sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Crónicas do País Profundo XI – A Mosca da Fruta


Crónicas do País Profundo XI – A Mosca da Fruta

E pronto, chegou o dia do inevitável do regresso. Acordo cedinho, aproveito comprar um quitutes no mercado da cidade, empacoto tudo e embarco num táxi directo ao “aeródomo” internacional de Lichinga – isso mesmo, assim se chama este local, cuja pista com 2530 m é mais larga e comprida que as do aeroporto de Pemba (1800m) e de Nampula (2000 m), mas ainda assim, é um aeródomo. Vão dizer que é da altitude (1373 m)...

E é aqui. Precisamente neste local que dou de caras com a imagem que posto. Lembro-me depois, ter já visto esta mesma Chipala em Nampula, Pemba e até em Chimoio quando por lá passei. A famigerada Mosca da Fruta. Ponho-me a pensar no assunto. Entretanto, tenho de abrir as maletas. Aqui não há scanner. Ainda se faz tudo a olho e a mão. A meu lado, um grupo numeroso de japoneses, apressa-se a embarcar também. Vão carregados com um pouco de tudo. Uns levam frasquinhos com amostras de sei lá quê. Outros, uma série de tubérculos, donde pontificam inhames e a famosa batata africana. O polícia resmunga e aponta para o quadro da Mosca da Fruta. O japa encolhe os ombros, parecendo não entender. Mas tem de deixar ali os tubérculos a contra-gosto. Outro tenta levar umas viçosas bananas-macaco, também sem sucesso. A ORDEM da AGriFUTURO é mesmo para se cumprir. Enfim passo para a sala de embarque, onde afinal há um scanner! Pergunto-me por que tive de abrir as malas à bocado? Alguém me diz na laracha: “...se calhar o scanner anda avariado...isto é só para fingir...”. Enfim, sós. Espero o meu voo de regresso a Maputo da nossa única opção. Duas horas de atraso e por fim estou lá dentro esfomeado e mal-disposto. Mas a visão da filha do “comrade” Nalyambipano acalma-me a ira. Já passou dos 40, mas continua simpática e bonita como quando a conheci em outros futebóis fora de Moçambique. Já se casou, finalmente.

