domingo, 12 de agosto de 2012

As 3 Gerações: As fontes do nacionalismo moçambicano e a primazia da geração do 25 de Setembro

As 3 Gerações: As fontes do nacionalismo moçambicano e a primazia da geração do 25 de Setembro


Amosse Macamo

Não pude resistir a este debate sobre o mérito ou não da periodização da história recente do país tomando como base marcos históricos que delimitam processos históricos decisivos da nossa gesta pela dignidade e independência nacional. Machado da Graça e Júlio Muthisse corporizam o debate num dos jornais da praça. O semanário Domingo também debateu as 3 gerações num dos seus mais recentes editoriais. Entro no debate na convicção de que ao se destacarem alguns marcos e gerações do nosso devir histórico não se pretende, de forma alguma, desvalorizar a acção de outras gerações que contribuíram, a longo termo, para a cristalização da ideia que hoje temos de Moçambique, a nossa Pátria Amada.
Considero também que, ao debater esta questão há que ter presente um facto incontestável: houve neste país uma geração que teve um privilégio inigualável. O privilégio de lutar pela conquista da independência. De lutar pela reconquista da dignidade nacional e da soberania. Pode-se assim dizer que a geração do 25 de Setembro teve uma acção e mérito únicos, irrepetíveis e decisivos na configuração da história da pátria. Do que posso deduzir da literatura (Jean Penvenne, We are all Portuguese: challenging the political economy of assimilation, e Aurélio Rocha, Associativismo e nativismo em Moçambique: contribuição para o estudo das origens do nacionalismo mocambicano) a maioria dos proto-nacionalistas que Machado da Graça cita despertou para a necessidade da luta pelo tratamento não discriminatório quando se apercebeu que os direitos que pensava que tinha não eram respeitados, no contexto do propalado conceito de portugalidade. Esta forma de ver os desafios de então viria a ser ultrapassada pela geração do 25 de Setembro. Pode-se dizer até que esta luta pela integração e igualdade de direitos, nesse discutível conceito de portugalidade, não incluía a esmagadora maioria do nosso povo. Reconhecidamente, há nos escritos de alguns desses precursores textos de indignação veemente pelas servícias a que estava submetida a maioria do nosso povo que incluíam o trabalho forçado, o imposto de palhota, as deportações e as punições humilhantes – se os direitos porque lutavam tivessem sido reconhecidos, a sua acção política subsequente só pode ser objecto de especulação e conjecturas académicas. O que é facto, porém, é que a ter tido sucesso, a luta protagonizada pelos proto-nacionalistas traria ganhos apenas para uma pequena minoria de assimilados e alguns mestiços. Existe, portanto, uma diferença abismal entre luta pela independência e a luta por direitos cívicos dentro de um sistema de dominação estrangeira.
Ademais, há um aspecto que Machado da Graça falha em compreender e que Júlio Muthisse aborda na sua réplica. As fontes (permita-se-me que que use este termo) do nacionalismo devem ter sido várias. Alguns chegaram à consciência nacional evoluindo a partir das reivindicações de igualdade de direitos dentro desse discutível conceito de portugalidade, ou lendo textos dos precursores do nacionalismo moçambicano como João Albazine, José Albazine, Karel Pot, Estácio Dias e outros. Outros chegaram à consciência nacional a partir das suas experiências concretas de dominação e humilhação. Muitos destes não leram nem ouviram falar do Brado Africano. Outros ainda pela sua experiência nos países vizinhos onde o fervor pela libertação era notável. Atrevo-me a dizer que esmagadora maioria dos que corporizaram a FRELIMO pertence a estes dois últimos estratos. Outros ganharam a consciência nacional a partir de um percurso ligado às igrejas protestantes. O próprio Eduardo Mondlane foi produto dos mintlawas que, eram alternativas informais de educação da juventude africana face às restrições práticas e legislativas impostas pelas autoridades portuguesas às igrejas protestantes, através do Estatuto Orgânico das Missões Portuguesas em África, de 1926. Os mintlawas, de acordo com Teresa Cruz e Silva, na sua obra Protestant Churches and the formation of Political consciouness in Southern Mozambique, realizavam “um programa especial de educação da juventude da Missão Suíça, cujo objectivo principal consistia em moldar a personalidade dos jovens dentro de um espírito cristão”. Aqui ensinava-se, entre outras, e sem fugir das tradições dos pastores de gado, da cultura dos povos, e recuperando Tereza Cruz e Silva, as “capacidades como planeamento, organização, auto-suficiência, liderança, disciplina do corpo e do espírito”, o que fazia com que os jovens abrissem os seus horizontes sobre os aspectos sociopolíticos. A isto se junta o movimento de 1949, designado de Lumuku, ou desmame, que consistia em a    
 
