MÁRIO CENTENO
Quem se mete com o PS
Não espanta que o dr. Costa achasse o episódio do dr. Centeno “ridículo”, como não espanta a inquietação dos avençados do regime, a começar pelos que sobrevivem no futuro semanário Diário de Notícias.
Por falta de informação e de interesse, não comento a trapalhada judicial que envolve o presidente de um clube da bola, um membro do prestigiado clã Rangel e célebres personalidades de que nunca ouvi falar. Prefiro comentar as ligações que, pelo menos durante uns dias, ligaram de forma tangencial o dr. Centeno à trapalhada, e o escândalo que isso suscitou.
Eis os factos: o dr. Centeno pediu ao Benfica bilhetes de futebol para ele e para o filho. Eis as suspeitas: o favor seria uma gratificação por favores recíprocos e ilícitos. O Ministério Público abriu um inquérito que, entretanto, fechou. Mas pelo meio, de archotes ao alto, irromperam multidões ofendidas com uma Justiça tão iníqua que chega a desconfiar de um homem digno. De passagem, convém lembrar que o homem digno é o mesmo que levou um cachecol da selecção nacional para uma reunião em Bruxelas, que mantém relações políticas e pessoais com gente seríssima e que, à vaga aproximação de uma maçada, costuma mentir o necessário para escapar airosamente. Perante isto, as reacções não espantam.
Não espanta, desde logo, que o dr. Costa achasse o episódio “ridículo” e jurasse que “em circunstância alguma” o dr. Centeno sairia do governo. Somos assim informados de que, ainda que o dr. Centeno ceda a um amigalhaço o controlo do território marítimo português ou atropele deliberada e comprovadamente três velhinhas, o emprego dele está garantido. O PS não pactua com a precaridade laboral.
Não espanta a inquietação dos avençados do regime, a começar pelos que sobrevivem no futuro semanário “Diário de Notícias”. Mas, como é habitual em democratas, existiram divergências de fundo. Uns acharam que colocar a simples possibilidade de o dr. Centeno vender a honra por um par de lugares no camarote da Luz mostra que a Justiça é “burra”. Outros garantiram que a Justiça é “estúpida”. Na televisão onde disserta, o interessante comentador José Miguel Júdice intitulou o caso “uma estupidez sem nome”.
E não espanta a fúria do PS, que lançou sobre a investigação todos as maldições acima e mais algumas. Não espanta a aflição do actual “PSD”, que se aliou ao PS, ao PCP e ao BE e mandou Paulo Rangel à Europa certificar-se de que a “imagem” do país e do ministro não arriscavam abalos. Não espanta a revolta dos peritos, os estudiosos da bola que desfilam em programas da especialidade e que correram a chamar coisas feias aos que, em péssima hora, ousaram duvidar da verticalidade do dr. Centeno. Por fim, não espanta o desassossego dos benfiquistas fiéis, embora aqui menos por amor às Finanças do que ao clube.
Na verdade, nada espanta. Por falta de provas ou de substância, o processo em questão morreu depressa. Se não tivesse morrido, o gemido dos defensores oficiosos do dr. Centeno haveria de prolongar-se por semanas ou meses ou o tempo suficiente para que a PGR caísse em mãos amigas. Não é de hoje que os socialistas gozam de vasta impunidade, e que cada beliscão a tão honestas almas constitui uma “cabala” destinada a punir o Bem. Hoje sucede apenas que a capacidade de farejar “cabalas” é maior, e que a capacidade de as demolir “a priori” é omnipotente. Pé ante pé, a impunidade tende para o absoluto. Aos poucos, Joana Marques Vidal e respectivos colaboradores tornam-se corpos estranhos neste regime de sentido e pensamento únicos. A lei da natureza prevê que, cedo ou tarde, sejam expurgados. E a lei que restar não será habitável.
