segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Galos e o sol

Picardia Macamo - Tibana em torno da gatunagem desmascarada e episódios da novela...
Galos e o sol
Por Elisio Macamo
Há galos, disse uma vez Theodor Fontane, um grande escritor alemão, que devem acreditar que o sol se levanta por sua causa. Esta citação ocorreu-me a propósito dum curto comunicado emitido pelo representante do FMI em Moçambique em reacção a um comunicado da Procuradoria Geral da República apelando para a responsabilização das pessoas envolvidas nas “dívidas ocultas” e informando sobre o encaminhamento do caso ao Tribunal Administrativo.
Antes de prosseguir: O comunicado da PGR é uma vergonha linguística, institucional e política. Primeiro, a pontuação e o encadeamento de ideias são horríveis, sobretudo quando se sabe que quem escreveu o comunicado (ou pelo menos quem o devia ter escrito) é uma pessoa formada em direito, logo, com a obrigação de ser exacta e correcta no uso da língua oficial do país. Segundo, uma instituição soberana como é a PGR não devia nunca aceitar trabalhar à reboque de seja quem for, quer se trate de políticos nacionais ou Samaritanos externos. O comunicado não foi escrito com convicção e mostra claramente que se trata duma tentativa de agradar a alguém (de fora). Finalmente, é um desastre político, pois abdica da sua responsabilidade de defender o país ao aceitar ser instrumentalizada por actores externos.
A futilidade do comunicado tornou-se logo clara com a reacção ingrata do FMI. Seca, lacónica e soberba. O FMI saúda o passo, mas adverte que só ficará completamente satisfeito quando as empresas tiverem facultado todas as informações que a Kroll não foi capaz de juntar. Exige essa informação. Há aqui uma perversão do sentido de justiça que só aqueles moçambicanos que, por razões apenas por eles conhecidas se juntam ao show de falsa indignação dos doadores, não são capazes de entender. O tipo de “justiça” que o FMI exige é, na verdade, uma espécie de ajuste de contas entre os moçambicanos só pelo simples prazer de demonstrar força e poder. Como uma vez me confidenciou um oficial dos serviços alemães de inteligência, segredo é o que os serviços de inteligência escondem ao público, pois entre eles sabem de tudo e passam as informações para os seus governos.
O FMI, com a sua directora geral francesa, a Christine Lagarde, é a última instituição no mundo que pode falar indignada de “dívidas ocultas”. O acto de lançamento das obras para as 30 embarcações em Cherbough, na França, em 2013, contou com a presença do Presidente francês, François Hollande, e do filho cada vez menos querido da Pérola do Índico, Armando Guebuza. Insistir que não sabiam de nada é, para mim, uma declaração de incompetência por parte do FMI, pois como bons banqueiros que são, deviam ter procurado saber como esse negócio estava a ser financiado. Claro que sabiam, são comparsas esses!
A perversão da justiça reside no facto de o FMI fazer chantagem sobre as instituições nacionais para fazerem o que ela quer como condição para a normalização das relações. A Kroll não obteve as informações que queria porque certos indivíduos se recusaram a falar. O que o FMI efectivamente está a dizer é que se for necessário torturar essas pessoas até falarem, tudo bem, desde que falem. Pode parecer que eu esteja a exagerar.
Mas é assim, a vontade de ver um problema resolvido não se revela apenas pela implacabilidade na obtenção de informação em falta. Revela-se também na forma como uma instituição reconhece problemas na maneira como as coisas são feitas e recomenda a sua abordagem, algo que o comunicado da PGR faz, ainda que mal, quando aponta para fragilidades na Lei da Probidade, nos regulamentos sobre emissão de avales do Estado, etc.
Quererá o FMI dizer que se os indivíduos das primeiras letras do alfabeto nunca aceitarem falar, ou por um acidente colectivo (pode ser num Chapa) irem desta para melhor, as relações entre o FMI e Moçambique nunca serão normalizadas? E que tal se se apurar, como me parece mais provável, que apenas se tratou dum negócio que parecia bom, mas na realidade não era, e que nenhum dos visados tirou benefício material próprio suficientemente significativo para explicar os montantes em falta? E aí? O FMI vai insistir em ter bôdes expiatórios para alimentar a arrogância dos burocratas nas suas fileiras, esses que actuam com a impunidade de quem não deve explicações a eleitores?
É claro que eu sou suspeito para escrever estas linhas. Continuo fã dum dos indivíduos das letras do alfabeto apesar de ele ter deixado o poder sem me nomear Governador de Gaza. E tenho pouca paciência com a burocracia internacional, esse antro do poder sem responsabilidade. Mas a questão que volta a colocar-se é o que nós precisamos de fazer para nos vermos livres deste pessoal que só compromete a nossa viabilidade como país.