:Pos.
   utonomizar a missão suíça em Moçambique para dar origem à Igreja Presbiteriana de Moçambique. O ecumenismo que ganha maior expressão através do Seminário de Ricatla e outros pode ser visto neste contexto de criação de consciência sobre necessidade de independência e de unidade na acção para o seu alcance.
Algumas igrejas protestantes passaram a ser veículos de ideias pan-africanistas e anticoloniais. Esta atitude reflectiu-se através dos hinos cantados durante as orações. Um deles, por exemplo, incitava a África a lutar para sair da inércia em que se encontrava e que, por causa dela, se tornou um “ridículo para todas as nações” porque os seus filhos “são escravos dos estrangeiros”. Uma canção evocativa de Ngungunyane foi introduzida nos cânticos da Igreja Etiópica Luso-Africana, nos anos 30, denunciando as atrocidades coloniais e cantando a angústia de que a população se encontrava imbuída. Recordando Ngungunyane, a canção apelava à revolta e à expulsão dos colonizadores.
Foi destas formações que despontaram, entre outros, nomes de nacionalistas como Gabriel Macávi, Zedequias Manganhela e José Sidumo, tendo os dois últimos sido assassinados pelo regime colonial, que via ameaça na missão das igrejas protestantes de onde estes eram pastores, na sua política de educar o chamado indígena, dotando-o de capacidades analíticas, críticas e de intervenção.
De recordar que as igrejas protestantes, ao adoptarem as línguas moçambicanas como veículos de difusão de informação e formação faziam nascer a auto-estima, o sentido de dignidade e a consciência colectiva de nacionalismo, de pertença, faziam nascer a alma de todo um povo, criavam a revolta positiva e concertada que levou à acção: a criação de uma frente que cresceria na base da sua estruturação celular no seio do povo oprimido. Uma frente que encarnou o sofrimento comum e o ideal da libertação do homem e da terra.
Duvido e muito, repito, que a maioria dos jovens da geração de 25 de Setembro se tenha inspirado nos textos de revolta dos irmãos Albazines no jornal o Brado Africano. Uma grande parte deles inspirou-se no ensino que as igrejas protestantes persistentemente transmitiam, falando directamente para seus corações (usando as suas próprias línguas) em jornais comoNyeleti Ya Misho, da Missão Suíça, escrito em Tsonga, mais tarde substituído pelo Jornal Mahlahle; o Kuxa Kamixo, escrito em tshwa, ligado à Igreja Metodista Episcopal, e o Djambu da África, escrito em ronga. Estes jornais, inspirados por figuras como João Thomaz Chembene, Samsom Chambale, Lindstrom Matite e Benjamim Augusto Moniz estes fundadores do ANC de Moçambique, nos anos 1920, bem como Mot Sicobele, entre outros, transmitiam o ideal de libertar o homem e a terra. Voltemos à Tereza Cruz e Silva mesmo a terminar que diz: “Embora orientados para os interesses dos crentes e das igrejas, os jornais vernáculos publicavam notícias sobre a actualidade política da época” e prossegue “tomando partido do facto de os portugueses serem hostis às línguas africanas e portanto na maior parte dos casos incapazes de compreender o verdadeiro sentido das mensagens transmitidas (...) os jornais publicaram análises sobre a situação política em Moçambique e o mundo, defendendo muitas vezes posições políticas que jamais poderiam ter sido apresentados em língua portuguesa, jogando assim um papel de intervenção social”. É também daqui, e muito daqui, que nasceram verdadeiros nacionalistas, uma Geração de sonhadores que acreditaram na utopia de gerar uma nação. Houve, certamente, outras fontes do norte a sul do nosso país, entre todos os grupos étnicos e sociais. Houve, também, outras personalidades que inspiraram a geração do 25 de Setembro no desencadeamento da luta de libertação nacional.
Não posso pois concordar com Machado da Graça quando faz da periodização da história um exercício baseado nas emoções, em afectividades e em datas cronológicas. Concordo com Júlio Muthisse quando sugere uma periodização baseada em marcos que delimitam processos históricos que marcam decisiva e profundamente o nosso devir histórico. A primeira geração que, sem dúvida imprimiu uma marca indelével na história de Moçambique e do mundo é a geração do 25 de Setembro. A geração do 8 de Março foi continuadora audaz de todo este processo. Esperamos que, também a geração da viragem, da qual faço parte, venha a marcar a história do nosso país com páginas de ouro. 
Amosse Macamo

