Lê-se do documento assinado pelo chefe dos serviços administrativos da Barragem dos Pequenos Libombos, da Unidade de Gestão da Bacia do Umbeluzi (acautelo o engano) que, por sua vez, está sob tutela da Administração Regional de Águas do Sul – ARA-Sul, passo fielmente a citar, o seguinte:
«CONVOCATÓRIA:
Convoca-se a todos trabalhadores desta Unidade de Gestão, a participarem numa oração a ser orientada pelo Dom Dinis Sengulane, amanhã dia 17 de Janeiro pelas 13:30Horas, no espaço dos escritórios. Apela-se a participação e pontualidade de todos. Barragem dos Pequenos Libombos, aos 16 de Janeiro de 2017 (…)»
- Fim da citação! -
1. Ora desta convocatória algo me espicaça o entendimento. É para mim difícil conceber que uma instituição pública (ainda que fosse privada) redija uma convocatória (sim, isso mesmo, uma CONVOCATÓRIA) aos seus funcionários para que participem de um momento de oração nas suas instalações.*
2. Segundo se pode ler do documento, a mesma oração será encabeçada pelo Dom Dinis Sengulane que, conforme é sabido, é membro fiel da Igreja Anglicana. Lê-se, ainda que, que é dever de todos trabalhadores participarem daquela oração (dir-se-ia, culto) e se fazer com pontualidade ao lugar eleito para o evento.
3. Prezados, se convocatória tiver força vinculativa, isto é, OBRIGATÓRIA, estamos perante uma FLAGRANTE VIOLAÇÃO ao PRINCÍPIO DA LAICIDADE bem como à LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA, DE RELIGIÃO E DE CULTO respectivamente consagrados nos artigos 12 e 54, todos da Constituição da República.
4. Sendo a ARA-Sul uma instituição pública, tutelada pelo Ministério das Obras Públicas e Habitação através da Direcção Nacional de Águas é inconcebível que queira obrigar os seus funcionários a participarem da reunião em voga, visto que desrespeita em pleno os números 1 e 2 do artigo 12 e os números 1 e 5 do artigo 54 da CRM.
5. «A REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE É UM ESTADO LAICO» - diz o número 1 do artigo 12. De seguida, remata o número 2 do mesmo artigo que: «A LAICIDADE ASSENTA NA SEPARAÇÃO ENTRE O ESTADO E AS CONFISSÕES RELIGIOSAS». A eleição de Dom Dinis (fiel da religião cristã) parecer ser da preferência de quem o convidara.
6. E, doutrinariamente, o direito de praticar ou não uma religião é um Direito Fundamental da 1ª geração, sobre o qual o Estado tem uma posição negativa. O Estado não pode obrigar e nem impedir que os seus cidadãos pratiquem determinada religião, desde que se conforme as leis daquele, e no caso moçambicano também é assim.
7. Assim, sendo a ARA-Sul uma entidade pública que desempenha as suas funções em nome do Estado moçambicano, nota-se desde logo, que a sua pretensão em convocar (entenda-se obrigar) os funcionários da Unidade de Umbeluzi a participarem de uma oração religiosa é não-concebível.
8. Mais adiante diz o número 1 do artigo 54 que: «OS CIDADÃOS GOZAM DA LIBERDADE DE PRATICAR OU DE NÃO PRATICAR UMA RELIGIÃO». Deste modo, é inconcebível que os funcionários que não pratiquem qualquer religião possam ser obrigados a aderir a uma oração que, por ser dirigida por um cristão, baseia-se em doutrinas cristãs.
9. Do exposto no ponto anterior, entendemos que se viola a liberdade dos funcionários da Unidade de Umbeluzi de não praticarem qualquer religião, ainda que seja a título implícito. Afinal, uma oração para poder ter os efeitos desejados necessita que os seus aderentes tenham fé no Ser Transcendental que solicitam o pedido.
10. Assim, fica claro que os demais funcionários obrigados a participar da reunião sem serem nem cristãos nem mesmo fiéis de qualquer outra religião, apenas irão levar seus corpos para o local e não serão membros activos da oração, o que contraria em pleno aos verdadeiros propósitos da oração.
11. Diz o número 5 do artigo 54 que: «É GARANTIDO O DIREITO À OBJECÇÃO DE CONSCIÊNCIA NOS TERMOS DA LEI». Aqui fica mais claro que *ninguém poderá ser obrigado a reconhecer, conceber ou volver a sua atenção à certas doutrinas ou cultos de qualquer religião ou forma de manifestação religiosa.
12. Portanto, a ser verdade que os funcionários da Unidade de Gestão de Umbeluzi estão a ser convocados para aquele evento, sendo sua presença de cunho obrigatório, então a empresa em voga estará a desrespeitar aos princípios constitucionais, fazendo aproveitamento do “TEMOR REVERENCIAL” por parte de seus funcionários.
13. Finalmente gostava de apelar aos titulares dos cargos de chefia e de direcção (pessoal dirigente) ou mesmo agentes políticos que não misturem as suas crenças com o funcionamento das instituições públicas que trabalham. Afinal, quando o legislador constitucional consagrou o princípio da laicidade e normas afins, era mesmo para evitar situações como estas.
14. Nenhum trabalhador, em nome do TEMOR REVERENCIAL, deve ser obrigado a participar de um culto religioso na instituição que trabalha, seja ela pública como privada. Entre os funcionários há ateus, cristãos, muçulmanos, budistas, etc., sendo necessário respeitar a sua consciência religiosa.
Atenciosamente,
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