Notas de rodapé
1. Pelos vistos, não bastava um governo que, em prol da nossa saúde, proíbe ou condiciona dois terços da cadeia alimentar. Também a oposição está empenhada em ajudar-nos a escolher aquilo que comemos, contanto que aquilo que comemos não seja escolha nossa. “Oposição”, no contexto, é força de expressão. Falo do senhor do PAN, que assinou na “Sábado” uma crónica a decretar o leite – segurem-se bem – “um dos maiores embustes do século XX”.
O senhor do PAN, que não faz as coisas por menos, podia optar pela denúncia do comunismo. Ou dos nacionalismos. Ou dos concertos de beneficência. Ou dos partidos criados para entreter maluquinhos. Mas não: o alvo do senhor do PAN é o leite. Porquê? Porque, se percebi correctamente, as vaquinhas, à semelhança das estrelas de Hollywood, são vítimas de violação ou assim. Há, porém, a hipótese de eu não ter percebido nada, já que o senhor do PAN faz jus à identificação com os bichos e escreve pouco melhor do que a minha cadela Falcatrua. Em qualquer dos casos, fica decidido que, cito, “um cidadão informado não bebe leite”. Se, depois do aviso, você beber tamanha mistela, você é um imbecil, um patego e o único animal de que o PAN não gosta.
Para não dar a impressão de que o senhor do PAN só se excita com proibições, admito que, há quinze dias, a criatura rabiscara um texto a defender a liberalização da canábis – para fins medicinais, que como se sabe é o principal objectivo do “pothead” médio. Ou seja, se trocarmos o cappuccino pela erva, a probabilidade de ficarmos iguais ao senhor do PAN aumenta exponencialmente. Sei de muita gente que vai rever prioridades – e investir na Agros.
2. Como é próprio das crianças imitar as celebridades do cinema e da televisão, não admira que, aos poucos, os portugueses comecem a confessar o assédio sexual de que foram alvo. Esta semana, três ou quatro figuras públicas que não conheço ou conheço mal, tocaram corajosamente no assunto (embora, sempre corajosamente, não referissem nomes). Aproveito o embalo para confessar que cresci em Matosinhos, onde, ao tempo da minha adolescência, as empregadas das inúmeras conserveiras ocupavam a pausa de almoço com piropos indecentíssimos aos rapazes que passavam. Até os mais suaves avanços são irreproduzíveis aqui. Basta dizer que sofri muito, e que sinto um enorme alívio ao partilhar o sofrimento. Também gostava de ver outras vítimas saírem à rua a denunciar as pervertidas em causa. Mas as fábricas fecharam há anos e na rua já as pervertidas estão. À cautela, proteste-se em casa. #MeToo, meus caros. #MeToo.
DIAP de Lisboa ilibou Mário Centeno de suspeitas de três crimes
Corrupção, tráfico de influência e recebimento indevido de vantagem foram os crimes que estiveram na origem da investigação ao ministro das Finanças. Autos foram arquivados por falta de indícios.
Foi um arquivamento em tempo recorde porque os factos que estiveram na origem da investigação também eram simples. Afinal, os indícios tinham única e exclusivamente a ver com uma solicitação de bilhetes por parte do gabinete de Mário Centeno para que o ministro das Finanças visse o Benfica – FC Porto no dia 1 de abril do ano passado e uma alegada influência de Centeno numa isenção de IMI obtida por uma empresa do filho de Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica. E as conclusões da 9.ª Secção do DIAP de Lisboa não podiam ser mais claras: não foi recolhido qualquer indício de que o recém eleito presidente do Eurogrupo tenha cometido os ilícitos criminais que estavam sob investigação e os autos foram simplesmente arquivados cinco dias depois das mediáticas buscas ao gabinete de Mário Centeno.