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QUARTA-FEIRA, MARÇO 17, 2010

GERAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA OU GERAÇÃO DE FRUSTRADOS ? (Réplica à João Mosca)

Por: Rossana Fernando 
  
 Mais uma vez em Moçambique de férias em Nhamatanda, pertinho das cheias, mas com a minha querida familia, depois de mais uma jornada de trabalho e pesquisas pelas vilas mais desfavorecidas do continente Africano eis que deparo-me com os semanários de Maputo, onde a política e os negócios continuam a ser o prato forte desta pátria que me viu nascer e da qual me orgulho. 
  
 O texto que mais me interessou foi de um tal de João Mosca, que escreve uma coluna intitulada economicando, intitulado Geração da Independência, li-o três vezes para tentar perceber o alcance do seu texto, que em suma revendicava que, para além das gerações de 8 de Março e do 25 de Setembro, existia uma outra geração da independência. O colunista João Mosca da ainda a perceber nas entrelinhas que ele é parte desta geração da independencia, 
  
 Não sou perita de conceptualizações de gerações, mas sei que a geração do 25 de Setembro, a tal geração que lutou e libertou Moçambique do colonialismo tem como ponto de referência o dia 25 de Setembro de 1964, mas as ideias do nacionalismo em Moçambique começaram a vingar entre finais da década 50 e princípios da década de 60. Pela minha humilde percepção esta geração vai até ao ano da independência, ou seja 1975. 
  
 A Geração 8 de Março tem o seu ponto mais alto em 1977, no entanto, esta geração vem de antes de 1977, tendo-se tomado o 8 de Março de 1977 como um ponto de referência para uma geração que assegurou a independencia e a reconstrução de um moçambique pós-colonialismo. Esta é a geração que actualmente dirige o país, independentemente se esteve ou não naquela reunião em que o Presidente Samora Machel decidiu que era necessário assumir o desafio de consolidar a independencia nacional, ou se hoje identifica-se ou não com este ou aquele partido. 
  
 Mosca assume que há um esquecimento da geração da independencia, a pergunta é: porque é que o 8 de Março de 1977 não pode ser o ponto de referência dessa geração se os propósitos que defende são os mesmos ? 
  
 Os porta-vozes da geração 8 de Março provavelmente saiam de uma associação que foi criada por jovens dessa geração cuja adesão não limita a ninguem, muito menos ao Sr João Mosca. Não percebo porque faz uma grande associação entre a geração 8 de Março e aquilo que apelida de nomenklatura. Estará a dividir ou a criar conflitos no seio de uma geração? Com que objectivo ? Que eu saiba uma geração não é um grupinho de pessoas, mas sim toda uma classe de pessoas que vive e marca determinado momento da história. 
  
