carros de bombeiros se pagavam com um avião de combate? Quantas peças de teatro custa um simples Tatoo Militar? Constato que as mulheres não sabem onde têm a cabeça, ou não têm lido muito. Pelo menos não têm lido a Lisístrata, do Aristófanes. É uma simples história de mobilização das mulheres contra o prolongamento da guerra do Peloponeso, que, face à teimosia dos homens em mantê-la, impulsionadas pela lucidez de Lisístrata, fazem uma letal greve de sexo. A guerra não durou muito mais! Aí está um método para atenuar as dívidas soberanas dos países pobres: enquanto os governantes mantiverem um exército desproporcionado para as suas reais necessidades, as mulheres deviam vestir as calças ao irem para a cama. Convictamente: calças sem zip. Ao fim de três meses a petulância militar do mundo estaria de gatas. Isto também vale para a posse das armas. PISTOLA EM CASA: PERNAS CRUZADAS! Se a boa metade da humanidade, tomando o exemplo de Lisístrata, fizesse o seu trabalho e não caísse na ladainha de um mundo congeminado pelo imaginário masculino haveria menos escolas ameaçadas por fanáticos ou desnorteados. Eis as palavras de ordem que escolheria para uma campanhia anti-bélica: «Minha amiga: acorde a Lisístrata que há em si! Time out: pernas cruzadas, mulheres do meu país. É o futuro que está em jogo, não o engravide!». Mas nunca me perguntam a opinião! E as mulheres, de facto, não têm feito o seu trabalho! As mulheres na Líbia eram mais voluntá- rias. Só que em sentido contrário. Ao Kadhafi, sempre invejei os penteados e a guarda-pessoal de moçoilas. E elas disputavam a primazia de fazerem parte da Guarda de Honra de Kadhafi. Depois do Kadhafi ter sido despachado como foi, acidentalmente (nunca soube como se produziu esta maravilha), recebi este mail: «Saheera Mohamed Jamila, de 26 anos, virgem, 1,85 m, versada nas técnicas de tortura suava e mandarim, cinturão negro quarto dan em karaté-suc, especialista em estrangulamentos com arame, c/ nano pistola-metralhadora hk mp5 dissimulada nas axilas, carta para pesados e para merkava 3, patton M47, m-60, Leopard, domínio de quatro línguas europeias, para além do árabe, do swaali e do chinês, expert em amaciar detractores com uma culinária alucinogénica,  ex-membro do body guard de Kadhafi, a quem partia as nozes; com carta de recomendação de Berlusconi, amiga de Mugabe, procura emprego compatível, de preferência a sul do Sahara, em país laico e firme em aplicar as leis e a sua defesa e dá desconto nos primeiros três meses de serviço». Virgem? Hum. Contudo, confesso que fi- quei agitado. E por quê a mim, confessado pacifista? Com um remorso antecipado reencaminhei o mail para o Ministério da Defesa, espero que tenham dado provimento - é sempre triste ver alguém tão competente de mãos a abanar. Porém ficam as perguntas: Quanto custa manter um exército? Desmantelar um exército sai mais caro que mantê-lo? É prioritário, neste momento, manter um exército, dois? Não é possível reconverter a indústria do armamento? De que divídas se fala se não se tem a força moral de se abater nas balas para se injectar no crédito às pequenas e médias empresas? E em nome de quê as tão judicativas sanções do mercado internacional, quando avaliando em recessão a economia de um país, não preconizam de imediato: querem crédito, abatam primeiro o exército? Está para além do meu entendimento que depois de escolher a entropia um país peça emprestado para pagar o diligente serviço das carpideiras. Todos os anos, pelo ano novo, cresce-me nas costas um bocado de asa e tenho de a meter para dentro, deve ser disso. Por António Cabrita Savana 23-02-2018 21 PUBLICIDADE Savana 23-02-2018 23 38%/,&,'$'( DESPORTO 2 Savana 23-02-2018 SUPLEMENTO Savana 23-02-2018 3 Savana 23-02-2018 27 OPINIÃO Abdul Sulemane (Texto) Naita Ussene (Fotos) A lixeira de Hulene localiza-se no bairro de mesmo nome, a nove quilómetros do centro da cidade. É a única lixeira em Maputo e já está saturada há cerca de dez anos, mas as