Escrito por Abdul Sulemane | Sexta, 20 Julho 2012 09:06 | ||||||
As circunstâncias da morte do cabeleireiro, Carlitos Jóia, deixaram um vazio para os fazedores e admiradores da arte de trabalhar a beleza. Considerado como um dos melhores cabeleireiros da África Austral e vencedor de prémios, Carlitos deixa um legado. Para dar continuidade da sua actividade a filha primogénita, Vânia Jóia, está à frente do negócio. A actual localização tem sido uma das preocupações por causa da estratégia de trabalho e a procura de clientes. Faz um mês no dia 26 de Julho que o cabeleireiro, Carlitos Jóia, proprietário do salão de beleza Carlitos Hair International perdeu a vida. “O mundo perdeu um grande cabeleireiro. Meu pai era um grande cabeleireiro. Agora queria que ele estivesse aqui para lhe dizer que o amo muito, que fosse mais presente. Talvez pedir às pessoas para que não o julguem. Já ouvi dizer que meu pai foi assassinado. Meu pai morreu por insuficiência respiratória. Não por causa de drogas. As pessoas começam a inventar muita coisa. Peço às pessoas para olharem o meu pai só pelas coisas boas. Quem alguma vez presenciou alguma coisa má dele, peço para esquecer. Nós somos contactados até hoje de Londres. Há pessoas que saem das províncias para vir cortar o cabelo aqui no salão. Tudo isso por causa do que ele criou”, explica Vânia Jóia. A filha recorda-se dos últimos momentos em que esteve com o pai. “Ele insistiu tanto que fôssemos para Pemba e Nampula porque queria conhecer a ilha onde o meu tio trabalha. Ele ia, só que, contaram-me que ele não passou bem. Melhorou um bocado no dia seguinte. Depois aconteceu o que aconteceu”, lamenta. As relações do cabeleireiro criaram distanciamento e entraves no relacionamento com os filhos. “Tive que transladar o corpo de lá para cá. As pessoas ficavam a dizer que eu não chorava. Chorei quando vi o caixão, no dia do enterro. Mas fui eu que tratei de tudo. O meu pai tinha uma namorada com quem comecei a falar a partir daí. O meu pai sempre dizia às minhas ex-madrastas para não chegarem perto de mim. Dizia que a minha filha cuida dos irmãos como uma leoa mas tem ciúmes de mim”, conta. Sempre sentiu-se preparada para estar à frente no negócio de beleza mas não ao desaparecimento físico. “Meu pai quando faleceu as pessoas dizia que estava tão calma. E eu disse sempre que o meu pai preparou-me para uma coisa do género. Sempre preparou-me, os meus trabalhadores sabem que ele falava. Uma semana antes dele falecer um dos colegas reclamou com ele que eu não queria dar camisetas novas. Ele disse que já não era mais chefe e que eu era a chefe. Ele nunca me preparou para a morte. Ele sempre dizia que queria ficar na América. Houve um tempo que a cidade de Joanesburgo foi considerada uma das cidades mais bonitas do mundo. Ele dizia eu quero ir viver para lá. Como hei-de fazer. Eu dizia vai eu fico a controlar. Só tens que vir uma vez a outra. O irmão dele vive lá. Muitas pessoas queriam as mãos dele. Por exemplo, o que está a acontecer agora é que as pessoas estão tristes porque não vão mais ter a mão dele”, recorda. Durante a vida Carlitos sempre teve dificuldades de relacionamento com os sócios. “Ele sempre disse-me que se um dia acontecesse alguma coisa com ele não devia fazer sociedade com ninguém. Sempre vi com meu pai que ele nunca se deu bem em sociedades. Ele era muito exigente, um excelente profissional. Agora sou cabeleireira porque ele insistiu. A minha irmã faz muito bem unhas de gel. Eu trato do cabelo como o meu pai”, garante. Sexualidade questionada A questão da sexualidade do cabeleireiro sempre foi questionada na criação do salão de beleza. “Meu pai começou nessa coisa de cabeleireiro antes de eu nascer. Praticamente dois anos antes de eu nascer. Eu tenho 26 anos. Ele sempre disse que aqui em Moçambique houve problemas da sexualidade. Porque diziam que homens não tratam de cabelo. Ele foi um dos primeiros, com um amigo dele Dino que os confundiam como irmãos. Começou a trabalhar no Hotel Polana com 24 anos. Mesmo lá