sábado, 18 de agosto de 2012

Economia moçambicana ao bisturi (fim)

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Incursão à sala de cuidados intensivos
- uma entrevista com o prof. Dipac Jaintilal
A crise económica moçambicana, tornada numa arma de arremesso toscamente manipulada e escondida pelos políticos do dia, é longamente escalpelizada pelo economista moçambicano Dipac Jaintilal. Em longa entrevista ao SAVANA são abordadas as razões profundas da doença do metical, a crise com os doadores, o efeito barão da droga, as casas de câmbio e as receitas tradicionais de Bretton Woods para as economias terceiromundistas.
Explicações incontornáveis para os pneus e as barricadas implantadas semana passada em Maputo. Pela importância dos temas não adoptámos para o presente texto a tradicional edição jornalística da entrevista, publicando-a na íntegra. Leia a última parte da entrevista conduzida por Francisco Carmona.
CONTRACÇÃO DO CRÉDITO À ECONOMIA E EXPANSÃO DO DEFICIT FISCAL
Os efeitos das medidas de contracção monetária e creditícia do programa com o FMI começam já a ter efeitos nas expectativas do sector privado, e se manifestarão consequentemente numa tendência de redução do crescimento económico. De facto, o crescimento anual do Crédito à Economia vai passar em finais de 2010, para apenas 19.1%, quando no ano passado tinha sido de 58.6%, e no ano 2008, de cerca de 47%. Os maiores apertos ao crédito à economia devem verificar-se neste período do ano, até Dezembro, sendo muito provável que continuem em 2011 por causa do agravamento da situação fiscal.
De facto, estas medidas como atrás dito, vêem na sequência do pacote de contracção da procura agregada, visando contrabalançar o agravamento do deficit fiscal após donativos previsto até 2011, para -16.7% do PIB, antes de donativos, e -7.2% do PIB depois de donativos, quando em 2008 estes deficits eram, respectivamente, de -11.8% e -2.3% apenas, isto em dois anos, o deficit fiscal se agrava em 5 p.p. – em termos absolutos, passa de 7.7 biliões de MTN em 2008, para 13 biliões em 2010, e para se projectar em 2011 em 16 biliões.
A evolução recente do clima de confiança e negócios, medido pelo Indicador de Confiança e Clima Económico das Empresas (ICCE) do INE reverte desde Maio deste ano, a tendência positiva anterior, tendo declinado em Junho do corrente ano pelo segundo mês consecutivo, na altura em que se agudizam a inflação e a desvalorização cambial mais recentes. Contribuíram para a recente queda do CEE, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), os declínios das expectativas de emprego e da procura, em todos os sectores - Alojamento e Restauração, Transportes, Produção Industrial, Construção e “Outros Serviços” - com excepção do sector do Comércio. A evolução das expectativas inflacionárias (de aumento de preços) tem acompanhado a aceleração altista nos preços eles mesmos, ou seja, do próprio IPC.
De acordo ainda com as últimas estatísticas do INE, o 2º. Trimestre deste ano já mostra uma desaceleração do crescimento do PIB, em -0.7% comparativamente ao trimestre anterior, consistente com a tendência contraccionista das políticas macro em curso.
S – Alguns analistas entendem que estamos numa situação conjuntural, de curto prazo. Outros acham que existem aspectos estruturais que agravam efeitos externos. Onde é que o DJ se posiciona?
DJ – Já mencionamos atrás o verdadeiro peso relativo da crise internacional na conjuntura económico-financeira dos últimos anos. Vejamos como afectam os aspectos estruturais da economia moçambicana na mesma conjuntura.
Os crónicos défices da Balança Comercial e de Transacções Correntes do País, como acontece em pequenas economias abertas sem câmbios fixos, levam a que a taxa de câmbio tenda a depreciar-se, face a escassez de recursos em divisas, quando confrontada com os saldos em moeda nacional. Contudo, sabe-se que as autoridades cambiais modernas raramente optam por uma flutuação completamente livre da taxa de câmbio, pela volatilidade que pode ser criada por incrementos (ou reduções) na oferta e na procura, por vezes resultantes de acções especulativas nos mercados cambiais internacionais por grandes investidores com vista a obter lucros de curto prazo.