Que povo é esse que foi esquecido em 1977 quando Samora Machel discursou publicamente fazendo um chamamento à nação para um desafio do momento ? 
 A nova Geração da Independencia existe na mente do Sr João Mosca, mas tem que perceber que esta geração a que se refere e a que veio logo a seguir tem o epicentro no 8 de Março, uns eram mais velhos outros mais novos, mas era uma geração de jovens que iriam construir os alicerces do Moçambique pós-independencia. Tudo o que diz sobre a geração da independencia que João Mosca alega é o mesmo em relação a geração 8 de Março, envolvimento no projecto nacional de construção de uma nova nação. 
  
 Hoje são todos cidadãos na casa dos 50 anos, e tal como bem diz o Mosca muitos tornaram-se ou já eram membros da FRELIMO. Alguns deixaram de o ser, pelo menos desta FRELIMO. Por isso não vejo diferenças e não percebemo o alcance de João Mosca. 
  
 Estranhamente João Mosca fala de elites da geração da independencia (vou passar a chamar de sub-geração da independencia para facilitar até a mim própria na interpretação), jovens de origens sociais e raças diferentes, entregaram-se generosamente e mesmo ingenuamente a causas nobres, mesmo que idealistas uma sociedade justa, de igualdade de oportunidades, desenvolvida, moderna, apenas constituída pela raça humana, sem exploração. Não percebi também onde pretende chegar com esta sua discriminação de grupos. Afinal quem eram as elites do pós-independencia sr Mosca ? 
  
 As interpretações que existem em torno de algum grupo que o Sr João Mosca tentou criar com o seu texto provavelmente sejam resultado da discriminação que faz e que se fez ao longo dos anos deste grupo em relação aos demais, pensando que eram os senhores todos poderosos do império, achando que eram os únicos e eternos pensadores dessa geração e que só eles chegariam a tal nomenklatura que hoje não reconhecem. 
  
 Os pequenos-burgueses, esquerdolas e outras interpretações que o João Mosca faz referência encaixam-se naqueles compatriotas que não estavam interessados na independencia nacional em 1975, mas sim na exploração do novo regime para benefícios próprios. Estes concidadãos colocaram-se cinicamente do lado de Samora Machel e contra o colonialismo pensando que seriam os únicos assimilados que poderiam no futuro tomar conta da nomenklatura, mas para o seu azar esta geração 8 de Março, da qual não assumem, estranhamente, fazer parte, conseguiu provar que é possível viver sem os tais branquelas de esquerda e saudosistas camufulados . Acredito que não é o caso do Sr Mosca que mal conheço, mas é bom que saiba disto. 
  
 Não há nenhum espaço para uma geração da independencia quando temos uma geração 8 de Março, não façam confusão na mente dos mais jovens da geração da viragem, sob pena de a cada dia vir a público uma nova Mosca, Mosquito ou Abelha revendicar uma nova geração. Os Portugueses não têm absolutamente nada a ver com os pontos de referência das gerações 25 de Setembro e 8 de Março, a não ser o facto de les terem sido o mote destas gerações. O Dia 25 de Junho é o dia da independencia Nacional e não dia de geração alguma. 
  
 O Senhor João Mosca diz que existem nomes da sub-geração da independencia de reconhecido mérito e honradez, mas não cita nenhum. Agradeciamos que nos ajudasse a identificar, quem sabe tenham melhores argumentos para não assumirem que fazem parte da geração do 8 de Março. 
  
 A dado passo do seu texto o Senhor João Mosca diz que:  A grande maioria, porque não negros e que lutou pelo people empowerment, foi objecto do black empowerment silencioso mas eficaz. A maioria adaptou-se e hoje, possivelmente, agradecem esse black empowerment. Estará a dizer que a grande maioria desta sub-geração da independencia era de não negros? Está a falar de Moçambique ? de Lourenço Marques ? 
  
 Definitivamente Sr João Mosca, não tenho poucos receios de dizer que pretende desistabilizar toda uma geração com o seu texto,  que é um divisionista de primeira linha, que tem uma elevada dose daquilo que em muitas partes do mundo chama-se dor de cotovelo. Infelizmente estou pouco tempo na Cidade da Beira e não tenho oportunidade de estar em Maputo para conhecê-lo pessoalmente e dizer estas palavras de frente. 
  