É como dizia Groucho Marx, o grande comediante americano: Ele nunca se juntaria a um clube que estivesse disposto a aceitar uma pessoa como ele como membro. É esta, na verdade, a atitude que devemos ter com clubes como o FMI. Queremos estar longe deles. Devia ser possível introduzir uma norma internacional que desse a países como os nossos o direito de processar estas instituições por má assessoria. Só com essa cláusula é que iria acabar a arrogância desse pessoal. Desde 1987 que andam aí a tentar nos desenvolver. A culpa não pode ser só nossa.
A PGR perdeu, infelizmente, uma oportunidade de se posicionar claramente em relação a este assunto. É claro que ela tem a obrigação de investigar e processar toda a acção criminosa, incluindo neste caso. Mas não o devia fazer para satisfazer o FMI. Deve o fazer pela obrigação que ela tem de fazer respeitar a legalidade no país. E legalidade não é ajuste de contas, nem lavagem de imagem. É também o reconhecimento dos constrangimentos dentro dos quais fazemos política. Justiça é também melhorar o que nos impediu de prevenir crimes. E seguir em frente. Quanto mais penso no assunto, mais sou de opinião que a PGR devia ter a coragem de mandar passear o FMI. Eu até me ofereceria para escrever o próximo comunicado.
Nós não existimos para o FMI fazer o seu
trabalho. O FMI faz o seu trabalho porque nós existimos. Mais ou menos a mesma coisa com o galo e o sol...
Por: Elísio Macamo, in FB
Caro Professor Elísio Macamo...
Resposta de Roberto Tibana
...Existe uma responsabilidade muito grande dos “iluminados” como o Professor em ajudar os menos iluminados. O seu texto foi na direção contrária. Eu não sou jurista (como entendo que o Professor Elísio Macamo não o é), e por consequência, quando pretendo escrever algo que roça jurisprudência, tomo muito cuidado de primeiro fazer a minha própria pesquisa da matéria jurídica relevante, e depois, se ainda julgar necessário para minimize os riscos de erros crassos, consultar quem entende da matéria. Isso é um dever, e uma obrigação minha como intelectual, para com a sociedade e para com as pessoas que depositam confiança em mim e me seguem nas minhas opiniões. Procuro evitar usar dessa minha faculdade para enganar as pessoas, deliberadamente ou não. Muito menos embandeirar em populismos. A sua posição de PROFESOR não lhe autoriza a fazer isso. Isto para introduzir. E para a introdução não ser mais longa que a matéria concreta, vamos a ela:
1. O meu amigo Professor Elísio Macamo diz que a PGR é soberana e politicam-te independente. Concretamente, diz o seguinte (ecito): “… uma instituição soberana como é a PGR não devia nunca aceitar trabalhar à reboque de seja quem for, quer se trate de políticos nacionais ou Samaritanos externos.” Falso! Sabe o que significa ser soberano, tanto em linguagem comum como em linguagem estritamente legal ou jurídica. Ora bem: primeiro, a PGR, do ponto de vista jurídico, não é soberana nem é um órgão de soberania. Pela Constituição da República de Moçambique (CRM) “1. A soberania reside no povo” (Artigo 2 - Soberania e Legalidade), e existem cinco órgãos de soberania nomeadamente: Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo, os tribunais e o Conselho Constitucional (Artigo 133 da CRM). A PGR não é nenhum deles. Segundo, a PGR é uma extensão das vontades políticas e administrativas do Presidente da República. Pela CRM o Presidente da República nomeia, exonera, e demite o (a) Procurador(a) Geral da República, sem opinião ou qualquer outro tipo de interferência legal de qualquer outro dos órgãos de soberania (veja o esquema em anexo tudo com fonte na CRM). Assim, a PGR faz o que o Presidente da República lhe manda ou permite fazer. E mais, por defeito e incongruência da nossa CRM, a PGR foi dada a faculdade de interferir e até possivelmente bloquear possíveis acções da Assemblia da República, que pela Constituição da República de Moçambique é um órgão de soberania, portanto constitucionalmente superior a PGR. Isso tudo, para proteger os poderes imperiais que a nossa CRM confere ao Presidente da República (bem como os abusos a esse poder, e a que já assistimos). Sobre isto tudo, escrevi eu duas semanas atrás nesta plataforma Facebook. Pode ir lá ver. Tudo documentado com fontes. E não sou jurista nem consultei nenhum. Felizmente até hoje nenhum jurista apareceu a contrariar ou a fazer notar deficiência de interpretação. Antes pelo contrário.