Acomodo-me na poltrona e espero a partida. Chatice, ainda vamos escalar Nampula, com duas horas de atraso. Só na LAM mesmo. A nossa única opção! Enquanto sobrevoo o Oceano Índico ponho-me a reflectir sobre a Mosca da Fruta e lembro-me de uma conversa tida aqui com o Ismael Mussá há cerca de dois meses. Sobre quando há mais de 130 anos, Cecil Rhodes lançou as sementes daquilo que viria a ser a visão desenvolvimento SADC, na esteira do que o capitalismo mundial havia estabelecido como economias centrais e economias periféricas. Mais tarde, as economias euro-cêntricas estenderam-se ao ultramar pela colonização, alargando a geografia do sistema, ainda que dentro da mesma entidade jurisdicional. E assim nasceram os nossos vizinhos Rhodesia e South Africa. Ora, à medida que a colonização europeia foi crescendo em número e em riqueza extraída do subsolo e exportada para a metrópole, anseios de autonomia foram se cristalizando. Nasceu a burguesia colonial. Essa mesma burguesia que depois se tornaria paulatinamente multiétnica até atingir o estágio multiracial tal como a conhecemos hoje. Não obstante a complexidade das transformações sociais, económicas e até políticas, o conceito “economia central vs economia periférica, preveleceu até hoje como um dos princípios sacrossantos do capitalismo”. Por essa razão, Foi, desde o mapa cor-de-rosa, imposto a Portugal que doravante deveria afinar no diapasão de Rhodes. E assim, Moçambique e Angola tornaram-se em economias coloniais periféricas, baseadas em três princípios: 1- infra-estruturas construídas para porta de entrada e saída para o hinterland (Rhodesia e Transvaal no nosso caso); 2- mão-de-obra barata, braçal e emigrante (Rhodesia e Transvaal no nosso caso); 3- e, exportador de algumas matérias-primas como pescado, sisal, arroz, açúcar, etc. para as indústrias transformadoras da metrópole, que as consumia ou reexportava para outros mercados a lucros fabulosos. Eventualmente, à medida que a imigração estrangeira ia aumentando em Delagoa Bay, o turismo começou a despertar maior interesse e assim, estava desenhado o primeiro esboço de uma sociedade de serviços em que nos viríamos a especializar nos anos 60-70. E assim fomos até à independência, onde a FRELIMO tentou operar aqui um milagre económico que ia contra todos os cânones estabelecidos desde Cecil Rhodes. Isto é, retirar-nos da periferia e nos colocar mais próxima do centro. Já sabemos em que é que isso resultou, pelo que não me vou ater sobre os méritos ou deméritos disso. Tanto mais que, há professores doutores aqui que leccionam essa ladainha todos os dias nas suas faculdades. Eles que expliquem porquê. O fundamental, é que o fracasso do projecto da FRELIMO conduziu-nos a uma regressão ao modelo inicial de Rhodes. E para agravar, isso coincidiu com um período em que se assinava a certidão de óbito ao comunismo e o seu pleno emprego e gratuitidades, coisas que usufruimos ca tambem, para no seu lugar voltarmos às profissões pouco dignificantes do passado. Com um detalhe, agora já havia uma economia de serviços mais ou menos destroçada pela guerra e pelas políticas da FRELIMO. Mas ainda havia. Ora bem, arranjou-se um solução transitória que nunca foi serviço para se la chegar: a consultoria e a cooperacao internacional como ajuda ao desenvolvimento (muita teoria, pouca pratica, como alias podemos aferir pelos projectos da UNIDO. Diga-me que "industria" foi fomentada por ela?) -> passagem de informação privilegiada sobre Moçambique ao exterior, basicamente, disso usufruindo alguns ganhos, mas cedo se percebeu que um dia isso iria acabar para regressarmos ao modelo inicial de periferia. Hoje, “descobriram-se” imensos recursos energéticos e naturais. Quando se esperava ver o país jogar cartas e quem sabe, rever o projecto da FRELIMO de 1975 adequando-o a um sociedade democrática, eis que é a própria a defender com unhas e dentes o modelo de Rhodes! Dúvidas? Observe o traçado do acesso aos nossos portos, vias-férreas, hóteis e outros, para ver se não correspondem a isso. Leia bem o discurso do Estado da NAÇÃO do AEG deste ano. Já ouviu falar de industrialização plena em Moçambique com vista à competição regional e auto-suficiência? Qual quê!!! Continua-se a apostar na exportação de matérias-primas. E a importação de produtos transformados do exterior cresce e é alimentada por interesses económicos directamente ligados ao partido no poder. Quanto à mão-de-obra, de um modo geral só trabalha quem é braçal, mas como tal, recebe mal, por causa do baixo nível de literacia ideológica e funcional. E os que são esclarecidos, como nós, fingem que trabalham na maior parte do tempo. Não é por acaso que tenho periodicamente feito referência a um texto que escrevi há 2 anos (Dilema de Paúnde) que resulta de observações e experiências pessoais na função pública de que sou parte integrante. E por último, outro ponto nunca esclarecido é este conceito camaleónico para nós, duma economia de serviços. Sabemos do que se trata, pelo menos em teoria. Podemos até ocupar o lugar que o sistema se dispôs a deixar para nós na qualidade de economia periférica. No entanto, a nossa incompetência criadora e desconhecimento total da realidade contemporânea global, faz-nos sonhar com um cargo de PCA de uma indústria de enlatados, onde, por decreto, todos tenham lá de ir comprar. Delírios...

Só isso é que explica o que eu vivi nestes quase 20 dias, com mais de 3000 km por terra. Observando, conversando, registando imagens e outros dados para consumo pessoal. Ah, mas falava eu da Mosca da Fruta..