autoridades mantêm-na aberta. E é exactamente desde há cerca de dez anos que o Conselho Municipal tem estado a fazer promessas de encerrar aquela lixeira mortífera. A última promessa do encerramento daquela lixeira, que põe em perigo a saúde de centenas de pessoas, foi se não falha a memória em 2016, segundo um plano de actividades do Conselho Municipal nesse tempo. Promessas foram várias. Havia uma outra datata de 2013, quando o Conselho Municipal de Maputo e o Fundo do Ambiente informaram os moradores dos arredores daquela zona que iriam encerrar a lixeira da morte definitivamente. Como podemos ver nada disso aconteceu. Depois da tragédia, o Presidente do Conselho Municipal da Cidade de Maputo, David Simango, que soubemos pretende candidatar-se para o terceiro mandato, aparece a dizer que está a reunir apoio para cerca de setenta famílias afectadas e que foram evacuadas para um centro de acomodação instalado no Bairro Ferroviário. Ninguém aparece a dar a cara e a falar das responsabilidades sobre a tragédia. Não vamos esquecer que perderam a vida 16 pessoas. Conseguem dar a cara para dizer que no momento estão preocupados em encontrar amparo e assistência para as pessoas que perderam os seus entes queridos. Falando nisso, recebi uma mensagem telefónica de um funcionário do Conselho Municipal de Maputo a dizer que a edilidade vai se responsabilizar pelos velórios das pessoas que perderam a vida nesta tragédia. Agora até uma equipa do Conselho de Ministros esteve no local para avaliar a situação. Essa é a forma que tem sido usada por parte dos governantes. Todos os anos assistimos a situações em que as pessoas sofrem por causa das inundações provocadas pela chuva. As coisas não mudam. Nunca vemos um trabalho com vista a resolver este problema antigo. Contudo, gostam de ocupar estes cargos e não fazem nada de concreto. A vida dos que votam neles vai piorando. Temos de ver a quem damos o voto de confiança para dirigir os nossos destinos. É o que deve estar a dizer o PCA da mediaCoop, Fernando Lima, na conversa que trava com o Conservador António Sitoe e o fotojornalista do SAVANA, Naíta Ussene. António Sitoe foi quem fez a escritura da criação da mediaCoop. Este assunto tem barba branca. Quantas vezes falamos sobre o perigo causado pela lixeira. Esses dirigentes não têm vergonha do que não fazem. Deve ter sido isso que despoletou uma partilha de gargalhada entre o Editor do SAVANA, Fernando Gonçalves e as locutoras reformadas da RM, Luísa Meneses e Teresa Elvira. Chega um momento em que já não dá para ocultar a incompetência. Fica tudo tão claro que já nem podemos tapar o sol com a peneira. Será que o Presidente do Conselho Constitucional está a comparar esta situação para dizer que não havia maneira, tinha de acordar a realização da segunda volta das eleições intercalares em Nampula. Vemos a concordância por parte do antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros, na governação de Joaquim Chissano, Leonardo Simão, e PCA da Vodacom, Salimo Abdula. São novos tempos para os outros. Dizemos isso pela nomeação do economista Armando Inroga, como novo PCA da TVM. É motivo para o administrador da RM, António Barros, procurar actualizar o contacto. Isso fez o professor de música Adérito Gomate atiçar um sorriso maroto. O clube dos casados conta com mais elementos. Desta vez foi a nossa colega da Direcção comercial, Benvinda Tamele, que contraiu matrimónio. Aproveitamos o momento para fazer votos de muita felicidade ao casal. Como vi num filme, ser casado é uma profissão dignificante. Promessa vira desgraça Auscêncio Machavane À HORA DO FECHO www.savana.co.mz EF'FWFSFJSPEFt"/0997t/o 1259 Diz-se... Diz-se IMAGEM DA SEMANA O Conselho de Ministros marcou para 14 de Março, do presente ano, a realização da segunda volta da eleição intercalar de Nampula, que vai colocar frente a frente Amisse Cololo António (Frelimo) e Paulo Vahanle (Renamo). " ( Savana 23-02-2018 EVENTOS 3 Uma pequena indústria de farinação de