 Não faço parte de nenhuma elite e talvês esteja também mais para a geração de 8 de Março do que para a “nova” geração da viragem, mas o Sr João Mosca demonstrou no seu texto algumas tendências discriminatórias de alto gabarito. Em alguns países por onde tenho circulado humildemente e com muito esforço pessoas como estas são motivo de uma repreensão muito forte por destrato ao legado dos países. Sei que neste Moçambique que pouco me vê por perto há uma grande libertinagem de imprensa e de opinião que permite que gente frustrada com a independencia e com o desenvolvimento diga em bom som que não há desenvolvimento e que os principais símbolos da Nãção não servem para eles, mesmo sendo pessoas que vivem, ganham salários gordos e abusam usando dinheiros públicos, e ninguem pia. 
  
 Sr João Mosca, saudosistas tentam a todo o custo recolonizar Moçambique desde 26 de Junho de 1975, um dia após a proclamação independencia, portanto há 35 anos. Nós os Moçambicanos tivemos mais de 500 anos de colonização, portanto, como pode perceber o nosso timming e o destes cidadãos é diferente. Não me venha hoje com estorietas de geração da independencia com uma maioria de não negros.

Fonte: O País 16.03.2010

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SEGUNDA-FEIRA, MARÇO 15, 2010

Retratando as causas do elevado custo de vida em Moçambique

Por Gustavo Mavie


Maputo, 13 Mar (AIM) – Nos últimos tempos, quase todos os moçambicanos que vivem do salário, se queixam do elevado custo da vida, mas por aquilo que percebi são poucos os que sabem porque é que de repente passaram a ser homens e mulheres com bolsos ou bolsas furadas.

Que a vida está pesada para muitos é um facto inegável. Para tentar diagnosticar este problema que se reflecte pelo sumiço do dinheiro nos bolsos da maioria dos moçambicanos, decidi fazer uma aventura investigativa, valendo-me dos parcos conhecimentos económicos que aprendi na escola e de alguns dados visíveis mesmo para quem é leigo em questões económicas ou que não seja economista.

Da minha análise apurei como sendo uma das causas o facto de a maioria dos moçambicanos pagar actualmente pelos mesmos produtos básicos quatro vezes mais comparativamente há 15 ou 20 anos.

Este é o caso do arroz, cujo preço, há 15 anos, variava de 150 a 300 meticais, em função da sua qualidade, ou seja se era primeira, segunda ou terceira qualidades. Mas hoje o seu preço varia de 600 a 1.200 meticais.

O mesmo ocorre com a maioria dos produtos que integram a chamada cesta básica ou cabaz, e outros que, embora estejam fora deste grupo, são imprescindíveis à nossa dieta e saúde.

Com este facto, chega-se facilmente à conclusão que mesmo para os que viram os seus salários aumentar quatro ou mais vezes, esse incremento salarial traduz-se naquilo que em teoria económica se chama de aumento nominal, porque em termos realísticos, o seu salário real é o mesmo que há 15 ou 20 anos.

Assim, para quem há 15 anos ganhava 5.000,00 meticais e que passou a auferir agora 20 mil meticais, continua a auferir o mesmo salário em termos reais, porque a diferença de 15 mil meticais que agora aufere a mais, gasta-os na aquisição do mesmo cabaz que comprava quando ganhava 5.000,00 meticais, ou seja, a mesma quantidade de arroz, óleo, sabão, amendoim, peixe, frango e outros bens básicos.

Dito isto de um modo mais simples, este cidadão passou a ganhar mais 15 mil e que somados aos 5 mil que auferia antes, passou a comprar hoje os mesmos produtos que adquiria antes.

Assim, apenas teve um aumento de massa monetária e não um aumento real que possa lhe permitir levar uma vida melhor comparativamente há 15 anos.

