Por Maria de Lourdes Torcato *
Num
dia, a notícia chocante de 12 elefantes abatidos na Reserva do Niassa,
provavelmente por caçadores furtivos; no dia seguinte outra noticia
muito mais chocante, o assassinato a sangue-frio do ex-Director do
Parque do Limpopo, Gilberto Vicente, possivelmente a mando dos
interesses na caça furtiva que ele combatia. Duas notícias suficientes
para deixar abalado e preocupado quem acompanha o estado de conservação
da Natureza em Moçambique.
Comecemos
sempre por lembrar que, quando o estado declara uma determinada porção
do seu território como Área de Conservação da Biodiversidade, deve
pensar em primeiro lugar nas pessoas que lá vivem. Por exemplo, se é um
local privilegiado para proteger a biodiversidade, os animais do mato
têm de andar à solta...e os humanos devem ser afastados e protegidos
contra eles. O ideal é que não haja pessoas a viver dentro da área de
uma Reserva de Conservação e a maioria dos estados segue essa regra. Num
país pobre e sobretudo quando a Reserva ocupa enormes extensões do
território como é o caso da Reserva do Niassa – que da sua extensão
retira as suas extraordinárias vantagens comparativas em termos de
conservação da natureza – há muitos problemas que surgem. Mas embora
estes problemas sejam complexos e exijam alto grau de organização, eles
nunca podem ser um obstáculo às actividades de Conservação e de Turismo.
Numa
Reserva dedicada à conservação, sempre que possível e não represente
perigo de vida, os residentes dentro ou em zonas limítrofes da Reserva,
devem poder continuar a beneficiar dos recursos naturais disponíveis e
que tradicionalmente são utilizados na sua vida quotidiana, na
construção de habitações com materiais retirados da floresta, na
alimentação ou na medicina natural. É óbvio que o devem fazer no
respeito da lei e das normas da comunidade e da própria conservação
porque, pobres ou ricos, educados ou iletrados, todos temos acima de nós
as leis que nos governam. Aliás, como compensação para uma possível
perda de acesso a estes recursos causada pelas actividades da
Conservação e Turismo, está legalmente estabelecido que as comunidades
recebem 20% dos rendimentos obtidos pelas actividades comerciais legais
dentro da área da Reserva.
Mas
a floresta e os seus recursos numa Reserva não se destinam
primariamente a ser explorados comercialmente porque no ordenamento
territorial há outras áreas reservadas a isso. A Província do Niassa tem
um excelente Zoneamento (de Actividades para o Desenvolvimento)
elaborado por especialistas e feito na perspectiva de colaboração da RN
com o Governo. Mas apesar disso persiste uma grande confusão nas cabeças
de muita gente em matéria de investimento, uso dos recursos, etc. As
autoridades administrativas locais partilham desta ignorância ou ignoram
apesar de saberem. Mas são poucos os que se evidenciam pela atitude
correcta e responsável de lidar com a Conservação, o Turismo e a
Governação, servindo o desenvolvimento humano. Isso implica uma estreita
cooperação com os gestores da conservação, os agentes económicos e as
comunidades, sempre ao serviço dos seus interesses que necessariamente
são comuns. Infelizmente há sempre quem prefira pescar em águas turvas
com obscuros desígnios.
A
Reserva do Niassa é um desses lugares onde os conflitos entre os de má
fé e os outros estão constantemente a importunar as nossas consciências.
Como amiga da Reserva do Niassa procuro actualizar a minha informação
sobre a sua situação particular e acedo a uma série de documentos
nomeadamente um relatório da última contagem aérea de animais levado a
cabo pela Sociedade de Gestão da Reserva do Niassa entre Setembro e
Outubro do ano passado. Apesar de todas as ameaças que rondam
insidiosamente sobre uma das mais interessantes áreas de conservação da
biodiversidade no mundo, os números obtidos pela contagem são
animadores. Citando o relatório, “os resultados mostram um aumento
significativo geral na maioria das espécies individuais desde 1998. A
estimativa dos elefantes aumentou embora se tenha mantido estável nos
últimos 3 anos. Nenhuma das espécies mostra declínio.