A política cambial, para evitar instabilidades excessivas, (deve) procura(r) uma âncora que se julgue apropriada, para “guiar” as alterações nos mercados cambiais. Em países como os nossos, essa âncora com justificação económica pode ser a estabilização, não das taxas nominais, mas da “taxa de câmbio efectiva real”, que é a taxa de câmbio da moeda nacional em relação a um cabaz de moedas dos principais parceiros comerciais, ajustada ao diferencial entre a inflação interna e externa. Esta estabilização, por meio de intervenções pontuais em curtos períodos, permite, nuns casos, evitar perdas de incentivos cambiais, e noutros casos, a redução do valor da moeda nacional para alem do que for justificado por factores fundamentais da economia (‘economic fundamentals’). A esta gestão cambial na base de uma âncora costuma designar-se de “flutuação gerida” (‘managed float’), em contraposição ao regime de “câmbios fixos” - regime monetário internacional que vigorou no pós-II Guerra Mundial até 1973 Para países com a Balança de Pagamentos deficitária, o “managed float” traduz-se geralmente por uma política de “desvalorização deslizante” (‘crawling peg’).
Os factores mais importantes afectando a taxa de câmbios em 2010, e particularmente as últimas desvalorizações pós-Abril, foram de natureza conjuntural – veja-se os factores atrás mencionados como explicativos – enquanto que a evolução no período anterior (desde 2004-2005) pode ser considerada como “deslizante”, o que permite aos agentes económicos absorver melhor os seus efeitos graduais na mudança de preços relativos que as mudanças cambiais representam.
Os factores conjunturais de natureza cambial, em tese, seriam melhor geridos não através das depreciações bruscas acomodadas pelas autoridades cambiais, mas por uma continuação da gestão cambial do tipo “deslizante”, preservando uma maior estabilidade de preços e cambial – tanto assim que a taxa de câmbio efectiva real já se tinha depreciado até Abril para não só compensar uma certa revalorização do Metical em 2008 e parte de 2009, como também tendo voltado para níveis inferiores a taxa (efectiva real) do ano de 2006, ano em que se registou o menor défice comercial e de transacções correntes em proporção do PIB dos últimos dez anos.
S– Será que neste momento não estaremos a pagar uma factura eleitoralista, caracterizada pelo pagamento de subsídios aos combustíveis e de outros bens? (lembremo-nos que o Governo travou uma subida de combustíveis em ano de eleições e enveredou por uma política de subsídios).
DJ - O factor agravante da inflação, como atrás dito, praticamente coincidente no tempo, foi o aumento dos preços dos derivados do petróleo, fundamental para produção de variados bens, tem inevitavelmente esse efeito inflacionário generalizado. Mas como bem insinua na sua pergunta, essa medida insere-se na remoção gradual dos subsídios às gasolineiras, que se foram acumulando durante o período do “congelamento” artificial do preço desses produtos, tomado para evitar o agravamento do desconforto social sentido pelas camadas mais pobres da população que, com os rendimentos que aufere, não conseguem suportar o aumento dos preços dos transportes nas zonas urbanas e peri-urbanas – largamente servidos pelos “chapas” - mas certamente que teve outros efeitos colaterais bastante negativos, como o aumento da diferença dos preços internos de combustíveis e os preços dos mesmos nos países vizinhos, acabando por subsidiar também visitantes estrangeiros que faziam incursões com esse preciso objectivo. A própria forma como o subsídio foi desenhado e administrado favoreceu de igual modo as camadas internas mais abastadas, tornando-se um subsídio “regressivo”, isto quer dizer favorecendo relativamente mais aos menos merecedores.
Lembre-se que esta remoção de subsídios até não se faz num momento de alta dos preços internacionais do petróleo.
Estes aumentos internos dos preços dos derivados, se devem a incapacidade orçamental de continuar com os subsídios, na actual conjuntura fiscal.
S - Até que ponto é que a crise entre os G19, principal doador do Orçamento do Estado, e o Governo nos princípios deste ano pode ter concorrido para a situação que o país atravessa?
DJ - Algumas preocupações dos doadores nas áreas de governação financeiro-económica – eficácia na anti-corrupção, transparência, processos de ´procurement´, gestão dos recursos naturais, ambiente de negócios, etc. – e na área política – normas e procedimentos eleitorais, inclusão – levaram a que ocorresse uma suspensão temporária do apoio orçamental no primeiro trimestre de 2010. Essa suspensão foi formalmente retirada em Abril, com os parceiros a monitorarem de perto os compromissos assumidos pelo Governo nessas matérias. Estes constrangimentos reflectem-se directamente na taxa de câmbio, medida pelo diferencial entre a taxa de câmbio do banco central, por um lado, e as taxas do mercado secundário bancário e das casas cambiais, bem como no sector informal, foi assim removida, conjugada com alguma intervenção no sentido de vendas limitadas de reservas internacionais.
