23.02.2019 às 18h23
Num trabalho da Newsweek México, especialistas internacionais consideram que a disputa venezuelana não é apenas pelo modelo político, mas também pelo acesso a matérias primas a médio e longo prazo
A última edição da revista Newsweek México publica um artigo intitulado “Venezuela: a disputa para lá da política”, no qual se escreve que aquela é uma nação “onde não está em jogo apenas o futuro dos 31 milhões de habitantes, mas também de várias das matérias primas mais cotadas do planeta”.
Num texto assinado por Ana Lilia Pérez, jornalista e escritora mexicana, várias vezes premiada, autora de inúmeras reportagens sobre temas de corrupção, lavagem de dinheiro ou migrações, começa-se por fazer um enquadramento da importância económica e estratégica da Venezuela para melhor se entender o conflito que neste momento está a colocar o país nas primeiras páginas dos jornais e em destaque nos noticiários televisivos.
Bem dotada de recursos naturais, a Venezuela, segundo a Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP) possui as maiores reservas petrolíferas do mundo, estimadas em 300 mil milhões de barris. É um valor superior ao que possuem em conjunto todo o continente americano e a região Ásia-Pacífico. Apenas a Arábia Saudita se aproxima, com uma previsão de 260 mil milhões de barris. O problema é que o país desenvolveu um modelo rentista, com “exuberantes bonanças e severas crises” ao longo da sua história. Sobre aquele modelo, explica o sociólogo e analista Franco Vielma, “foi construído um tecido económico parasitário e dependente da renda petrolífera. Isso gerou uma inércia em que até a empresa privada se acomodou para captar renda, sem gerar bens para exportar e romper o ciclo”.
Acontece que a Venezuela, prossegue o artigo da Newsweek, para lá das enormes reservas de gás natural, “perfila-se como a segunda reserva mundial de ouro”, com umas sete mil toneladas. Nas suas minas encontra-se um mineral negro e opaco considerado essencial para a tecnologia do século XXI, o coltan, uma mistura de columbita e tantalita, indispensável para fabricar telemóveis inteligentes e dispositivos eletrónicos portáteis.
Face a este vasto património de recursos naturais, escreve Ana lilia Pérez, “o que está em disputa na Venezuela, aparentemente, não é só o seu modelo político”, mas como considera Vielma, “o equilíbrio e o acesso a matérias primas a médio e longo prazo entre as velhas potências ocidentais e o mundo emergente”.
Como pano de fundo para toda a crise, o sociólogo menciona o facto de nos últimos vinte anos, a relação comercial da Venezuela, que até então era quase exclusiva com os EUA e a Europa, se ter incrementado noutras frentes.
Na opinião de Franco Vielma, a Venezuela lida com a debilidade estrutural de ser ainda um país mina. “Tem um modelo rentista que condicionou o seu próprio desenvolvimento. A sua relação comercial é o reflexo dessa tendência: serviu para acentuar a dependência do país na importação de bens e isso caracteriza a sua economia de exportação quase exclusiva de crude e outros derivados”.
Dependência absoluta dos EUA
Para lá da referência ao facto de durante cem anos a Venezuela ter tido uma dependência absoluta dos EUA em tudo quanto diga respeito ao desenvolvimento da produção petrolífera, o artigo cita Ana Esther Ceceña, coordenador do Observatório Latinoamericano de Geopolítica e doutorada em relações económicas internacionais pela Universidade de Sorbonne, que sublinha a circunstância de “a posição geopolítica da Venezuela” ser, por acréscimo, “estratégica para os EUA”, para quem será fundamental assegurar o acesso a estas importantes reservas petrolíferas, “porque isso lhes permite colocar-se face a resto do mundo como uma tremenda força com possibilidades, inclusive, de enfrentar guerras durante tempo prolongado”.
E a guerra, é, por estes dias, uma série possibilidade, face ao que se tem vindo a passar nos últimos tempos na Venezuela. Esse é um dos alertas deixados na Newsweek por Ana Esther Cecenã quando sublinha que a atual situação vivida naquele país “é absolutamente induzida” e similar ao que aconteceu no México “com a famosa guerra contra o narco, que o que fez foi romper todo o tecido social, criar condições de impunidade absoluta e de saque total”.
Há, em todo este processo, um problema de pesos e contrapesos e de equilíbrio internacional, com a Rússia e a China metidas ao barulho. Não por acaso, o sociólogo Franco Vielma prevê que “se a Venezuela voltasse à orbita estadounidense isso condicionaria severamente o acesso de certos países àqueles recursos e produzir-se-ia uma rutura nos equilíbrios globais que hoje fazem contrapeso às inércias impostas pelo Ocidente”.
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