Alfonso Armada é jornalista e escritor espanhol que veio a Moçambique para orientar um seminário sobre jornalismo cultural. Na sua opinião, a curiosidade, o rigor, a humildade e a alegria são elementos fundamentais para quem pretende abraçar o que considera “universidade do pobre”, o jornalismo.
É jornalista e escritor. Qual destes dois ofícios tem influenciado o outro?
Na verdade, todo o jornalista é escritor, mas nem todo o escritor é jornalista. A ferramenta é a mesma. Tanto o escritor, assim como o jornalista, no que escreve para jornais e revistas, utiliza a língua. A matéria-prima é a mesma, a diferença fundamental é o trabalho com os factos.
O jornalista não pode inventar nada, enquanto o escritor tem essa possibilidade. O emprego dos instrumentos da língua, as descrições e a utilização de todos os sentidos é a mesma. Portanto, as duas áreas influenciam uma à outra.
Sendo jornalista e escritor, como olha para o mundo?
Olho para o mundo com muita curiosidade, é fundamental. É impossível ser um jornalista e escritor sem ser curioso. Essa é a primeira condição. Depois vêm outros elementos, também importantes, como o rigor e, no caso do jornalista, o respeito, a busca pela verdade, a humildade e a alegria de ter a sorte de estar sempre a abrir janelas para descobrir a vida. Infelizmente, o jornalismo na Espanha não está a viver bons momentos, muitas vezes por se misturar a opinião com os factos. A procura da verdade tem que ser a bússola do jornalista.
É apaixonado por África. Aliás, publicou uma obra intitulada “Cadernos africanos”. O que mais lhe atrai neste continente?
Este continente é muito complexo! Na Europa, há uma tendência de se pensar que África é um único país, quando é constituído por vários países que têm, cada um, a sua própria história.
Penso que aqui há muitas Áfricas, muitos Moçambiques. Interessa-me muito a hospitalidade que se preserva em alguns pontos do continente, maneira de escutar o outro, o contacto com a natureza – isso nós perdemos na Espanha. É verdade que cá ainda se passam muitas coisas más, mas também há boas coisas. Na Europa, há uma mania de se reportar apenas as coisas más do continente. Por isso, a ideia que fica na mente de quem lê os jornais é de que África é um continente condenado. Como jornalistas, temos de falar desta complexidade do mundo.
Esteve a orientar um seminário sobre “Jornalismo Cultural”. Porquê a cultura?
Julgo que não há jornalismo cultural. Há, sim, bom e mau jornalismo. Pode fazer-se bom jornalismo falando-se de desporto, economia ou política. No caso da cultura, os temas que os jornalistas culturais abordam são diferentes, mas a maneira de escrever, investigar e as técnicas são as mesmas que as das outras áreas. Em todas, há que captar a atenção do leitor e escrever da melhor maneira e exacto possível.
Ao longo da escrita, o jornalista deve respeitar os factos e usar todos os órgãos do sentido e, ao mesmo tempo, tratar de provocar a emoção do leitor. Escolhemos a área, porque julgamos que aqui os jornalistas têm a possibilidade de levar às revistas, à televisão, à rádio e aos jornais algo que é muito importante: o conhecimento através das artes. O jornalismo é a universidade do pobre.
Como vê o jornalismo cultural desenvolvido em Moçambique?
Seria muito ousado responder a esta pergunta. Os meus conhecimentos são muito limitados a este respeito. Mas, pelo que tenho acompanhado, há um sentimento de tristeza, pelo facto de o jornalismo cultural nos jornais, nas rádios e na televisão não ter o espaço que se almeja. Mesmos os suplementos culturais, que exerceram um papel fundamental na formação do povo moçambicano, foram perdendo o espaço. Os jornalistas culturais devem persuadir os seus chefes da importância da cultura para fazer dos cidadãos mais livres e críticos. Uma informação cultural pode fazer dos cidadãos muito melhores.
Julga que a qualidade jornalística de um país reflecte a sua qualidade literária?
É possível. A verdade é que há um momento em que na história de um país e de um povo há confluência de múltiplos factores. Penso que os trabalhos dos jornalistas, escritores, filósofos e outros, podem reflectir a qualidade de um povo.
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