sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Descentralização ou partidocracia?

Acordo Nyusi-Dhlakama
Sensivelmente três anos depois de se envolver em contactos directos com o líder da Renamo, o Presidente da República anunciou, quarta-feira, o seu primeiro entendimento para eliminar as hostilidades com o maior partido da oposição e alcançar uma paz estável para o país.
No que se convencionou designar como pacote sobre a descentralização,
Nyusi elencou os elementos basilares do acordo com a Renamo, que reivindicava inicialmente a governação em seis das dez províncias do país.
O acordo não se traduziu nessa governação, mas estabelece as bases para que governadores provinciais, administradores distritais e também os líderes das autarquias passem a ser eleitos indirectamente, a partir das votações maioritárias nas assembleias dos respectivos escalões. Neste sentido, já no final deste ano, não haverá mais eleições directas para as cinco dezenas de cidades e vilas autarcizadas.
Haverá apenas eleições para assembleias municipais que depois indicarão um dos seus membros como edil. Nos distritos, o processo ocorrerá apenas em 2024. Quantos aos governadores, eles serão escolhidos nas eleições gerais de 2019.
Com esta opção, parece comprometida a escolha directa pelos cidadãos dos seus líderes. A excepção é o voto presidencial. São assim as máquinas partidárias a quem cabe a responsabilidade de escolher quem governa. A descentralização, cuja finalidade última é aproximar eleitores e elegidos, aumentar a participação e aprofundar a democracia, parece assim mais caricatural pela opção escolhida em escolher de forma indirecta quem governa.
Os partidos protegem-se assim de fenómenos recentes como Daviz Simango, Amurane e Manuel Araújo, dirigentes com carisma e aura própria que contrariam as lógicas partidárias, nomeadamente a sua disciplina interna.
O quadro descentralizador, que tem de passar pelo parlamento e pela alteração da Constituição, tem ainda outras limitantes que não deixam de ser preocupantes. Os poderes ou a ausência deles para os governadores provinciais, já que para além das áreas de soberania como é a política externa, defesa e manutenção de lei e ordem, eles não têm poderes de decisão sobre recursos económicos, nomeadamente os referentes ao solo e subsolo. Acresce ainda a criação da figura sombria do Secretário de Estado que, em cada província, será o representante do Chefe de Estado. Tendencialmente, será esta a figura a desempenhar um papel chave, sobretudo nas províncias onde a cor política do governador for diversa da do chefe do governo central, podendo reduzir ainda mais os poderes do governador ou ser uma fonte permanente de conflito.
Parece para já de somenos importância qual o partido que retirou os maiores dividendos do exercício de descentralização. Em si própria, a iniciativa pertenceu à Renamo, perante a obstinada oposição inicial da Frelimo. Porém, no fim do dia, e perante o que para já é conhecido, parecem os partidos, grosso modo, os maiores beneficiários do conceito de descentralização que se pretende levar a cabo.
Num país em que a abstenção continua a ser um fenómeno preocupante, o voto abstracto em listas de militantes escolhidos partidariamente é, à partida, uma receita para maior incredulidade e cepticismo do eleitorado. Por outro lado, as lógicas que estiveram na base das actuais decisões podem dar lugar a novos fenómenos políticos, nomeadamente a criação de partidos regionais como resposta ao que pode ser a percepção de maior controlo e centralização na escolha de líderes e políticas localistas.
O objectivo genuíno de se alcançar uma maior participação popular poderá assim traduzir-se no reforço das máquinas partidárias dos partidos tradicionais, nomeadamente dos que estiveram na base do presente acordo.
O que não deixa de ser uma descentralização adiada.
SAVANA – 09.02.2018

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