Na verdade, a vida hoje está um “pesadelo” para a maioria dos moçambicanos, porque sempre que ocorre um aumento do salário mínimo e, por inerência disso, os restantes salários aumentam também numa função exponencial, o que os nossos agentes económicos têm feito é aumentarem também os preços dos produtos básicos na mesma proporção, como se o incremento salarial desempenhasse o papel de catalizador do custo desses bens.

Isto mostra que grande parte da nossa classe empresarial é desonesta, para não a rotular com outros nomes que a meu ver lhes seria bem mais merecido.

De resto, não é por acaso que temos hoje simples comerciantes a viverem em majestosas mansões e a coleccionarem luxuosas limousines e outros bens de luxo. É a revelação, isso sim, em ponto grande, do que tiram dos nossos bolsos.

Estes comerciantes agem de uma forma oportunística e a prova disso é o aumento imediato do preço dos produtos no mercado sempre que ocorre uma revisão salarial no país, como se o incremento salarial seja um catalizador dos preços dos seus produtos.

O que é espantoso e revelador dessa sua tendência de roubar do bolso dos consumidores, é o facto de a maioria dos produtos a venda, tais como o arroz, ser importado de outros países, daí que não faz sentido que eles aumentem o seu preço logo que haja um incremento salarial, como se os exportadores ficassem sempre atentos aos incrementos salariais em Moçambique.

O DILEMA DE GANHAR O MESMO SALÁRIO QUANDO SE TEM NOVAS DESPESAS INEVITÁVEIS E OUTRAS EVITÁVEIS

Também cheguei à conclusão que não é apenas o salário real da maioria dos moçambicanos que é matematicamente igual há 15 ou 20 anos porque, como agravante, passaram a ter mais despesas inevitáveis e que não tinham naquela altura.

Entre as referidas despesas contam-se o pagamento das propinas dos filhos na escola e universidade privadas que há 20 ou 15 anos eram todas públicas e gratuitas, a despesa da consulta nas clínicas privadas e aquisição dos respectivos medicamentos que, nesse tempo das “vacas gordas”, eram levantados gratuitamente nas farmácias dos hospitais públicos, mas que agora são espécie difícil senão rara de encontrar.

Na verdade, esta lista de novas despesas inevitáveis é tão longa que me escuso de enumerar tudo o que agora temos que pagar, mas que nessa altura era de borla ou então pagávamos valores simbólicos, como é o caso das rendas das casas da defunta APIE que as alienou aos privados, e que já são arrendadas a preços de ouro pelas pessoas que as compraram a um preço insignificante.

Outra despesa que faz das nossas vidas um verdadeiro inferno é a construção de casa própria, que antes era atribuída pela APIE em troca de uma renda condizente com o que se ganhava e não com o valor do imóvel. Hoje temos de construí-la por nossa própria conta com o mesmo salário real que se ganhava há 15 ou 20 anos, ou então com base num crédito bancário que nos custa uma pesada letra entre 10 e mais de 20 anos a pagar.

Entre as novas despesas que há 20 anos não faziam parte dos nossos gastos, conta-se a compra dos celulares e respectivos créditos que nos permitem falar, combustível para a viatura que antes não tínhamos e que, em muitos casos, adquirimos também através de um empréstimo bancário que nos consome mensalmente o já magro salário.

Na verdade, a letra que resulta de um empréstimo para o chamado consumo é dos piores “cancros” que enfrentamos hoje, porque é o mesmo que passarmos a ganhar menos do que devíamos.

Um empréstimo só não é pesado quando se destina a investir num negócio lucrativo e que nos ajuda a amortizar. De contrário, torna-se num fardo para quem se endivida para a compra de um bem, pior para um carro que, além da letra que se tem de pagar, consome combustível e exige uma manutenção periódica.

Mas para que este estudo seja o mais completo possível ou abrangente, há que incluir outros gastos que embora sejam caprichosos, são uma das causas que deixam alguns de nós sem “taco” no bolso, como é caso dos nossos Zumas confessos e não confessos, porque para além das despesas já enumeradas, eles têm outros encargos extras, porque têm de comprar outros celulares e créditos para todas as suas esposas e as suas “catorzinhas”, havendo os que vão muito mais além, a ponto de as comprar também carros e combustível para os terem sempre em movimento.