Pois é. Então vamos aos factos. Eis o primeiro. Há coisa de dois anos, visitava a sua terra natal a sra. Maria da Luz Guebuza, quando foi presenteada com uma oferta insólita pelos locais. Duas toneladas de banana fresca e recém-produzida, para ajudar as criancinhas dos projectos sociais da Primeira Dama. Detalhe: aquela banana havia tido a sua exportação para fora da província interditada por causa da prevalência da Mosca da Fruta. Em Nampula, toda produção frutícola, tubérculos e hortícolas locais não pode ser exportada para fora da província, por causa da Mosca da Fruta. Logo, a sua comercialização só pode ser local. Detalhe: em Nampula, há uma empresa chamada Matanuska (www.matanuska.co.mz), de capitais maioritariamente estrangeiros, que detém uma quota de mercado exclusiva de exportação de banana nampulense para o Médio Oriente e Europa Meridional. Não consta que a Mosca da Fruta esteja a ser um entrave. Na mesma Nampula, há vários tipos de amendoim, único no mundo, que não são exportados por causa de um “parasita”. A Castanha de Cajú, por seu turno, é exportada em casca para a Índia, pela OLAM, e uma vez lá, é descascada e reexportada com o rótulo “Made in India”. Em Cabo Delgado, também há restrições idênticas por causa da Mosca da Fruta. Também aqui, nada se exporta para fora da província. Nem para a vizinhança. No Niassa, o cenário repete-se. No entanto, encoraja-se a monocultura da Soja, com incentivos governamentais e até das ONGs ligadas ao próprio Ministério de tutela. Encoraja-se no Niassa a florestação, porque dá empregos, dizem. Mas é só uma ameaça de corte de financiamento para ouvirmos falar de falências. Na vizinha RSA, há coisa de duas semanas, foi detectado um foco de Mosca da Fruta em Mpumalanga e arredores. Deixamos de importar fruta de lá? Não, antes pelo contrário. O que já pude ver. Nas regiões de Manica onde as frutas estão condenadas a esta quarentena de anos, começa-se a apostar pela monocultura dos bio-combustíveis. Em Nampula, por haver ainda consumo interno suficiente, ainda se produz razoavelmente. Mas com o PROSAVANA, o mais certo é que se enverede pela mono-cultura do lucro fácil. No Niassa, idem. Na Zambézia, aspas e mais aspas. Escrevia em 2010: “...Oiço agora falar de monocultura e da consequente mecanização agrícola e eis que descubro que 18.000 hectares de terra arável foram concessionados a mais uma outra multinacional para produzir bio-combustíveis nas férteis terras do planalto, o celeiro da Nação. Assim como já tinha sabido que 23.500 hectares de terra, para a produção de trigo, arroz, leguminosas, milho, cebola e batata, seriam por certo, arrendados à um país da SADC (Maurícias) num esforço destinado a suprir o défice alimentar gerado pela escassez de terra para a produção nesse país – justamente por ele ter optado erradamente, à já longos anos, por uma mono-cultura intensiva - num negócio em que Moçambique receberia em troca, firmas subsidiárias em joint-venture, participadas por empresários nacionais com 10% de acções por conta do aluguer da terra. E muitas outras parcerias de esbulho de terras que continuam em fila de espera. Um acordo recente para evitar a dupla tributação e evasão fiscal foi reportado na nossa media. Ele permitirá a um parceiro asiático (Vietname) resolver um problema criado pela sua própria má planificação económica, que já redundou na perda grandes quantidades de terras aráveis para dar lugar a fábricas poluentes e exploração turística. De acordo com o Ministério da Agricultura desse país, a terra para a produção do arroz, principal mercadoria da nação e líder nas receitas de exportação, diminuiu de 4.453.441 para 4.048.583 hectares, só no período de 2000 a 2006, basicamente por causa de uma iniciativa capitalista irresponsável – de ricos e para ricos: a proliferação de campos de golfe (quase 200 haviam sido projectados), que deslocaram milhares de agricultores e devastaram plantações de arroz das quais o país depende. Além das terras, os campos de golfe também influem nos recursos hídricos. Um campo com 18 buracos consome mais de cinco milhões de litros de água por dia, o suficiente para 20 mil agregados familiares. «Na temporada de seca é muito difícil», diz o encarregado pela rega de um dos campos, situado a cerca de 200 quilómetros da capital desse país. «Eu tenho de pressionar a empresa fornecedora de água, porque não há água suficiente para todas as pessoas da cidade». Em suma, não nos bastassem parcerias desequilibradas, agiotagem, agora vamos apregoar os benefícios fiscais por samaritanismo económico. Evidências de que o Estado moçambicano auto-demitiu-se há muito dos seus deveres constitucionais, pelos quais o Povo tem sido regularmente convidado a escrutinar a cada lustro, e agora entrou em auto-regressão ideológica total ao leme de um ministério da (des) planificação e (sub) desenvolvimento.
É preciso compreender por que milhares de iniciativas isoladas de sucesso na agricultura de baixa escala abaixo do trópico de Câncer são sistematicamente ignoradas pelos programas do FMI e do Banco Mundial, supostamente por causa da questão da propriedade da Terra, como se isso fosse uma verdade. Porque é que esses problemas são comuns em todos os países que sujeitam à sua umbrella, e não apenas naqueles - como Moçambique - onde a terra não se vende? De acordo com a Constituição da República Popular da China por exemplo, a terra é propriedade do Governo (central ou provincial), todavia as suas produção e produtividade agrícolas ainda são notáveis. Aliás, se os nossos constitucionalistas não fossem tão comodistas, estariam é a pensar numa Lei Fundamental que estabelecesse a inviolabilidade do direito de uso e aproveitamento da terra significaria, na práctica, uma situação muito próxima à da inviolabilidade da propriedade privada ou seja, em caso de expropriação, o Estado deveria, obrigatoriamente, indemnizar o anterior locatário, e matava-se assim o MITO que milhares e milhares de ONG, associações de agricultores, sociólogos, consultores, com honorários a custar mais de 60% das ajudas ao desenvolvimento da UE, EUA, Japão e outros, vêm muitas vezes a terreiro levantar. Porque o que o FMI e Banco Mundial estão a fazer para debelar o problema da fome global é manifestamente insuficiente, senão mesmo quimérico...”.

