sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Fundação da Frelimo

A longa marcha para a unidade que deu azo à fundação da Frelimo

Ecos do Simpósio alusivo aos 50 anos da FRELIMO.
A escola central do partido Frelimo na Matola acolheu, entre os dias 15 e 16 do mês em curso,   um simpósio alusivo aos 50 anos da fundação da Frelimo, que serão celebrados em pompa no próximo dia 25 de Junho, com as cerimónias centrais a terem lugar na cidade de Maputo. durante dois dias, a escola da Frelimo na Matola transformou-se num verdadeiro “arquivo histórico”, com a particularidade da nossa história colectiva como povo, como nação, ser  contada na primeira pessoa por várias figuras, em diferentes momentos, que participaram na epopeia libertária que culminou com a capitulação do colonialismo português, a 7 de Setembro de 1974, o dia da vitória.
Na escola central da Frelimo estiveram representados quase todos os extractos da sociedade moçambicana, desde combatentes da libertação nacional, geração 8 de Março, políticos - incluindo os da oposição -, académicos, empresários a camponeses, entre outros, mas todos com o mesmo desejo: beber de fontes primárias a  história de Moçambique.  Os painelistas para o simpósio foram escolhidos com o objectivo de reflectirem sobre os vários momentos que o processo libertário conheceu. figuras como Joaquim Chissano, Lopes Tembe, Marcelino dos Santos e Pascoal Mocumbi falaram do processo de unificação dos três movimentos de libertação, nomeadamente, MANU, UDENAMO e UNAMI, até à fundação da Frelimo a 25 de Junho de 1962, passando pelo tema que versou sobre o papel da Frelimo  na luta de libertação nacional, proferido por figuras históricas como Alberto Chipande, Raimundo Pachinuapa, José Moyane, Eduardo da Silva Nihia, entre outros comandantes militares. Falou-se do papel da juventude na luta de libertação nacional, tema discutido por figuras que lideraram a juventude na altura, com destaque para John Kachamila.
Houve também espaço para figuras como Deolinda guezimane ou Marina Machinuapa falarem da emacipação da mulher e do seu contributo na luta de libertação nacional. Houve, outrossim, espaço para dissertações, proferidas por académicos notáveis como Eduardo Sitoé, entre outros.
A UNIDADE COMO FACTOR DECISIVO
Na verdade, foi o tema ligado à unidade nacional que mais revelações trouxe a lume, sobretudo por parte  dos conferencistas Joaquim Chissano, Lopes Tembe e Marcelino dos Santos.
Chissano, logo nas notas introdutórias, referiu que é a falsa a ideia que tem vindo a ser propalada por alguns sectores contestatários à história oficial, de que a ideia de unidade foi uma imposição do então presidente da Tanzania, Julius Nyerere, para apoiar a Frelimo a instalar-se naquele país.
“Não foi uma ideia imposta. Nós sabíamos qual era a nossa fraqueza e o Presidente Mondlane já tinha falado sobre isto quando visitou Moçambique em 1961 e, mesmo em Filadelfia, quando se reuniu com o grupo de estudantes das colónias portuguesas, foi mais afundo ao defender a unidade dos movimentos de libertação das colónias portuguesas”, esclareceu Chissano.
Por outro lado, Chissano explicou ainda que sendo um dos líderes da União dos Estudantes Moçambicanos, UNEMO, tentaram desde logo convencer a MANU e a UDENAMO a unirem-se e “ameaçamos a não aderir a nenhum movimento de libertação se eles não se unissem. Apresentávamos a UNEMO como sendo um grande movimento estudantil. Já estava combinado e o Presidente Mondlane havia tomado semelhante postura. Era preciso convencer a UDENAMO e a MANU que a união fazia a força. Mondlane não estava interessado na liderança sem que houvesse primeiro a unidade”, disse Chissano.
Este argumento de Chissano foi reiterado pelo militante Lopes Tembe, por sinal, um dos fundadores de um dos movimentos de libertação: a UDENAMO liderada pelo jovem Adelino Guambe.
COMO FOI POSSÍVEL A UNIDADE?
Tanto Chissano, como Marcelino dos Santos e Lopes Tembe são unânimes em afirmar que o convite para Eduardo Mondlane se juntar ao processo libertário partiu da UDENAMO de Adelino Guambe.
Joaquim Chissano e Lopes Tembe contaram que Mondlane foi a Dar-es-salaam e, quando lá chegou, Adelino Guambe e Mateus Mole estavam em Acra, no Gana, onde participavam numa reunião de partidos políticos e teve que esperar pelo regresso dos mesmos.
“Sabendo que se tratava de uma reunião para unificação dos movimentos de libertação, Mole e Guambe tentaram puxar o tapete e assinaram às pressas um documento de fundação da Frelimo em Acra. O presidente Mondlane chegou a Dar-es-salaam, esperou por Guambe e Mole, mas o senhor Guambe, quando regressa, procura-se esquivar do encontro com o Presidente Mondlane e vai para o exterior (...) é falsa a ideia que procura dar entender de que a Frelimo foi fundada em Acra. Ela (Frelimo) foi fundada em Dar-es-salaam”, disse Chissano.