milho e descasque de arroz fundada e gerida por uma sociedade de dez mulheres começou a laborar no início do corrente mês no distrito do Dondo, província de Sofala. A operacionalização desta agroindústria resulta da assistência que a Gapi está a prestar ao programa do Governo, para o empoderamento de mulheres no corredor de Sofala, com financiamento do Banco Africano de Desenvolvimento(BAD). “A segurança alimentar e nutricional das famílias mais pobres depende muito do trabalho das mulheres. A motivação da Gapi em participar neste programa é a de melhorar as condições para que as mulheres assegurem esse papel de maneira mais sustentável e, além disso, aprendam a organizar negócios que lhes proporcionem mais rendimentos monetários”, disse Wilma Rwechungura, gerente da Gapi na Beira. Maria da Conceição, líder da empresa do Dondo designada por “Mulheres Chiverano”, que significa “Entendimento entre Mulheres”, manifestou a sua alegria pela operacionalização deste equipamento, que já estava no local há mais de três anos, mas que permanecia paralisado devido a constrangimentos no abastecimento de energia eléctrica adequada. A Gapi, em complemento ao trabalho de capacitação em gestão e assistência à organização do negócio disponibilizou um financiamento que, com o apoio do Governo de Sofala, permitiu que a EDM passasse a fazer o fornecimento de energia. O programa de empoderamento da mulher, na província de Sofala, abrange os distritos do Dondo, Nhamatanda, Gorongosa e Caia, onde estão a ser assistidas pela Gapi um total de 75 grupos de mulheres envolvendo cerca de 1300 membros. Nestes grupos, organizados em associações ou microempresas com assistência da Gapi, “os membros começam por ser orientados no desenvolvimento do espírito de poupança para investir”- explicou Wilma. Como resultado deste trabalho, nos grupos mais estáveis e membros empenhados foram instaladas mais de 35 pequenas agroindústrias semelhantes às do Dondo. Nos últimos meses, o principal pedido que as líderes das mulheres têm estado a fazer à Gapi é o de as ajudarem a solucionar constrangimentos com os equipamentos e instalações, que já foram co-financiados pelo Governo e pelo BAD, mas que ainda não estão a ser eficientemente aproveitados. Graça Correia, administradora de Dondo, mostrou-se agradecida e enalteceu o facto da Gapi estar presente na vida destas mulheres: “O Governo Distrital enaltece o apoio, dado pela Gapi, a estas mulheres, pois elas e outras pessoas do distrito vão agora conseguir processar os seus produtos e obter rendimentos Mulheres do Dondo criam agroindústria a partir desta actividade.” A inauguração desta unidade fabril visa o desenvolvimento do agro-processamento, um dos elos mais importantes para modernizar e viabilizar a agricultura familiar. A aquisição do equipamento desta pequena indústria teve como início uma contribuição em cerca de 40 mil Meticais, feita pelas mulheres através de um trabalho conduzido pela Gapi para que elas organizassem o seu próprio sistema de poupanças. O grupo “Mulheres Chiverano” tem ainda uma área de 10 hectares onde cultiva os cereais que agora estão a processar com o equipamento instalado. Este grupo está a ser assistido pela Gapi há seis anos e, em reconhecimento do seu empenho, o Governo Provincial está a subvencionar o uso de um tractor para auxiliar nos trabalhos de lavoura da sua área, bem como dos vizinhos. A líder destas mulheres, Maria da Conceição foi agora convidada para participar na Conferência Internacional do Género que irá decorrer nos Estados Unidos. Savana 23-02-2018 EVENTOS 4O Banco Comercial e de Investimentos (BCI) e a CDBrand assinaram, nesta terça-feira, em Maputo, um memorando de entendimento que formaliza patrocínio do BCI ao programa “Super Mentores”, uma plataforma de apoio a empreendedores e micro empresas Empreendedoras em Moçambique. O documento rubricado pelo Presidente do Conselho Executivo do BCI, Paulo Sousa, e pelo Director Geral da CDBrand, Celso