Ainda o envio da denúncia ao Tribunal Administrativo
Continua a ser difícil digerir a decisão de apresentar uma denúncia ao Tribunal Administrativo (TA) no âmbito da investigação do dossier das dívidas ocultas. A asserção que se tem da decisão, é que a PGR pretende simplesmente queimar tempo e, desta forma, cansar e reduzir a crítica pública, incluindo da comunidade internacional que, até agora, continua a manter pressão alta sobre o poder político e judicial moçambicano.
Em relação a isto, o jurista António Frangoulis diz que não há nada de especial no comunicado distribuído pela PGR. Aliás, a intenção mesmo, interpreta, é fazer o tempo passar.
“Nos próximos dias, vamos assistir a um ´ping pong` entre a PGR e o TA, em que vão queimar tempo a seu bel-prazer”, considera o jurista.
Para Frangoulis, em última instância, o desfecho do processo sobre as dívidas ocultas depende da vontadeda Frelimo e não da PGR.
Prova evidente disso, prossegue o antigo director da Polícia de Investigação Criminal (PIC) da capital do país, é que não há dúvidas que foram constatados ilícitos administrativos na gestão dos fundos, o que logo deixa clara a existência de ilícitos criminais.
Contudo, observa, é estranho que até ao momento não haja nada de expressivo relativo à matéria penal.
António Frangoulis considera que cabe às autoridades dar o sinal verde para que se possa avançar para algo concreto, antecipando, contudo, que a Frelimo não está disposta a permitir a responsabilização judicial dos autores das dívidas antes da realização das eleições gerais, porque as consequências poderiam ser extremamente graves.
Para Frangoulis, há uma intenção deliberada para não completar as informações solicitadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), no âmbito do relatório da Kroll, uma vez que implica apontar os autores e o destino dado ao dinheiro.
Ao revelar os referidos factos, anota o jurista, seria uma autêntica vergonha política para a Frelimo.
António Frangoulis entende que, em termos de procedimentos, não vê nenhum problema no facto de a PGR ter decidido remeter o processo ao TA para efeitos de análise.
Defende, contudo, que perante a existência de crimes, os autos deviam seguir para o foro criminal, uma vez concluída a instrução preparatória.
O processo-crime resolveria
O jurista e constitucionalista Simeão Cuamba entende que existem algumas anomalias procedimentais naquele comunicado.
Apontou, primeiro, o facto de o processo de instrução preparatória ostentar o nº1/PGR, o que, para ele, quer dizer que o processo de instrução criminal sobre as dívidas ocultas está a correr na PGR, o que não lhe parece estar correcto.
Defende que aquele ilícito ocorreu no território da cidade de Maputo e deveria ser o Ministério Público desta circunscrição a fazer a instrução preparatória e não a PGR.
Simeão Cuamba assinala que os agentes dos ilícitos detectados no referido processo deviam ser objecto de duas sanções; uma penal e outra de reposição do dinheiro. Este é o fim que se pretende com a instrução preparatória que está a correr.
No entanto, Cuamba diz que não tem cabimento a PGR fazer uma denúncia ao TA, porque este órgão vai agir apenas sobre as infracções de natureza financeira.
Explica este seu posicionamento com base no artigo 4 da lei 4/17 na alínea f) que diz: “Compete ao MP dirigir a instrução de processos por infracções tributária, financeira e outras”.
“É anomalia grave que pode induzir a opinião pública em confusão. Porque o MP tem a competência não só de instruir a instrução preparatória dos processos-crime, como também de instruir processos de infracção tributária e financeira”, declara.
Nesse sentido, continua, já não há lugar para uma outra instrução de processo por infracção financeira, porque o processo de instrução criminal que está em instrução resolve isso.
“Resolve o problema de punir os infractores à pena de prisão e pena de reposição de dinheiro. Resolve-se tudo no processo-crime”, explicou.
Manifestou preocupação com o facto de o MP submeter agora o caso ao TA, quando o mesmo data de 2015, na altura em que iniciou a instrução preparatória.
Simeão Cuamba acha que o TA não vai receber esta denúncia, porque ela não age através de denúncias, mas sim de recursos de contencioso administrativo.
Entende que o MP, como pessoa jurídica, pode queixar-se ao TA, através de recursos e não de denúncia.
O TA não tem função de receber queixas e denúncias, mas sim receber recursos de actos administrativos dos agentes da função pública.
A denúncia, prossegue, devia ser submetida ao Tribunal Provincial (no caso, da cidade de Maputo).
Ao invés de fazer recomendações para a melhoria da legislação, neste momento, o MP deveria agir para alcançar a responsabilização dos prevaricadores, diz Simeão Cuamba.
Diz que, mais do que ninguém, aquele órgão de defesa dos interesses do Estado sabe que, caso sejam acatadas as recomendações que deixou, não terão efeito rectroactivo, vão servir para o futuro, enquanto a expectativa do momento é ver aquela situação resolvida.
SAVANA/MEDIA FAX – 02.02.2018
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