Nos finais do primeiro trimestre as autoridades estavam a acertar o quadro de políticas macroeconómicas a vigorar por um período de três anos, como base de um novo Instrumento de Apoio ao Programa (PSI, ou Program Support Instrument) com o FMI, o qual incluiu estabelecimento e manutenção de Reservas Internacionais relativamente elevadas. Embora isto possa tomar-se como escusa para não se promover uma maior intervenção das autoridades no mercado cambial, deve-se notar que o objectivo clássico de manter um certo nível de reservas internacionais é precisamente para se reter uma capacidade de intervenção das autoridades nos mercados cambiais, quando se torna necessário evitar um excesso de volatilidade, ou uma alteração do valor da moeda em magnitudes superiores aos que são justificados pelos factores fundamentais da economia (‘fundamentals’). - em média, o valor equivalente a três meses de reserva pode já ser considerado bom em termos internacionais, enquanto que começamos o ano com mais de 5,5 meses de importação.
Outros factores de instabilidade e pressão cambial já foram mencionados como o pagamento da factura petrolífera, instabilidade e consequente aumento de procura e redução da oferta de divisas, suscitada pela ordem Presidencial americana baseada no trabalho das agências especializadas do Departamento de Tesouro do EUA sobre movimentos ilícitos de capitais e de lavagem de capitais. Estes factores, vieram no sentido da queda do valor do Metical, e correspondente aumento do preço das divisas, do dólar e como consequência das outras moedas.
Os novos termos da carta de intenções de 24 de Junho, pelas autoridades ao FMI, envolvem a adopção de políticas e medidas restritivas no âmbito monetário e creditício e uma política de depreciação do Metical – permitindo, e em parte tentando neutralizar um agravamento temporário do défice orçamental antes e depois de donativos, em princípio para parcialmente acomodar os níveis actuais das despesas públicas e, combinado com a emissão de mais títulos da divida pública (Obrigações do Tesouro), para a realização simultânea de mais despesas de investimento público em infraestruturas consideradas importantes pelo executivo Moçambicano.
As medidas restritivas creditícias incluíram ainda o aumento das taxas de juro directoras do banco central, cuja primeira prestação já ocorreu em Junho, com a subida de 2 pontos percentuais, para 14,5% da janela da Facilidade Permanente de Cedência (FPC). Como previsto, este aumento arrastou consigo o incremento das taxas de juro de empréstimos dos bancos comerciais, o que está a gerar redução significativa no financiamento da economia produtiva.
A política de um Metical mais fraco baseia-se na tese já mencionada, de que isso estimularia o aumento das exportações. Contudo, tire-se as conclusões devidas da experiência da depreciação contínua do Metical, seja de forma deslizante seja de forma abrupta, e os fracos resultados nas exportações do País - que se mantêm no global estagnadas ao mesmo nível de US$ 600 milhões há muitos anos, se excluirmos os grandes projectos, como recentemente aduzido, e bem, pelo Governador do BM. Daí que a política de aumento de exportações exigem outras medidas para além da política cambial.
S – Quanto é que pode ter custado à economia do país o recente anúncio do Departamento do Tesouro dos EUA que decidiu colocar um “grande” empresário moçambicano na lista dos barões de droga? Ou tal anúncio teve impactos mínimos na economia?
DJ - Conheço mal esta realidade. Joseph Hanlon de Londres, Marcelo Mosse, Paul Fauvet da AIM e outros têm escrito e investigado sobre isso. Sabe-se que estes tráficos ilegais estão normalmente associados a esquemas de branqueamento de capitais, seja em divisas seja em moedas nacionais, vulnerabilizando os sectores financeiro e bancário a estas praticas, e lançando sérios desafios a capacidade de supervisão bancária e financeira, a qualidade da legislação contra estes tipos de crimes financeiros, As autoridades reconheceram estes factos ao se comprometer internacionalmente, em carta de intenções ao FMI, em rever e corrigir partes deste processo
S – Quais são as medidas economicamente possíveis a curto prazo para travar a crise e iniciar um crescimento interno sustentável?