E o que fizeram esses srs. que nos governam? Trouxeram-nos a AgriFUTURO. O “parasita” do feijão, amendoim. A Mosca da Fruta. O mercado livre da SADC (unidireccional) e claro... O PROSAVANA!!!

Por sermos parvos?
Bons Samaritanos?
Ou simplesmente pusilânimes?

O incrível acontece em Moçambique. Com uma zona sul do país, com déficit crónico de segurança alimentar e fome sazonal, é o próprio Governo, com estas medidas “YES BOSS” quem mata a iniciativa de combater a pobreza. Será que nunca soube disto sr. AEG? Quando a produção interna deveria reduzir a dependência externa da RSA, Zimbabwe e Malawi, é o próprio Estado que fortifica cumprindo “ordens” da USAID, JICA e outros chico-espertos que só estão a defender os interesses das suas economias, ou seja, afundando-nos cada vez mais na nossa condição de “economia periférica”, justificando tudo isso com um “estar em linha com as boas práticas”. E os outros que não nos imitam nisso, são palermas? Quando um governante usa fundos de ajuda ao desenvolvimento para promover negócios particulares sob capa de PPP’s, isso já não é só corrupção activa. É traição à pátria. A história nunca mais absolverá esta gente, nem a sua descendência. Cá se faz. Cá se paga.

Este é o País Profundo que visitei. Nunca precisou do Governo Central para nada. Só por patriotismo é que ainda lhe deve obediência...

Até um dia.

