No âmbito da sua visita a França, João Lourenço deu uma entrevista à Radio France Internationale.
A entrevista não tem história, não tem nenhum resultado especial. Mostra, sobretudo, um presidente a caminhar para a pomposidade e muito consciente da sua importância.
No entanto, há três detalhes que causam alguma perplexidade e convidam a reflexão.
O primeiro detalhe é sobre detalhes… Quando questionado sobre o acordo agrícola acabado de assinar com a República Francesa, João Lourenço não sabia do que se tratava. Ignorava o que tinha assinado e respondeu com petulância: “Sabe que ao nosso nível de chefes de Estado nós procuramos sempre fugir ao detalhe.”
Contudo, já a propósito das compras para a Defesa Nacional, Lourenço estava consciente dos detalhes, tendo explicado muito claramente os aviões, helicópteros e navios que tinha ou pretendia comprar.
Isto demonstra que João Lourenço despreza a agricultura. Faz mal, uma vez que a agricultura é bem mais importante para o futuro de Angola do que os aviões e navios de guerra. A sustentabilidade de qualquer crescimento económico, em países da dimensão de Angola, assenta num sector agrícola produtivo e rico. Não vale a pena lembrar que a Revolução Industrial inglesa – motor de arranque da riqueza do Ocidente – partiu de uma revolução agrícola.
E quanto aos detalhes, um presidente da República com os poderes e as responsabilidades oferecidas pela Constituição angolana tem de saber do que fala e conhecer os detalhes, caso contrário apõe a sua assinatura em tudo o que lhe aparece à frente, tornando-se um instrumento da corte que o rodeia.
O segundo aspecto que causou surpresa refere-se ao julgamento de Rafael Marques. Quando questionado sobre esse julgamento, respondeu novamente com sobranceria: “Se um cidadão processa outro cidadão, é violação de direitos humanos?”
Alguém informou mal o presidente. Na realidade, no julgamento de Rafael Marques, o importante não é a acusação particular de João Maria de Sousa, é a acusação pública do Ministério Público, que quer condenar Rafael por três crimes: um de ultraje a órgão de soberania; outro de crime contra a segurança do Estado; outro ainda de injúrias contra as autoridades públicas. Aliás, vê-se pela epígrafe criminal que estes crimes se referem a assuntos de Estado – “órgãos de soberania”, “segurança do Estado”, ”autoridades públicas” – e não a questões entre cidadãos. Portanto, reduzir o julgamento a um processo de um cidadão contra outro é estultícia ou manha.
A dupla linguagem e a falsificação da realidade que acompanharam o consulado de José Eduardo dos Santos continuam a acompanhar João Lourenço – agora, reconheça-se, com uma face mais bonacheirona.
O último ponto diz respeito às investigações judiciais. João Lourenço parece enfatizar a investigação referente ao Fundo Soberano e desvalorizar a Sonangol. Ouçamo-lo:
“Quer um caso, quer outro, da Sonangol e talvez mais o do Fundo Soberano, como sabem, está na justiça e a partir daí o assunto está entregue à justiça.”
Não se percebe a desvalorização aparente do caso Sonangol. Todos ainda se lembram da conferência de imprensa feita por Carlos Saturnino em Fevereiro deste ano. O amontoado de acusações a Isabel dos Santos e sua equipa era interminável. Depois disso, e das reacções vigorosas de Isabel dos Santos, fez-se silêncio. Há investigação ou não? É que, se não há investigação, então deve existir um processo-crime contra Carlos Saturnino por injúrias, difamação, etc. Ele não pode ter dito o que disse e nada ocorrer. A não ser que se tenha decidido fazer um pacto de silêncio a propósito da Sonangol.
O que se sabe recentemente da Sonangol é pouco. O barril de petróleo aumentou, por isso a Sonangol deve ter mais dinheiro, embora também tenha anunciado a intenção de obter avultados empréstimos. E Manuel Vicente apareceu, estranhamente, a ladear Saturnino numas reuniões da empresa. Convinha que João Lourenço explicasse melhor o que se passa na Sonangol.
Em resumo, tivemos uma entrevista que foi importante pelos detalhes, mas que não adiantou muito.
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