O ministro das Finanças nem chegou a ser ouvido pelo procurador-adjunto titular dos autos, por tal se afigurar um ato inútil. “Não se procedeu à audição do ministro das Finanças, considerando os princípios da intervenção mínima subjacentes ao Direito Penal” decorrentes do Código Processo Civil que, de acordo com o Código de Processo Penal, prevê que “não é lícito realizar no processo atos inúteis”, cita o procurador Pedro Roque no despacho de arquivamento consultado pelo Observador.
Ao que o Observador apurou, a procuradora-geral Joana Marques Vidal acompanhou esta situação de perto e defendeu uma decisão célere, tendo em conta que se tratava de uma matéria que não era complexa de analisar.
As razões para o arquivamento
De acordo com o despacho de arquivamento, o ministro das Finanças foi investigado por suspeitas da prática de três crimes: corrupção passiva, tráfico de influências e recebimento indevido de vantagem.
Estavam em causa neste inquérito, recorde-se, dois factos:
- uma solicitação de bilhetes para Mário Centeno e o filho assistirem ao jogo Benfica – FC Porto na tribuna presidencial, endereçada no dia 17 de março de 2017 pelo adjunto André Monteiro a Ana Zagalo, funcionária do Benfica; e a presença do ministro das Finanças na tribuna presidencial do clube liderado por Luís Filipe Vieira;
- uma isenção de IMI concedida no dia 24 de março de 2017 pela Câmara de Lisboa a um prédio propriedade da empresa Realitatis liderada por Sara Vieira e pelo seu irmão Tiago, filhos do presidente do Benfica.
De acordo com o despacho de arquivamento, 0 procurador Pedro Roque entendeu que não existia nenhum indício da prática de nenhum dos crimes sob suspeita por parte de Mário Centeno pelas seguintes razões:
- Centeno não teve qualquer influência no processo do IMI, sendo que este processo administrativo era da competência da Câmara de Lisboa; teve uma tramitação perfeitamente normal e a decisão verificou-se antes de os bilhetes serem solicitados. O MP procurou nas caixas de correio eletrónicas de diversos adjuntos do Ministério das Finanças alguma alusão a comunicações com Tiago Vieira ou que mencionassem o nome da empresa Realitatis – Investimentos Imobiliários, Lda. Aliás, Tiago Vieira queixou-se ao vereador das Finanças da Câmara de Lisboa por email com razão: o processo esteve parado entre 2 de dezembro de 2016 e 3 de março de 2017.
- Por outro lado, a solicitação dos bilhetes parte do gabinete do ministro das Finanças foi justificada. Estavam em causa a segurança de Mário Centeno e o Gabinete de Segurança Pessoal que o acompanha já tinha mostrado essa preocupação. Este facto foi testemunhado pelo responsável pela segurança de Centeno, Nelson Couteiro. Este segurança também afirmou que nunca ouviu alguma conversa entre Centeno e os responsáveis do Benfica durante os jogos que o ministro das Finanças presenciou sobre o processo do IMI.
Só estas duas razões fizeram com que as suspeitas dos crimes de corrupção e de tráfico de influências tivesse ‘caído’.
Restavam as suspeitas do crime indevido de vantagem. Mas também aqui o Ministério Público entendeu que não existia qualquer indício de ilícito criminal. Tudo porque o convite que foi solicitado pelo gabinete de Centeno ao Benfica mostrava-se justificado pelas referidas razões de segurança e o mesmo não foi comercializado.
“Com efeito, não se vislumbram motivos para colocar em crise a afirmação das testemunhas ouvidas (com particular relevo para Nelson Couteiro, que não tem dependência laboral para com o ministro) de que a solicitação de bilhetes para a tribunal presidencial teve como motivação, não a possibilidade de assistir gratuitamente a um ‘clássico’ do futebol nacional, em condições de elevado conforto, mas assegurar um contexto de segurança que permitisse ao ministro ponderar assistir a tal jogo”, lê-se no despacho de arquivamento.
