quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Rússia volta a investigar “um dos grandes mistérios da sua história recente”. O que aconteceu em fevereiro de 1959?


Os nove estudantes foram encontrados semanas depois de terem desaparecido, nos Montes Urais, na antiga União Soviética.

Tinham experiência, estava longe de ser a primeira expedição dos nove esquiadores russos, mas houve qualquer coisa que não correu bem. Foram descobertos várias semanas depois, a 500 metros das tendas, uns apenas meio vestidos, outros sem sapatos e outros, ainda, com roupas que não eram as suas. A um dos jovens faltava a língua, outros tinham ferimentos na cabeça e uma das tendas tinha um grande rasgão na parte de dentro. O que aconteceu afinal? É isso que o governo russo pretende descobrir, quase 60 anos depois

Eram jovens e experientes e quiseram ir esquiar para os Montes Urais, na antiga União Soviética, em fevereiro de 1959. Antes de chegarem ao seu destino, porém, decidiram pernoitar junto de uma montanha chamada a Montanha da Morte, nome que viria a revelar-se, no mínimo, curioso. Não voltaram a ser vistos e os seus corpos foram encontrados várias semanas depois, em momentos diferentes e em estados que viriam a aterrorizar aqueles que tiveram conhecimento do incidente e da descoberta — a um dos jovens encontrados faltava a língua, outros tinham ferimentos na cabeça, quase todos estavam apenas meio vestidos, uns sem sapatos, outros com roupas que não eram as suas. Foram localizados a 500 metros do local onde haviam montado o acampamento. Uma das tendas, a maior, tinha um grande rasgão na parte de dentro — sinal de que abandonaram as tendas à pressa, eventualmente fugindo de algo que nunca se soube o que era.
Foram apresentadas várias teorias. Alguns investigadores disseram-se, na época, absolutamente convictos de que os nove jovens, sete homens e duas mulheres, estudantes no Instituto Politécnico dos Urais (hoje designado Universidade Técnica de Ecaterimburgo, cidade esta que é a quarta maior da Rússia e localiza-se a leste dos Montes Urais), foram atacados pelos Mansi, uma tribo indígena que habitava à época aquela região. Outros defenderam que o grupo foi assassinado por prisioneiros fugidos de uma prisão ali perto ou que foram mortos pelo KGB ou por alienígenas, ou que foram vítimas de um teste soviético para a criação de uma nova arma, daí os níveis de radiação (hipótese lançada por um jornalista local que investigou a história durante anos), ou que, se calhar, afinal, o que teria acontecido fora que se mataram uns aos outros.
Nenhuma das principais hipóteses colheu apoiantes, seja porque o lugar onde foram encontrados estava bastante distante da zona que os Mansi consideravam sagrada e intocável, seja porque não havia nenhum estabelecimento prisional ali perto.

“UMA FORÇA ELEMENTAR IRRESISTÍVEL”. AVALANCHE, FURACÃO OU O QUÊ?

Prevaleceu, por outro lado, a teoria de que foram vítimas de uma “força elementar irresistível”, que tanto pode ter sido uma avalanche como um furacão. O caso foi arquivado desta forma, os familiares dos jovens nunca acreditaram, não se conformaram, e lutaram durante anos para que o processo fosse reaberto.
Ganharam a batalha: na sexta-feira passada, a procuradoria da região de Sverdlovsk anunciou que, embora a investigação criminal tenha terminado, e quanto a isso não há volta a dar, pretende-se de novo saber o que aconteceu exatamente naquele fevereiro de há 60 anos. “Qualquer pista criminosa foi excluída”, afirmou Alexander Kurennoy, porta-voz do gabinete do Procurador-Geral, citado pela agência de notícias russa Tass.
“Se os colegas da região de Sverdlovsk, com a ajuda de especialistas, chegaram à conclusão de que na origem da morte dos estudantes esteve um fenómeno natural, então uma tragédia similar poderá voltar a acontecer e é preciso evitá-la”, acrescentou, justificando assim a decisão de voltar ao caso que é considerado “um dos grandes mistérios da história recente da Rússia”, e que foi contado, com as suas limitações, em filmes, séries e livros ou serviu de inspiração para tal. No próximo mês, vários investigadores e especialistas vão deslocar-se ao local e vão ser feitas nove avaliações, incluindo um exame forense.
Passo Dyatlov, assim ficou conhecido o incidente, em referência ao nome do líder do grupo, Igor Dyatlov. Aconteceu exatamente na noite de 1 para 2 de fevereiro. O acampamento fora montado a cerca de 10 quilómetros de uma vila chamada Vizhay, local de destino dos nove estudantes e do seu guia. Ninguém sabe por que decidiram pernoitar ali, junto à Montanha da Morte, e sobretudo o que os levou a sair das tendas de forma aparentemente sobressaltada. Cinco dos cadáveres foram encontrados logo em finais de fevereiro, a uns 500 metros das tendas, e os restantes quatro em maio, quando a neve já começara a derreter e a visibilidade melhorara.
Os arquivos do caso só passaram a estar disponíveis para consulta a partir da década de 1990, derrubada a União Soviética, o que veio adensar ainda mais as dúvidas em torno da história. Yuri Yudin, o único sobrevivente da expedição — voltara para trás a meio do caminho porque ficou de repente doente — chegou a dizer à imprensa local que se tivesse oportunidade de falar com os amigos a única coisa que lhes perguntaria seria: “O que aconteceu?”. É isso que toda a gente quer saber.

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