2. O meu amigo Professor Elísio Macamo sugere que os Procuradores escreveram o texto e o mandaram cá fora sem mostrar aos especialistas de comunicação. Falso! De facto, o que eu creio que aconteceu dever ter sido o contrário. Com efeito, o texto em causa foi emitido e assinado pelo Director (sem nome indicado!) do Gabinete de Comunicação da PGR. Numa de se distanciarem, os procuradores se calhar chamaram os homens de comunicação e lhes deram a tarefa de redigir o comunicado mas depois nem sequer se devem ter dignado a fazer a revisão da congruência linguística e jurídica da coisa. Achei até estranho que o assinante o tenha feito em termos ilegíveis e sem nome dactilografado em baixo da linha. Qual é o problema de um Director de comunicação colocar o seu nome por baixo da sua assinatura num papel timbrado da PGR? Vai ser baleado por isso? Ou é porque ele sabe que está a ser usado como parte de uma cadeia de mentirosos que começa muito mais acima dele e tenta esconder-se? Aquilo até poderia ter sido inventado por um qualquer lá dentro. Desculpe-me a repetição, mas quando eu ainda tinha pretensões académicas e estudei pedagogia universitária (também com professores alemães, não espiões!...) aprendi que a repetição é uma lei da aprendizagem: o texto sobre o qual o Professor Elísio Macamo está a comentar vem em papel timbrado do Gabinete de Comunicação da PGR e com assinatura do respetivo Director. A gravidade disto é que mostra que o Professor Elísio Macamo está a falar de um assunto sobre o qual nem sequer se dignou a documentar-se. Entendo que a sua tirada é contra o FMI. Mas para se contextualizar deveria ter lido o original da matéria sobre a qual está a falar, sobretudo porque depois critica a fonte, sem no entanto ter olhado para ela. Muita pena. Aonde está a responsabilidade social do intelectual e do académico, se as fontes que são pretensamente objeto de análise e comentário são pontapeadas em lugar de escrutinadas rigorosamente? Aquí, permita-me dizer, o Professor falhou redondamente na sua missão.
3. O meu amigo Elíso Macamo pergunta-se (e cito): “….a questão que volta a colocar-se é o que nós precisamos de fazer para nos vermos livres deste pessoal que só compromete a nossa viabilidade como país.”. Muito simples: a mesma coisa que fizeram para se submeterem a eles quando pensaram que eles poderiam viabilizar o pais: peguem no avião, vão lá, paguem lhes todo o dinheiro que lhes devem, e deixem uma carta dizendo que já não querem ser membros. Eles não vos chamaram. Não viram o que o que os Britânicos fizeram quando se fartaram de aturar os burocratas da União Europeia? Façam o mesmo. Vocês foram para lá pedir para entrar. Se acham que eles estão a ser chatos, então é largar. Durante mais de trinta anos andaram lá e até se vangloriaram de serem os melhore reformadores em Africa e no mundo com a ajuda deles, para ganharem as cartas de conforto que permitiram ao mundo inteiro apoiar a reconstrução da economia de Moçambique. E no meio disto tudo, fizeram muita aldrabice. Agora que foram descobertos dizem que os tipos sã chatos. Então saiam pela mesma porta pela qual entraram. Mas antes paguem as dívidas que fizeram com eles, e não as deixem para a gerações futuras.
4. Antes de dizer o que disse, sabia o Professor Elisío Macamo que o FMI está ainda a ser generoso com Moçambique? Vá estudar as cartas fundadoras do FMI. Está tudo disponível publicamente. Pelas cláusulas que o governo de Moçambique violou e pelas sanções normalmente associadas a essas cláusulas (e que o governo conhece muito bem) o FMI já deveria ter exigido que o país devolvesse o dinheiro que eles emprestaram quando desembolsaram a primeira tranche do acordo que o Governo assinou com eles em Dezembro de 2015 quando foi lá outra vez pedir ajuda financeira. Se não o fazem acredito ser porque eles não querem ser acusados (por pessoas como o Profesor) de serem eles que “enforcaram” Moçambique e o seu povo (nossa sorte, senão estaríamos pior do que estamos!). O governo de Moçambique assinou esse acordo sonegando uma informação importante. É como tu ires ao banco pedir emprestado dinheiro e o banqueiro dizer tudo bem, mas diz-me primeiro se deves mais alguém. Quero saber porque preciso de saber da tua capacidade de me pagares. E tu com cara de pau mentires dizendo não, não devo ninguém. Claro que eles investigaram. E quando apanharam os indícios, eles votaram a perguntar-te e tu insististe dizendo que não. Não foi isso que o governo fez? O que farias se fosses o dito banqueiro? O FMI é um clube de governos. Moçambique tem direitos. Se não te dão, vais dizer que estão a discriminar-te. Deram. Mas avisaram: se descobrirmos as provas, conheces a regras, vais ser sancionado. E tu insististe: não, juro que não devo mais ninguém. E no dia seguinte depois de te darem a primeira tranche as provas vêm a público que afinal devias, e várias centenas mais do que eles te emprestaram. E como descobrem? Porque não consegues pagar aos outros e esses outros começam a fazer barulho. Que farias? Os nossos mesmo assim continuaram a negar. Até que os “chatos” disseram basta! E sabe o Professor Elísio que se eles não tivessem feito isso hoje estaríamos nós a pagar sem saber o que estávamos a pagar. Foi graças a esses “chatos” que nós os moçambicanos que estamos aqui dentro deste país a aturar isto ficamos a saber um pouco do que se passava. Infelizmente!