A ilegalidade à solta
Mas...as
ameaças não estão afastadas, muito pelo contrário, como pude ver
noutros documentos. O mesmo relatório constata que “aumentaram os
indícios de actividades ilegais, incluindo a colocação de armadilhas, o
abate de madeira e a caça ilegal de elefantes.” Noutro documento lê-se
que “Em 2009 ocorreu um aumento significativo das actividades de caça
furtiva. A caça furtiva aos elefantes na zona Leste da Reserva registou
um grande aumento, tendo-se registado um maior impacto na área de
Naulala...”
Toda esta actividade inusitada que recrudesceu em 2009, é ligada pelos especialistas ao comércio ilegal especialmente do marfim.
Têm
vindo a ser publicadas notícias que atestam isto mesmo. É por isso que o
assassinato de Gilberto Vicente, ganha contornos de “crime encomendado”
e ele bem pode ser visto como o primeiro mártir da causa da
Conservação. Aliás foi este conservacionista quem, em 2008, iniciou a
campanha de fiscalização ao abate de árvores em Ngomane, durante o seu
período na Reserva do
Niassa. Será que lhe vai ser feita Justiça?
A
venda de marfim é banida através do organismo internacional que regula o
comércio de espécies em extinção, CITES, e as excepções obedecem a
regulamentos muito estritos. Entretanto por causa da escassez do produto
o marfim aumentou de preço nos circuitos ilegais e criminosos – pode
mesmo falar-se em redes de crime organizado – e daí o aumento da caça
furtiva nas zonas de conservação.
Uma
das vantagens da Reserva do Niassa que opera com limitados orçamentos
é, além da pequena mas excelente equipa profissional de trabalho no
terreno, as boas relações de cooperação com os operadores turísticos da
RN. As concessões para Turismo foram aliás introduzidas para remediar os
limitados orçamentos. A partir de 2008 foi concentrado um grande
esforço na prevenção de situações do chamado “conflito homem-animal”
através de um sistema mais eficiente de aviso e resposta. Nas suas áreas
limítrofes, os operadores colaboram com patrulhas de rotina, com
presença permanente nas áreas afectadas pelas tentativas de mineração
ilegal, no patrulhamento de áreas mais vulneráveis à caça furtiva de
elefantes, apoio com avionetas e veículos todo-o-terreno pertencentes
aos operadores, colaboração estreita com os fiscais da RN, visando não
apenas a caça furtiva mas também o derrube ilegal da floresta para roubo
de madeira.
Não
admira portanto que se verifiquem agora ameaças, e por vezes
concretização de ameaças, à integridade física e à vida de operadores
turísticos na área da Reserva do Niassa. Por causa disso já se
registaram cancelamentos de safaris e teme-se pelo futuro do Turismo no
Niassa. A Reserva não precisa de publicidade, a informação sobre as suas
extraordinárias características circula entre os conhecedores a nível
internacional sem investimentos especiais de divulgação, nem do país nem
da própria Reserva do Niassa.
Mas
quem faz essas ameaças? Aparentemente são elementos das comunidades
residentes dentro da Reserva. Quem os instiga? Tudo indica que são os
interesses investidos por madeireiros ilegais, traficantes de marfim,
garimpeiros e toda a casta de perseguidores do dinheiro sujo de sangue,
nacionais e estrangeiros, vindos de países exóticos e de países
vizinhos.
Regularmente
são confiscadas armas de fogo ilegais e são retiradas armadilhas. O
aumento destas armadilhas em 2009 foi preocupante: de 196 armadilhas
retiradas em 2007, de um pouco menos em 2008, há agora registo de uma
subida enorme em 2009 para cerca de 900 armadilhas neutralizadas. Mas
também se registou grande aumento na presença de armas de fogo ilegais.
*N A: Criticas e achegas para mtorcato@tdm.co.mz
SAVANA – 10.09.2010
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