P.S. Leia aqui também o Estudo feito pela AgriFUTURO sobre os corredores logísticos da Beira e Nacala que postarei aqui e descubra como são montados os “espantalhos” dos helicópteros das promessas de desenvolvimento...
Crónicas do País Profundo XI – A Mosca da Fruta

E pronto,  chegou o dia do inevitável do regresso. Acordo cedinho, aproveito comprar um quitutes no mercado da cidade, empacoto tudo e embarco num táxi directo ao “aeródomo” internacional de Lichinga – isso mesmo, assim se chama este local, cuja pista com 2530 m é mais larga e comprida que as do aeroporto de Pemba (1800m) e de Nampula (2000 m), mas ainda assim, é um aeródomo. Vão dizer que é da altitude (1373 m)...

E é aqui. Precisamente neste local que dou de caras com a imagem que posto. Lembro-me depois, ter já visto esta mesma Chipala em Nampula, Pemba e até em Chimoio quando por lá passei. A famigerada Mosca da Fruta. Ponho-me a pensar no assunto. Entretanto, tenho de abrir as maletas. Aqui não há scanner. Ainda se faz tudo a olho e a mão. A meu lado, um grupo numeroso de japoneses, apressa-se a embarcar também. Vão carregados com um pouco de tudo. Uns levam frasquinhos com amostras de sei lá quê. Outros, uma série de tubérculos, donde pontificam inhames e a famosa batata africana. O polícia resmunga e aponta para o quadro da Mosca da Fruta. O japa encolhe os ombros, parecendo não entender. Mas tem de deixar ali os tubérculos a contra-gosto. Outro tenta levar umas viçosas bananas-macaco, também sem sucesso. A ORDEM da AGriFUTURO é mesmo para se cumprir. Enfim passo para a sala de embarque, onde afinal há um scanner! Pergunto-me por que tive de abrir as malas à bocado? Alguém me diz na laracha: “...se calhar o scanner anda avariado...isto é só para fingir...”. Enfim, sós. Espero o meu voo de regresso a Maputo da nossa única opção. Duas horas de atraso e por fim estou lá dentro esfomeado e mal-disposto. Mas a visão da filha do “comrade” Nalyambipano acalma-me a ira. Já passou dos 40, mas continua simpática e bonita como quando a conheci em outros futebóis fora de Moçambique. Já se casou, finalmente. 

