A força das circunstâncias é capaz de transformar anões em gigantes
José Eduardo Agualusa
Armando Guebuza é uma figura que dispensa quaisquer apresentações, afinal ter sido Chefe do Estado por uma década e combatente da luta armada de libertação nacional são pretextos suficientes para impedir o seu anonimato. No entanto, há nesse ser existencial entidades que, arriscamos, poucos dos anos 90 em diante conhecem. Também por isso, vale escrever para dar a conhecer o que pode estar esquecido.
Lengalengas à margem, Guebuza escreveu ou publicou, em 1967, o poema “Esses tempos estranhos”, que, com estrutura ao nível de “Súplica”, eterniza um período conturbado para os moçambicanos que ousassem sonhar com uma nação livre dos chicotes da merda colonial. O poema exprime, ao estilo “O canto e as armas”, de Manuel Alegre, a dor do sacrifício, o medo e a raiva de um povo “Em que [como antes] o chicote sibila/ E rasga a carne”. É o retrato em verso do efeito social que sempre deve surgir de uma causa que comprometa a liberdade. Assim, investindo na sintetização de contextos, Guebuza primeiro identifica o problema: “Esses tempos estranhos/ Que assaltam a vida/ E carcomem/ a esperança de viver de novo// Tempos de sombras densas/ Tempos de angústia/ Tempos de raiva passiva”, obviamente, remetendo-nos a um período heroico da história do país. Depois, com convicção de um guerreiro, em duas palavras, “tombaram” e “sumiram”, sentenceia, digamos, à morte de toda uma época de humilhação.
Mesmo sob a pressão da pólvora, Guebuza, acreditando no poder da pena, pôs-se a inventar um sujeito poético indissociável da certeza de que um dia alegre estava por vir, pela razão do tempo de combate à podridão, de luta armada, ter-se imposto.
Não obstante, em “Esses tempos estranhos” estão presentes as imagens dos monstros que poderiam ter empurrado a FRELIMO, onde os moçambicanos se reencontravam, ao silêncio covarde e ao pesadelo de destruir, por medo, um sonho de milhões. Na mesma proporção, o poema enaltece a determinação que poderia ter esmagado a semente dos maiores dilemas dos moçambicanos, em Lusaka ou em Roma, a determinação de se acabar com os “tempos estranhos”, o que não aconteceu, por isso estarem de volta dissimulados em crises: alto custo de vida, assassínios, sequestros, tensão militar e refrescos espalhados em toda a parte.
Diante destas situações que nos furam o estômago, a esperança e mais alguma coisa, poderíamos dizer estamos mal e ficarmo-nos nisso, sobretudo porque nesta selva já nem se sabe quem é rei e em quem acreditar. Ora, se se souber dar ouvidos ao passado, textos como “Súplica”, de Noémia de Sousa, e “Esses tempos estranhos”, de Armando Guebuza, ao manterem-se actuais, ajudam a prever como a situação geral da nação, sendo firme, pode ser consensualmente boa, para, com isso, deixar andar a esperança de se ter um país para todos, em que a ambição não seja o problema que nos impeça de tomar um copo juntos.
Enquanto em Noémia a esperança para se colher os frutos da liberdade resume-se na existência, independentemente de onde se encontre e do que se é, em Guebuza resume-se na luta armada e no desejo de conquistar dias alegres. Seja como for, em ambos os casos o recado é o mesmo: estes tempos estranhos não são para aceitar, devem ser derrubados, com súplica ou com combate.
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