DJ - Existem razões de médio e longo prazo, que as autoridades têm enfatizado, como a questão do aumento da produção e competitividade, e da qualidade dos produtos para a exportação, conquanto as medidas concretas, com a eficácia necessária, ainda não estão operacionais. O aumento da produtividade da agricultura um dos factores chave neste domínio, reconhecido politicamente desde há décadas, não está a gerar resultados que se sintam como contribuição significativa ao PIB , ou às exportações ou mesmo como redução das importações, apesar de documentos como a “Estratégia” da Revolução Verde (2007), ou o “Plano de Acção para a Produção de Alimentos”, o PAPA (2008). Torna-se imprescindível reavaliar seriamente as politicas, as estratégias, os programas e planos de acções que vigoraram até hoje.
As medidas de gestão da conjuntura de curto prazo, são de certo modo difíceis por implicarem fazer mexidas em algumas das premissas do programa macroeconómico contido na recente Carta de Intenções a que nos vimos referindo. A questão que se coloca é uma postura contraccionista invocando o final da crise internacional, que ainda não se está a vislumbrar, Talvez seja interessante revisitar este pressuposto e os seus derivativos, como sejam o aumento das taxas de juro, e forte contracção imposta no crescimento do crédito a economia.
Eventualmente, na conjuntura actual, talvez seja de ensaiar uma intervenção consistente e tranquila no mercado cambial, para fazer regressar o valor do Metical ao nível da taxa de câmbio real efectiva que não signifique maior depreciação em relação àquela que pode ser aceite pelos factores fundamentais – para reduzir os seus efeitos nos níveis de inflação. Admite-se que o banco central esteja a tomar algumas medidas nesse sentido, pois a depreciação sofreu um recuo na última semana. Esperemos que esta tendência continue. O seu instrumento inicial são as reservas internacionais acumuladas, não se devendo ser tímido a utiliza-las para esse efeito, pois são a ratio principal da sua constituição.
Sugere-se, excepcionalmente – pela gravidade dos aumentos de custo de vida simultâneos - ponderar em intervenções directas nos incrementos dos preços de bens essenciais, como a água, electricidade, o pão, os transportes urbanos e periurbanos, e a possibilidade do seu financiamento através de reduções de gastos públicos não essenciais. Reconhece-se que não seriam exercícios fáceis pelas entidades competentes, mas parecem-nos, sem dúvida, necessários.
Quanto ao início de um crescimento interno sustentável, há um leque de propostas de medidas que são desde há muito discutidas com os agentes económicos do sector privado, que poderiam ser tomadas corajosa e decididamente. O aspecto crítico reside na atenção e estímulo a dar aos sectores de pequenas e médias empresas produtivas, agrícolas, industriais e dos serviços - incluindo ainda os micro-empreendimentos e o sector de agricultura de pequena escala -, que têm sido na prática preteridos sistematicamente em relação as mega-empresas, por ser (ter sido) mais fácil lidar com o que preocupa alguns agentes apenas, do que com os problemas de vastos sectores com milhares de unidades.
S – A emissão de Obrigações de Tesouro (OTs) no valor de 150 milhões de dólares é uma das soluções ou tudo passa pelo aumento da produção interna?
DJ – A emissão das Obrigações de Tesouro (OTs) foi decidida para financiar o aumento das despesas no tocante a certos investimentos públicos, e não como solução para qualquer crise. Um efeito colateral dessa emissão será o chamado de “crowding out”: os fundos de poupança de particulares e os fundos disponíveis do sector bancário serão redireccionados para o sector público, reduzindo a capacidade de investimento privado. Aumenta ainda o endividamento público em termos onerosos, quer dizer não concessionais, pois é preciso que haja um retorno suficientemente atractivo em relação as alternativas para que os títulos sejam comprados. Note-se contudo que num cenário de elevada inflação e desvalorização, as taxas oferecidas podem-se tornar em taxas negativas em termos reais –, se é que já não o são, mesmo se tivermos em conta apenas a inflação deste ano, que em Julho já vai em 16%, contra os 13-14% da taxa de juro das Obrigações de Tesouro (OTs)
S – Alguns economistas defendem que o Governo devia revisitar os contratos com os mega-projectos para renegociar as condições fiscais com eles e desta forma obter mais receitas para o Orçamento. Compartilha desta opinião?