Acomodo-me na poltrona e espero a partida. Chatice, ainda vamos escalar Nampula, com duas horas de atraso. Só na LAM mesmo. A nossa única opção! Enquanto sobrevoo o Oceano Índico ponho-me a reflectir sobre a Mosca da Fruta e lembro-me de uma conversa tida aqui com o Ismael Mussá há cerca de dois meses. Sobre quando há mais de 130 anos, Cecil Rhodes lançou as sementes daquilo que viria a ser a visão desenvolvimento SADC, na esteira do que o capitalismo mundial havia estabelecido como economias centrais e economias periféricas. Mais tarde, as economias euro-cêntricas estenderam-se ao ultramar pela colonização, alargando a geografia do sistema, ainda que dentro da mesma entidade jurisdicional. E assim nasceram os nossos vizinhos Rhodesia e South Africa. Ora, à medida que a colonização europeia foi crescendo em número e em riqueza extraída do subsolo e exportada para a metrópole, anseios de autonomia foram se cristalizando. Nasceu a burguesia colonial. Essa mesma burguesia que depois se tornaria paulatinamente multiétnica até atingir o estágio multiracial tal como a conhecemos hoje. Não obstante a complexidade das transformações sociais, económicas e até políticas, o conceito “economia central vs economia periférica, preveleceu até hoje como um dos princípios sacrossantos do capitalismo”. Por essa razão, Foi, desde o mapa cor-de-rosa, imposto a Portugal que doravante deveria afinar no diapasão de Rhodes. E assim, Moçambique e Angola tornaram-se em economias coloniais periféricas, baseadas em três princípios: 1- infra-estruturas construídas para porta de entrada e saída para o hinterland (Rhodesia e Transvaal no nosso caso); 2- mão-de-obra barata, braçal e emigrante (Rhodesia e Transvaal no nosso caso); 3- e, exportador de algumas matérias-primas como pescado, sisal, arroz, açúcar, etc. para as indústrias transformadoras da metrópole, que as consumia ou reexportava para outros mercados a lucros fabulosos. Eventualmente, à medida que a imigração estrangeira ia aumentando em Delagoa Bay, o turismo começou a despertar maior interesse e assim, estava desenhado o primeiro esboço de uma sociedade de serviços em que nos viríamos a especializar nos anos 60-70. E assim fomos até à independência, onde a FRELIMO tentou operar aqui um milagre económico que ia contra todos os cânones estabelecidos desde Cecil Rhodes. Isto é, retirar-nos da periferia e nos colocar mais próxima do centro. Já sabemos em que é que isso resultou, pelo que não me vou ater sobre os méritos ou deméritos disso. Tanto mais que, há professores doutores aqui que leccionam essa ladainha todos os dias nas suas faculdades. Eles que expliquem porquê. O fundamental, é que o fracasso do projecto da FRELIMO conduziu-nos a uma regressão ao modelo inicial de Rhodes. E para agravar, isso coincidiu com um período em que se assinava a certidão de óbito ao comunismo e o seu pleno emprego e gratuitidades, coisas que usufruimos ca tambem, para no seu lugar voltarmos às profissões pouco dignificantes do passado. Com um detalhe, agora já havia uma economia de serviços mais ou menos destroçada pela guerra e pelas políticas da FRELIMO. Mas ainda havia. Ora bem, arranjou-se um solução transitória que nunca foi serviço para se la chegar: a consultoria e a cooperacao internacional como ajuda ao desenvolvimento (muita teoria, pouca pratica, como alias podemos aferir pelos projectos da UNIDO. Diga-me que "industria" foi fomentada por ela?) -> passagem de informação privilegiada sobre Moçambique ao exterior, basicamente, disso usufruindo alguns ganhos, mas cedo se percebeu que um dia isso iria acabar para regressarmos ao modelo inicial de periferia. Hoje, “descobriram-se” imensos recursos energéticos e naturais. Quando se esperava ver o país jogar cartas e quem sabe, rever o projecto da FRELIMO de 1975 adequando-o a um sociedade democrática, eis que é a própria a defender com unhas e dentes o modelo de Rhodes! Dúvidas? Observe o traçado do acesso aos nossos portos, vias-férreas, hóteis e outros, para ver se não correspondem a isso. Leia bem o discurso do Estado da NAÇÃO do AEG deste ano. Já ouviu falar de industrialização plena em Moçambique com vista à competição regional e auto-suficiência? Qual quê!!! Continua-se a apostar na exportação de matérias-primas. E a importação de produtos transformados do exterior cresce e é alimentada por interesses económicos directamente ligados ao partido no poder. Quanto à mão-de-obra, de um modo geral só trabalha quem é braçal, mas como tal, recebe mal, por causa do baixo nível de literacia ideológica e funcional. E os que são esclarecidos, como nós, fingem que trabalham na maior parte do tempo. Não é por acaso que tenho periodicamente feito referência a um texto que escrevi há 2 anos (Dilema de Paúnde) que resulta de observações e experiências pessoais na função pública de que sou parte integrante. E por último, outro ponto nunca esclarecido é este conceito camaleónico para nós, duma economia de serviços. Sabemos do que se trata, pelo menos em teoria. Podemos até ocupar o lugar que o sistema se dispôs a deixar para nós na qualidade de economia periférica. No entanto, a nossa incompetência criadora e desconhecimento total da realidade contemporânea global, faz-nos sonhar com um cargo de PCA de uma indústria de enlatados, onde, por decreto, todos tenham lá de ir comprar. Delírios...

Só isso é que explica o que eu vivi nestes quase 20 dias, com mais de 3000 km por terra. Observando, conversando, registando imagens e outros dados para consumo pessoal. Ah, mas  falava eu da Mosca da Fruta..