Este cuidado com a segurança de Mário Centeno foi considerado fundado pelo procurador Pedro Roque, “atenta a pública e notória animosidade existente entre os adeptos das duas equipas e a circunstância de se tratar de espaço com capacidade para 65 mil pessoas”. Aliás, Centeno já tinha assistido a dois jogos do Benfica, mas o despacho não especifica em que lugar do Estádio da Luz: o Benfica-Bayern Munique a contar para a Liga dos Campeões, que se realizou a 13 de abril de 2016, e o Benfica-Nacional em maio de 2016 a contar para a I Liga.
Assim, as conclusões do MP foram simples:
- “Não tendo ficado indiciada qualquer intervenção do ministro das Finanças, direta ou indireta, no andamento/desfecho do processo [tráfico de influências] ou qualquer pedido nesse sentido por parte de qualquer dos interessados no aí decidido [corrupção], conclui-se que tais tipos criminais não se mostram verificados”, lê-se no despacho de arquivamento;
- Apesar de concluir que os convites têm “uma natureza indevida de vantagem”, uma vez que “não há fundamento – nomeadamente, o pagamento de um preço ou uma prerrogativa legalmente consagrada – para que tais convites fossem endereçados ao ministro e ao seu filho”, o DIAP de Lisboa entende que a aceitação do convite representa uma prática “socialmente adequadas e conforme aos usos e costumes” – requisitos da lei que fazem que a vantagem obtida seja legal e não indevida;
- E porque razão são “socialmente adequadas e conforme aos usos e costumes”? Porque Mário Centeno é, enquanto ministro das Finanças, um “alto titular de cargo político”, ocupa um cargo que ganhou cada vez mais importância desde a crise económica de 2008” e “já vinha gozando de crescente projeção na cena internacional – a qual veio a culminar com a sua eleição “como presidente do Eurogrupo”. Isto é, o “desempenho de tais funções gera um conjunto de direitos e deveres que a comunidade já identifica e reconhece, em sedes várias, como legítimas”. O que explica o estatuto diferenciado em sede legislativa e jurisprudencial. Assim sendo, é perfeitamente justificado que Mário Centeno, “pretendendo legitimamente assistir a evento desportivo em contexto de elevado riso, aceite a única solução que oferece garantias de segurança consideradas adequadas pelo seu Corpo de Segurança Pessoal”.
Juízes Rui Rangel e Fátima Galante estão suspensos
Os desembargadores arguidos na Operação Lex estão suspensos preventivamente de funções pelo Conselho Superior de Magistratura
O Conselho Superior da Magistratura (CSM) veio anunciar, em comunicado, a suspensão preventiva dos desembargadores Rui Rangel e Fátima Galante, suspeitos de tráfico de influências e corrupção, entre outros crimes, no processo Operação Lex, por se indiciar, "em ambos os casos, uma muito grave, dolosa e reiterada violação dos deveres profissionais a que se encontram adstritos os magistrados judiciais, suscetível de se repercutir na sua vida pública de forma incompatível com a credibilidade, prestígio e dignidade indispensáveis ao respetivo exercício funcional".
A decisão surge três dias depois de os dois juízes terem sido constituídos arguidos porque o CSM esteve à espera até hoje da comunicação oficial do Ministério Público para o fazer.
"Na sequência da solicitação oportunamente efetuada pelo Conselho Superior da Magistratura, foi hoje, dia 02.02.2018, recebida uma certidão emanada dos Serviços do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, relativa a um inquérito criminal, certidão da qual decorre que se encontra indiciada a prática por dois Juízes Desembargadores - que foram constituídos arguidos - de crimes de corrupção/recebimento indevido de vantagens, de branqueamento, de tráfico de influência e de fraude fiscal".
Em consequência, "e depois de ouvidos todos os membros do Conselho, mais foi determinado, por despacho de hoje do Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, suspender preventivamente os mencionados Juízes Desembargadores arguidos, com execução imediata, por imperativo de relevante interesse público".
O despacho vai ser submetido a plenário do CS no próximo dia 6, para ratificação.