embaixo temos uns diplomas do curso que fez em Pretória”, aponta. Carlitos Jóia foi considerado o melhor cabeleireiro da África Austral. “Meu pai ganhou, não me lembro o ano, se não me engano em 2005, todos os prémios da wella. Os 7 prémios da Wella. A minha ex-madrasta, Neyma ganhou o único que era de melhor penteado. Ele ganhou todos os restantes. Foi considerado melhor cabeleireiro da África Austral”, conta. Gastos indevidos fizeram com que o cabeleireiro ficasse afastado da gerência do salão que criou. “Desde um tempo para cá estou sozinha. Há quatro meses o meu pai não entrava no salão. Tivemos uma discussão familiar. Meu pai ia fazer 52 anos. Começou a ter desejos estranhos de gastar dinheiro. Talvez por causa da idade. Então ele disse já não vou entrar mais. Quando precisares de algo liga. Então eu fazia isso. Só que infelizmente no dia que ele faleceu não falei com ele. Foram dois dias que não falei com ele”, lamenta. As relações do cabeleireiro sempre estiveram ligadas ao negócio de beleza. “Por acaso todas as minhas madrastas, inclusive a minha mãe, tratam de cabelo. A minha mãe é depiladora e massagista. A Neyma é cantora mas também é maquilhadora. O meu pai arranjou um emprego na TVM, a Ducha é dona de um cabeleireiro. Só a mãe dessa minha irmã não. Está ligada à culinária”, conta. A mudança de instalações do salão alterou a forma de estar no mercado da beleza na capital do país. “Esta zona não que seja má, mas nós sempre tivemos um padrão que nos fez sermos escolhidos como o melhor cabeleireiro em 2009. Hoje em dia sinto-me embaixo, literalmente. Estou aqui na Malanga. Não falo mal da zona. Esta zona acolheu-nos muito bem. Claro que sempre criticaram os valores. São 200 meticais porque estou a pagar a luz, o aluguer, os trabalhadores. Aqui é bom por causa do parqueamento. Temos um estacionamento bom. Nunca tivemos queixas de assaltos mas no salão da avenida 24 de Julho já tivemos várias queixas. As pessoas têm má visibilidade desta zona. Eu quero sair daqui, não por desmerecer a zona mas para ajudar os meus clientes. Queremos dar mais acesso às pessoas, estando em zonas estratégicas para terem acesso ao Carlitos”, frisa. A filha mais velha do malogrado cabeleireiro tem a missão de dar continuidade ao negócio de beleza embora as dificuldades que tem enfrentado. “Eu fui preparada para isto. A minha mãe que está em casa sabe disso. Meu pai sempre preparou-me para ausência dele. Não para a morte. Ele dizia que fez o Carlitos para os seus filhos. Dizer que é muito difícil porque no princípio quando abrimos na loja da avenida 24 de Julho nós queríamos que fosse uma coisa grande. Fomos para Beira e Tete. Só que devido a alguns problemas com os proprietários do edifício em Tete onde estávamos a alugar não deu certo. Meu pai não era uma pessoa fácil. Acabou tendo também desentendimentos com o proprietário do edifício onde estava o salão na Beira ”, repisa. Surgimento do salão Desde cedo acompanhou os passos do pai no desempenho das suas actividades de beleza até à criação do primeiro salão Carlitos na cidade Maputo. “Trabalho com o meu pai desde os meus 16 anos. Meu pai era sócio no salão Cupido. Meu pai trabalhou na Interfranca. Eu tinha 11 anos quando o meu pai começou. Eu já queria trabalhar só que ele não me deixou fazer sociedade e abrir uma loja. Um dia ele veio com um monte de nomes. Vinha Carlitos International, Carlitos e filhos, Carlitos Jóia. Porque ele chateava-se como sócio do Cupido. Meu pai era uma pessoa exigente. Aquele tipo de patrão que quer tudo regrado. Então ele perguntou o que eu achava de abrir um sítio? E eu respondi que se não fosse muito caro que abríssemos. A minha irmã disse que o nome de Carlitos e Filhos ficava mal. Aí escolheu Carlitos Hair International. A beleza através da ciência é um slogan que o meu pai inventou. Ficámos lá nove anos”, destaca. A forma de prestar os serviços de beleza foi o método encontrado para angariar mais clientes. “Abrimos o Carlitos Hair International em 2002 mas a inauguração foi em 2003. Enquanto