Pois é. Então vamos aos factos. Eis o primeiro. Há coisa de dois anos, visitava a sua terra natal a sra. Maria da Luz Guebuza, quando foi presenteada com uma oferta insólita pelos locais. Duas toneladas de banana fresca e recém-produzida, para ajudar as criancinhas dos projectos sociais da Primeira Dama. Detalhe: aquela banana havia tido a sua exportação para fora da província interditada por causa da prevalência da Mosca da Fruta. Em Nampula, toda produção frutícola, tubérculos e hortícolas locais não pode ser exportada para fora da província, por causa da Mosca da Fruta. Logo, a sua comercialização só pode ser local.  Detalhe: em Nampula, há uma empresa chamada Matanuska (www.matanuska.co.mz), de capitais maioritariamente estrangeiros, que detém uma quota de mercado exclusiva de exportação de banana nampulense para o Médio Oriente e Europa Meridional. Não consta que a Mosca da Fruta esteja a ser um entrave. Na mesma Nampula, há vários tipos de amendoim, único no mundo, que não são exportados por causa de um “parasita”. A Castanha de Cajú, por seu turno, é exportada em casca para a Índia, pela OLAM, e uma vez lá, é descascada e reexportada com o rótulo “Made in India”. Em Cabo Delgado, também há restrições idênticas por causa da Mosca da Fruta. Também aqui, nada se exporta para fora da província. Nem para a vizinhança. No Niassa, o cenário repete-se. No entanto, encoraja-se a monocultura da Soja, com incentivos governamentais e até das ONGs ligadas ao próprio Ministério de tutela. Encoraja-se no Niassa a florestação, porque dá empregos, dizem. Mas é só uma ameaça de corte de financiamento para ouvirmos falar de falências. Na vizinha RSA, há coisa de duas semanas, foi detectado um foco de Mosca da Fruta em Mpumalanga e arredores. Deixamos de importar fruta de lá? Não, antes pelo contrário. O que já pude ver. Nas regiões de Manica onde as frutas estão condenadas a esta quarentena de anos, começa-se a apostar pela monocultura dos bio-combustíveis. Em Nampula, por haver ainda consumo interno suficiente, ainda se produz razoavelmente. Mas com o PROSAVANA, o mais certo é que se enverede pela mono-cultura do lucro fácil. No Niassa, idem. Na Zambézia, aspas e mais aspas. Escrevia em 2010: “...Oiço agora falar de monocultura e da consequente mecanização agrícola e eis que descubro que 18.000 hectares de terra arável foram concessionados a mais uma outra multinacional para produzir bio-combustíveis nas férteis terras do planalto, o celeiro da Nação. Assim como já tinha sabido que 23.500 hectares de terra, para a produção de trigo, arroz, leguminosas, milho, cebola e batata, seriam por certo, arrendados à um país da SADC (Maurícias) num esforço destinado a suprir o défice alimentar gerado pela escassez de terra para a produção nesse país – justamente por ele ter optado erradamente, à já longos anos, por uma mono-cultura intensiva - num negócio em que Moçambique receberia em troca, firmas subsidiárias em joint-venture, participadas por empresários nacionais com 10% de acções por conta do aluguer da terra. E muitas outras parcerias de esbulho de terras que continuam em fila de espera. Um acordo recente para evitar a dupla tributação e evasão fiscal foi reportado na nossa media. Ele permitirá a um parceiro asiático (Vietname) resolver um problema criado pela sua própria má planificação económica, que já redundou na perda grandes quantidades de terras aráveis para dar lugar a fábricas poluentes e exploração turística. De acordo com o Ministério da Agricultura desse país, a terra para a produção do arroz, principal mercadoria da nação e líder nas receitas de exportação, diminuiu de 4.453.441 para 4.048.583 hectares, só no período de 2000 a 2006, basicamente por causa de uma iniciativa capitalista irresponsável – de ricos e para ricos: a proliferação de campos de golfe (quase 200 haviam sido projectados), que deslocaram milhares de agricultores e devastaram plantações de arroz das quais o país depende. Além das terras, os campos de golfe também influem nos recursos hídricos. Um campo com 18 buracos consome mais de cinco milhões de litros de água por dia, o suficiente para 20 mil agregados familiares. «Na temporada de seca é muito difícil», diz o encarregado pela rega de um dos campos, situado a cerca de 200 quilómetros da capital desse país. «Eu tenho de pressionar a empresa fornecedora de água, porque não há água suficiente para todas as pessoas da cidade». Em suma, não nos bastassem parcerias desequilibradas, agiotagem, agora vamos apregoar os benefícios fiscais por samaritanismo económico. Evidências de que o Estado moçambicano auto-demitiu-se há muito dos seus deveres constitucionais, pelos quais o Povo tem sido regularmente convidado a escrutinar a cada lustro, e agora entrou em auto-regressão ideológica total ao leme de um ministério da (des) planificação e (sub) desenvolvimento. 
É preciso compreender por que milhares de iniciativas isoladas de sucesso na agricultura de baixa escala abaixo do trópico de Câncer são sistematicamente ignoradas pelos programas do FMI e do Banco Mundial, supostamente por causa da questão da propriedade da Terra, como se isso fosse uma verdade. Porque é que esses problemas são comuns em todos os países que sujeitam à sua umbrella, e não apenas naqueles - como Moçambique - onde a terra não se vende? De acordo com a Constituição da República Popular da China por exemplo, a terra é propriedade do Governo (central ou provincial), todavia as suas produção e produtividade agrícolas ainda são notáveis. Aliás, se os nossos constitucionalistas não fossem tão comodistas, estariam é a pensar numa Lei Fundamental que estabelecesse a inviolabilidade do direito de uso e aproveitamento da terra significaria, na práctica, uma situação muito próxima à da inviolabilidade da propriedade privada ou seja, em caso de expropriação, o Estado deveria, obrigatoriamente, indemnizar o anterior locatário, e matava-se assim o MITO que milhares e milhares de ONG, associações de agricultores, sociólogos, consultores, com honorários a custar mais de 60% das ajudas ao desenvolvimento da UE, EUA, Japão e outros, vêm muitas vezes a terreiro levantar. Porque o que o FMI e Banco Mundial estão a fazer para debelar o problema da fome global é manifestamente insuficiente, senão mesmo quimérico...”. 