Mas há 20 anos, as “alfas” e “pitas”, como se chamavam então as concubinas e as “catorzinhas” de hoje, custavam apenas um par de sapatilhas plásticas da marca Melissa, que se compravam então em dólares nas chamadas lojas francas.

Contudo, as concubinas e as “catorzinhas” exigem hoje mesadas, propinas, construção de uma casa condigna para elas ou pelo menos uma alugada.

Se somarmos as antigas e novas despesas, acabam nos deixando os bolsos totalmente vazios e sem sabermos o que fazer da vida. Isto porque, o que aqui enumerei é apenas uma pequena parte do que temos de pagar todos os dias e meses.

Por exemplo, há 20 anos, as pessoas não tinham o desgastante fenómeno do encurtamento das distâncias pelos chapeiros. Só este caso fura os bolsos de muitos moçambicanos, principalmente para os que pagam para si e para os filhos menores que têm de ir à escola todos os dias.

Há 20 anos, podia-se viajar com o mesmo valor de um ponto para outro da cidade do Maputo nos autocarros dos TPM, e no caso dos operários e estudantes, desfrutavam de um forte desconto ou tarifa especial que os “chapeiros” agora nem querem sequer ouvir falar.

QUE SAÍDA PERANTE ESTE BECO SEM SAÍDA?

Na verdade, de um modo geral, não há saída que nos ilibe totalmente da carestia de vida, mas de qualquer modo, é possível reduzir os gastos, limitando o que se tem de comprar. Tudo passa por fazer contas à vida como se sói dizer.

Uma das despesas que se pode evitar é a dos celulares, em que um pai ou mãe podem não comprar celulares para todos os seus filhos. Outra saída, no caso dos celulares, é fazer poucas chamadas e optar sempre pelo envio de sms´s ou mesmo voltar a dar preferência ao telefone clássico, o chamado fixo.

Para o caso dos bens básicos de consumo, deve-se optar pelos mais baratos mas sem descurar a qualidade.

Por exemplo, o molho de amendoim pode ser um substituto à caríssima carne de vaca e do peixe. Outra das formas de evitar gastos desnecessários é evitar fazer festas onerosas, tais como as de aniversário.

Para isso, devemos adoptar o estilo dos ocidentais em que uma festa é mais um convívio de pessoas da família e amigos para celebrar juntos uma data especial e não para esbanjar, e assim evitam incorrer em gastos exorbitantes como é prática em muitas famílias moçambicanas.

Pessoalmente, já estive em festas que me fizeram recordar as famosas ceias dos tempos do Império Romano, em que os convidados tinham de ir aos vomitórios para vomitar o que haviam comido, para abrir mais espaço nas suas barrigas para poderem continuar a comer porque a comida nunca mais acabava.

No lugar de fazermos festas sempre que o pai, a mãe ou os filhos completarem anos, poder-se-ia optar por uma única festa de aniversário e nele se fazer a festa de cada um e todos os membros do agregado familiar.

De certa forma, esta prática até dá mais um tom de graça e um ambiente mais festivo do que se gastar muito dinheiro numa única festa de aniversário.

Outrossim, em vez de cada membro da família pegar no seu carro mesmo quando todos vão para a mesma direcção e sentido, há que se passar a optar por usar o mesmo carro, para poupar o combustível e minimizar o desgaste da viatura.

Com este modo de vida, chega-se a poupar muito dinheiro num ano, que acaba servindo para aplicar em coisas mais úteis e prestáveis.

É imperioso que cada um de nós saiba de cor e salteado a tese de Honeré de Balzac, de que só quem se priva de certas coisas pode poupar.

“Vamos a isso gente”, como dizem os brasileiros, porque sem poupança, não há economia familiar e, sem economia das famílias, o próprio país não pode desenvolver, porque é do que se poupa que se pode fazer um investimento.

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