Domingos, pretende trazer mais-valia e continuidade a este projecto que estimula o empreendorismo nacional através da criação de micro empresas, garantindo a orientação e aconselhamentos aos empreendedores para que possam crescer profissionalmente, melhorando a sua qualidade de vida e assegurando o desenvolvimento económico do país. Falando na ocasião, o PCE do BCI Paulo Sousa, afirmou: “os empreendedores e as microempresas ocupam um espaço relevante na sociedade moçambicana, no meio económico e social. Eles são acima de tudo a principal génese das estruturas empresariais no país, e a principal fonte de criação de emprego”. Mais adiante, indicou que “muitas das vezes, em países como Moçambique, o facto de podermos dar suporte, partilhar experiências, enquadrar a actividade de um empreendedor, com apoio em matéria BCI apoia empreendedores moçambicanos jurídica, de marketing financeiro e, sobretudo, naquilo que também distingue esta iniciativa (dar espaço e visibilidade na sociedade), pode fazer toda a diferença”. Para José Libombos, representante do Instituto para a Promoção das Pequenas e Médias Empresas (IPEME), a iniciativa pretende catapultar ideias de negócios de empreendedores e de empresas expondo-os a vários mentores técnicos e financeiros com vista à consolidação das mesmas com acesso ao mercado e melhoria da capacidade competitiva. “Essa plataforma vai contribuir para o desenvolvimento sócio-económico, tomando em consideração que ela tem o papel de contribuir a indução de surgimentos de pequenas e médias empresas devidamente estruturadas, fortalecimento das existentes para que tenham um potencial de geração de emprego e para aumento da produção nacional”, disse. Por sua vez, Celso Domingos frisou que o tema de financiamento é o “calcanhar de Aquiles” dos empreendedores em Moçambique, mas é preciso partir do princípio que para empreender não basta só ter dinheiro é preciso ter o Know-how, ter uma estrutura. E aquilo que o Super Mentores vai trazer aqui é uma estrutura, mas não capacidade financeira para dar todo o acompanhamento relativamente ao financiamento, daí que a abraçamos o BCI, que se prontificou a poiar a nossa causa”, disse. (EC) A cidade de Maputo acolhe esta sexta-feira o lançamento da 33ª edição do L’atelier do Barclays. Trata-se de uma competição anual, que tem em vista estimular jovens talentos das artes visuais, servindo como uma plataforma para que os jovens artistas emergentes se afirmem na arena da arte africana e mundial. Ao longo dos anos, esta competição tem sido um instrumento fundamental no lançamento de muitas carreiras no campo das artes visuais. Na edição passada, o L’Atelier chegou pela primeira vez a Moçambique e teve como participantes diversos artistas nacionais, tendo os artistas Luís Santos e Mauro Vombe visto os seus trabalhos incluídos na lista dos 100 melhores. Devido ao sucesso que fez, este ano o L’Atelier irá manter a aposta em Moçambique, sendo este o melhor reconhecimento do muito talento existente no País e, Maputo acolhe competição de arte africana assim, oferecer novas oportunidades para os artistas nacionais exporem os seus trabalhos. “Queremos encorajar os artistas moçambicanos a participarem do concurso, o L’Atelier é uma competição que proporciona experiências ímpares não só aos artistas, mas também ao público em geral. Estamos certos que só pelo facto de participarem, estes artistas já estão a ganhar pela experiência e o intercâmbio que sempre acontece, porque estamos a falar de uma competição que abrange diversos países, com artistas bastante talentosos, e essa oportunidade de troca de experiências é, no nosso entender, o maior valor acrescentado que todos os artistas obtêm. Queremos proporcionar momentos inigualáveis a todos, momentos que artistas e público irão decerto recordar muito para além do final desta competição”, afirmou Ivan Serra, Director de Marketing e Relações Corporativas, do BBM.(EC)

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