Sobre esta questão, Marcelino dos Santos, que na altura fazia parte da UDENAMO, não entrou muito em pormenores, defendeu, no entanto, que a “ida dos companheiros a Acra foi necessária” e que em Maio foi, de facto, “assinado um documento na Tanzania, onde os movimentos de libertação se comprometiam a ir a Acra, mas que depois voltariam a Tanzania para realizar a unidade e só foi nesse sentido que foi autorizada a emissão de documentos de viagem”. Quer isso dizer que Nyerere só autorizou a saída de Guambe e Mole da Tanzania depois destes terem assinado um documento onde se comprometiam a unificar os movimentos, acto que teria lugar na Tanzania e nunca em Acra, Gana. Marcelino dos Santos não explicou se Adelino Guambe se sentia ameaçado do ponto de vista das suas aspirações com a presença de Eduardo Mondlane na Tanzania.
MONDLANE: O ARQUITETO DA UNIDADE
De uma forma unânime, todos os painelistas sobre o tema da unidade concordaram que a entrada de Mondlane no processo mudou o rumo da história. Marcelino dos Santos chegou mesmo a chamar Mondlane de “astro”, um “homem construído pelo povo e com sentido das coisas”. Entretanto, há uma questão que não foi cabalmente esclarecida. A maior parte dos painelistas afirmou que o presidente da UDENAMO, Adelino Guambe, era contra a união dos movimentos. como é que a UDENAMO convidou Mondlane para por via deste movimento apresentar a sua candidatura à presidência da Frelimo. É que, conforme foi revelado, Mondlane não fazia parte de nenhum movimento de libertação e, de acordo com o militante Lopes Tembe, a UDENAMO terá convidado Mondlane a obter cartão deste movimento e, por via disso, apresentar-se como candidato e terão sido os membros da UDENAMO a fazerem forte campanha para Mondlane durante o Congresso, já que (Mondlane) “era pouco conhecido”.
Chissano foi mais longe a atacar Guambe, na medida em que “mesmo no congresso o seu nome não apareceu em nenhuma lista que disputou com Mondlane a liderança da Frelimo”, cargo que, como se sabe, Mondlane acabou sendo eleito, tendo como vice-presidente Urias Simango. Todavia, engane-se quem pensou que a unificação dos movimentos e a realização de eleições parecia ter devolvido a força que faltava para dar novo impulso ao processo de libertação nacional, conforme testemunho do militante Pascoal Mocumbi. Este histórico militante disse que logo após a realização do Primeiro Congresso instalou-se uma crise, com alguns sectores a contestarem a composição dos órgãos da Frelimo democraticamente eleitos. Os referidos conflitos prolongaram-se, fracturaram a primeira direcção eleita e degeneraram com tumultos que tiveram lugar no Instituto Moçambicano, na altura, liderado por Janeth Mondlane, em 1968.  Aliás, o próprio Chissano recorreu durante a sua apresentação a vários documentos e cartas, algumas das quais correspondências de Eduardo Mondlane com o seu vice-presidente, Urias Simango.
“Urias Simango escreveu uma carta ao Presidente Mondlane a narrar os conflitos. Urias Simango narra ainda que durante o Congresso Marcelino dos Santos e Pascoal Mocumbi desempenharam um papel importante durante os trabalhos”, disse, para depois revelar ainda que quem lhe forneceu esta documentação histórica foi um antigo militante da Frelimo, de nome Fanuel Mahluza, “que se uniu a Guambe para fundar a nova UDENAMO. Eu recuperei o Mahluza depois de ter estado escondido no Quénia e veio morrer aqui em Moçambique. Ele quis contribuir com aquilo que sabia e deixou-me com estes documentos antes de morrer”.
Marcelino dos Santos, para além de olhar para o passado, fez também um apelo no sentido da Frelimo de hoje inspirar-se nos ensinamentos do passado para vencer os desafios actuais e projectar o país melhor para todos.
“essa memória, camaradas, faz com que aqueles objectivos que planeamos juntos continuem até acabarmos com a pobreza e voltarmos a ser uma pátria de todos e para todos. Por isso que dissemos que libertámos a terra e os homens. Cabe agora aos homens livres construirem o futuro para todos. É esse o nosso esforço. Vamos continuar a nossa luta. Vamos fazer uma terra de todos e para todos camaradas. A nossa luta continua para um futuro melhor de igualdade, para todos os moçambicanos”, disse, para depois concluir no seu tom característico que “enquanto haver revolução para se refazer não há tempo para morrer. Temos que continuar até ao fim, não podemos parar”.
E assim foi o simpósio que foi, na verdade, um momento para nos lembrar de onde viemos, onde estamos e, mais importante ainda, que país queremos construir e que povo queremos ser. Aliás, como se costuma dizer, “o povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”!
Leia mais na edição impressa o "Suplemento Especial- 50 anos- Frelimo "do «Jornal O País»

1 comentário:

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