E o que fizeram esses srs. que nos governam? Trouxeram-nos a AgriFUTURO. O “parasita” do feijão, amendoim. A Mosca da Fruta. O mercado livre da SADC (unidireccional) e claro... O PROSAVANA!!!

Por sermos parvos? 
Bons Samaritanos?
Ou simplesmente pusilânimes?

O incrível acontece em Moçambique. Com uma zona sul do país, com déficit crónico de segurança alimentar e fome sazonal, é o próprio Governo, com estas medidas “YES BOSS” quem mata a iniciativa de combater a pobreza. Será que nunca soube disto sr. AEG? Quando a produção interna deveria reduzir a dependência externa da RSA, Zimbabwe e Malawi, é o próprio Estado que fortifica cumprindo “ordens” da USAID, JICA e outros chico-espertos que só estão a defender os interesses das suas economias, ou seja, afundando-nos cada vez mais na nossa condição de “economia periférica”, justificando tudo isso com um “estar em linha com as boas práticas”. E os outros que não nos imitam nisso, são palermas? Quando um governante usa fundos de ajuda ao desenvolvimento para promover negócios particulares sob capa de PPP’s, isso já não é só corrupção activa. É traição à pátria. A história nunca mais absolverá esta gente, nem a sua descendência. Cá se faz. Cá se paga.

Este é o País Profundo que visitei. Nunca precisou do Governo Central para nada. Só por patriotismo é que ainda lhe deve obediência...

Até um dia.


P.S. Leia aqui também o Estudo feito pela AgriFUTURO sobre os corredores logísticos da Beira e Nacala que postarei aqui e descubra como são montados os “espantalhos” dos helicópteros das promessas de desenvolvimento...


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