efectuavam as obras o meu pai já cortava cabelo. Ele nunca aceitava que os homens varressem. Ele implantou esse lema de que as meninas têm de lavar, varrer e fazer massagens aos homens. Eu até dizia para mim que é assim que atrais os clientes. Os homens só tinham que cortar o cabelo e chamar as meninas para lavar e varrer. Esse era o lema dele”, aponta. A procura de outros mercados pelo Carlitos fez com que a filha primogénita ficasse em frente dos negócios na capital. “As coisas ainda estão muito confusas na minha cabeça porque depois de três anos tornei-me gerente. Passados dois anos comecei a fazer trabalho de contabilidade com o meu antigo colega que agora é actual dono do salão Royal. Depois ele começou a deixar-me sozinha. Quando foi para Beira onde ficou um tempo. Depois foi para Tete. Não passaram sequer seis meses em Tete começou a discutir com a minha tia que era sócia dele. Nós já não temos salão na Beira nem Tete. Ouço pelas pessoas que dizem que os vossos funcionários não tratam bem os clientes. Eu já não faço parte daquele salão há dois anos. Estou a fazer os trabalhos sozinha há seis meses. Desde Dezembro do ano passado”, salienta. A ocupação em actividades do salão de beleza desviara os planos académicos da primeira filha do cabeleireiro. “Eu sempre queria fazer diplomacia. Tanto que estudei Marketing e gestão e administração. Tudo ligado à diplomacia. Mas ele nunca quis que eu estudasse isso. Ele queria que eu ficasse no salão. Ele insistia que fizesse cursos ligados à gerência e administração de empresas. Eu acabei fazendo um bocado desses cursos. Meu pai estava toda a hora em cima de mim. Nunca tivemos uma relação saudável porque ele queria que eu ficasse o tempo inteiro no salão”, frisa. Gerência do salão Vânia Jóia encara de frente as questões da gerência do salão de beleza há cerca de uma década. “Nunca foi. Nem no tempo do meu pai. Meu pai nunca cuidou das finanças e contabilidade do salão. Não é fácil abrir um cabeleireiro e mantê-lo durante quase 12 anos. Claro que agora tivemos uma baixa. Meu pai nunca foi apegado a coisas materiais. Comprava carros e vendia. Por isso as pessoas perguntam o que vamos dividir? Vamos dividir os conselhos que ele nos dava sobre a vida. Disse para eu nunca deixar o salão. Não é fácil lidar com as finanças”, considera. Com a morte do pai tem de resolver a questão das dívidas que contraiu. “Tenho que ter espaço. Há pessoas que aparecem a cobrar dívida. Já recebi tios, primos, os irmãos. Então eu nunca gostei que soubessem que sou filha do meu pai porque não queria que as pessoas pensassem que estou no salão por causa dele. Eu aprendi a tratar o cabelo, depilação, massagens porque ele insistiu muito. Na escola não gostava que as pessoas soubessem. Tanto que até hoje as pessoas pensam que ele teve só a Yumina. Eu sou a mais velha. Depois segue a que trabalho com ela aqui no salão, depois vem o Júnior e por fim a Yumina. Somos cinco filhos. Quatro meninas e um rapaz”, referência. Fechar o salão de beleza está longe dos objectivos pelo nome e qualidade de trabalho que realizam. “Todo o mundo diz para não fechar o salão. Nunca se consegue agradar todas as pessoas. Existem pessoas que vêm ao salão por causa do nosso nome. Porque temos um trabalho de qualidade, diferente de outros salões”, disse. O período de enceramento devido às cerimónias fúnebres foi questionado. “Meu pai faleceu há três semanas. Só fechámos o salão durante dois dias mas há pessoas que nos criticaram. Diziam que tínhamos que fechar por um período de uma semana. Meu pai nunca nem que estivesse vivo, mesmo eu doente, não queria que eu ficasse sem trabalhar. Quem vai pagar a renda? Não é porque meu pai faleceu que as coisas vão parar. Como iria pagar os trabalhadores. Não posso fechar. Eu não vou fechar. Meu plano é fazer o que ele sempre quis”, finalizou. |
sábado, 18 de agosto de 2012
Lembrando Carlitos, o cabeleireiro. “Peço às pessoas para olharem o meu pai só pelas coisas boas”
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