5. Pare terminar, meu amigo Professor Eliso Macamo: O tal das “primeiras letras do alfabeto” de quem permaneces admirador como dizes e por isso que não te dignas a mencionar o nome fez bem em não te nomear Governador de Gaza. Seria mais um mau serviço que ele teria prestado ao Império de Gaza, a acrescentar as dívidas ocultas e ilegais que nos deixou juntamente com as rolhas que ele instalou na PGR antes de se ir embora. O tal que jurou defender e fazer respeitar a Constituição da República de Moçambique, mas que quando chegou a hora de encher a pança dele e dos seu amigos se esqueceu daquele artigo (se bem alguma vez o leu) que diz que “1. Todos os cidadãos têm o dever de respeitar a ordem constitucional; 2. Os actos contrários ao estabelecido na Constituição são sujeitos à sanção nos termos da lei.” (Artigo 38, CRM). Com esse tipo de pensamento e demagogias a coberto da sua bem merecida e prestigiada posição de Professor Universitário (honesta e sinceramente quem o pode negar?), o pessoal de Gaza estaria muito mal entregue.
Há mais no seu post que eu não vou mencionar. Não vale a pena. Mas continuo seu leitor assíduo.”
Roberto Tibana
9 comentários
Comentários
Arnaldo Soares Mendes Yá, conhecimento, como anima! obrigado Dr Tibana por mais uma vez nos "abrir" a mente
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23 h
Issufo Issufo Roberto Julio Tibana Acertou na Muche, ou melhor no Rocketpost estrategicamente dirigido ao Planeta Vermelho.
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23 h
José Nbeua Meu caro Macamo, gostei da sua reflexão, só tem um pequeno detalhe que não aflorou. 
É que o dinheiro do FMI é dos cidadãos contribuintes dos países que lá põem o dinheiro. 
Por isso, acho eu, que têm todo o direito de exigirem todo o esclarecime
nto cabal das coisas. 
Também ha-de convir que sendo o dinheiro deles, emprestam-no a quem se comporte segundo as regras quem impõem.
Se nós queremos dinheiro deles, temos que cumprir as normas, Se não queremos é fazer o que o governo da Felino estás fazendo. Enterrar ainda mais todo o país e os moçambicanos, porque a juros mais caros
Vamos ver ente 2020 e 2022 o que nos vai acontecer! 
Para já 2018 vamos continuar a descer no poço em que nos enfiaram. 
É bom não esquecer que a frelimo cometeu Crimes, ao contrair empréstimos ilegais e que continuam por serem julgados. 
Este governo da frelimo continua obstinado a proteger criminosos.
Podemos dizer e saber que os tipos do FMI não são uns anjinhos, claro que não são, mas não andam aí a promover vigarices!
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15 hEditado
Douglas Harris No comment...
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15 h
Gracio Abdula Sem pretender entrar em análises académicas vou directo a uma realidade nua e crua para todos reflectirmos: Quando emprestas dinheiro a alguém é esse alguém que fica na posição de devedor ou é o contrário?
Parece que os iluminados defendem a tese de qu
e quem fica devedor e obrigado a obedecer regras é o credor...é isso???
Parece que quem empresta o dinheiro é obrigado a prestar vassalagem ao otário a quem emprestou...???
O que toda a África tem que fazer é trabalhar as suas próprias riquezas, decidir sobre o preço das suas matérias primas, serem honestos e sérios, deixarem de andar de mão estendida, andarem de tanga até ganharem dinheiro suficiente para comprarem com dinheiro próprio os fatos costurados no ocidente!!!
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13 hEditado
Ismael C. Gocaldas Resposta a altura.
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13 h
Júlio Massango Há uma clarividência na exposição do Dr. Tibana de que a posição do governo de Moçambique nao difere com a de um vigarista que pede ajuda, é lhe dada sob certas condições e no momento da devolução evoca uma serie de conandos supostamente legais para não cumprir com as obrigações e descobrimos ainda que afinal somos soberanos visto que ... bla bla bla, etc. etc.
O que é devido deve ser pago e se mau uso tiver sido feito do dinheiro que os autores sejam responsabilizados. Desculpem- me imiscuir em temas de academia mas, vigarice NAO!

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