DJ – Estes acordos foram assinados num contexto muito particular do País em que no pós-guerra era necessário atrair investimentos de vulto. Na minha opinião, o Governo tem por isso permanecido firme ao clausulado dos contratos que assinou. Esta é uma questão central: o respeito pelos actos e contratos conforme vem na Agenda 2025. Contudo, seria moralizante que, em função dos problemáticos defices orçamentais e dos efeitos da crise internacional, que o Governo tomasse a iniciativa de encetar um dialogo com alguns dos mega-projectos como a Mozal, Sasol, Areias Pesadas de Moma e outros, com o fim de se acordar uma maior contribuição desses nas receitas públicas. Até porque a estabilidade social e económica do País é do interesse directo destas empresas.
Isso se faz em todo o mundo, aconteceu há pouco na América Latina nos acordos sobre o gás que é exportado para o Brasil. Quando as circunstâncias o justifiquem, e inserir-se no diálogo contínuo com os grandes investidores, até para viabilizar a permissão da ampliação de investimentos em que estarão interessadas em realizar no País – dada a lucratividade de algumas dessas operações, e as mais-valias que representam para esses interesses privados certos investimentos, mormente no sector mineiro.
Isso contribuiria para reduzir a pressão do fisco a que estão sujeitas as PMEs (e agora o sector informal), que já pagam uma das mais altas taxas marginais efectivas (‘Marginal Efective Tax Rate’, METR) da região, conforme demonstram estudos efectuados sobre a matéria.
S – Que impacto é que pode ter a crise que atravessamos na política de combate à pobreza que o Governo persegue?
DJ – Primeiro é preciso reconhecer que ainda não foram atingidas as metas traçadas de redução da pobreza no período entre os dois últimos inquéritos representativos aos agregados familiares ao nível nacional, isto é, entre 2002/3 e 2008/9.
De entre este panorama geral, de registar que a pobreza urbana tem dado sinais de aumentar de forma acentuada – assim como os indicadores de desigualdade social. Em breve e até ao final do ano será necessário elaborar o Plano de Acção de Redução da Pobreza (PARP), como instrumento de operacionalização do Programa Quinquenal do Governo até 2015.
Nesse quadro seria interessante, e como premissa fundamental desse exercício, compreender com profundidade as razões dos actuais resultados e constrangimentos.
De facto, mais da metade da população moçambicana vive abaixo do mínimo considerado absolutamente necessário (medido pelo indicador nacional de pobreza extrema adoptado nos princípios da década). O número seria de 75% em 2002/3 se se considerasse a linha internacional de pobreza extrema de um dólar por dia, percentagem que não deve melhorar com os dados colhidos em 2008/9 não só pelo citado inquérito como através de outros dados estatísticos recolhidos pelo INE como o Inquérito sobre os Indicadores Múltiplos (MICS 2008), etc.
A crise actual não ajuda a realização dos objectivos de redução da pobreza, o que apenas acentua a necessidade um uma análise profunda, seria e amplamente compartilhada com a adopção de medidas que contrariem as tendências que se verificaram e se podem agravar.
S – O que pensa da política dos sete milhões?
DJ - Os 7 milhões foram uma tentativa de injectar alguns fundos extra para os distritos, iniciada em 2006, com várias indefinições nos primeiros anos quanto aos seus objectivos e usos, quanto a sua natureza - doação ou crédito -, introduzido sem um sistema apropriado de informação, monitoramento e controlo nas suas vertentes quer de impacto real, quer de retorno meramente financeiro, que foi recentemente designado como Fundo de Desenvolvimento Distrital.
- Embora seja válida a ideia de alargar o acesso a financiamento num País em que a exclusão financeira é tão prevalecente - veja-se um estudo recente da Finscope sobre o Acesso ao Financiamento, com indicadores comparáveis internacionalmente, em que Moçambique se situa nas piores posições dos países africanos incluídos, tanto em termos de bancarização como de acesso ao financiamento, com apenas 22% da população com acesso a serviços financeiros tanto formais como informais, em que estes últimos predominam em relação ao serviços financeiros formais – torna-se imprescindível revisitar a forma como o alargamento de acesso financeiro pode-se tornar mais efectivo em resultados, e com maior “accountability” em relação aos contribuintes e potenciais beneficiários. Com o orçamento de Estado ainda muito deficitário será difícil sustentar um programa sem bons retornos reais. A melhoria do sistema de prestação de contas pelo uso destes fundos ao nível distrital será um dos critérios essenciais para que os financiamentos deste programa continuem.
SAVANA – 10.09.2010
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