Os líderes dos EUA e da Coreia do Norte voltam a encontrar-se numa cimeira, desta vez no Vietname. Trump pode acenar com o fim formal da guerra da Coreia e um corte nas sanções, mas é difícil que Kim abdique das armas nucleares.
A improvável amizade entre um Presidente norte-americano e um supremo líder norte-coreano começou em Junho de 2018, com uma cimeira histórica em Singapura, um paraíso fiscal asiático no centro da alta finança e líder em quase todos os índices de desenvolvimento. Oito meses depois, Donald Trump e Kim Jong-un voltam a encontrar-se esta quarta-feira, no Vietname, um país que serve de melhor exemplo para aquilo que os EUA prometem à Coreia do Norte em troca da sua desnuclearização: uma economia em progresso constante graças à ajuda americana a um Governo comunista que foi em tempos considerado inimigo.
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Foi esse o cenário para a Coreia do Norte que o Presidente norte-americano traçou nos últimos dias, antes da sua partida para Hanói, onde chegou esta terça-feira. E, na quarta-feira à noite, terá oportunidade de o dizer a Kim, num jantar reservado que antecede uma quinta-feira de intensas negociações.
"O Presidente Kim percebe, talvez melhor do que qualquer outra pessoa, que sem armas nucleares o seu país poderia rapidamente tornar-se uma das grandes potências económicas em todo o mundo. Por causa da sua localização e do seu povo (e dele), tem mais potencial para um rápido crescimento do que qualquer outra nação!", disse Donald Trump no Twitter.
Ao mesmo tempo, o Presidente norte-americano foi baixando as expectativas em relação ao que espera do outro lado na cimeira. A palavra "desnuclearização" continua lá, como objectivo a longo prazo, mas nos últimos dias parece ter dado lugar a um objectivo mais pragmático: "Não tenho pressa. Só não quero que façam testes [nucleares e com mísseis]. Enquanto não fizerem testes, estamos contentes", disse Trump no domingo.
A suspensão dos testes com armas nucleares e mísseis intercontinentais é a única concessão conhecida da Coreia do Norte desde a primeira cimeira entre Trump e Kim, em Junho de 2018. E, na verdade, esses testes acabaram vários meses antes do encontro em Singapura – o último foi em Setembro de 2017 e o último ensaio com um míssil aconteceu em Novembro do mesmo ano.
Um objectivo, dois conceitos
A declaração final da primeira cimeira foi discreta e vaga, o oposto da espectacular coreografia que Trump e Kim ofereceram aos repórteres de imagem em Singapura. Nessa altura, os dois líderes trocaram elogios e declarações de confiança num futuro melhor, mas as palavras que ficaram escritas foram mais cautelosas, em particular no tema da desnuclearização: "O Presidente Kim Jong-un reafirmou o seu firme e inabalável compromisso com a total desnuclearização da península coreana."
À semelhança do que aconteceu no ano passado, não se espera que a cimeira no Vietname venha a ficar na história das relações entre os EUA e a Coreia do Norte pelos seus resultados – por enquanto, a grande diferença em relação ao passado é que os líderes dos dois países estão sentados à mesma mesa, frente a frente.
"Para se entender a natureza desta discussão, é importante perceber uma coisa com clareza: a Coreia do Norte não admitiu desarmar-se", disse Jeffrey Lewis, especialista em armamento nuclear e professor na Universidade de Middlebury, nos EUA.
Num texto publicado no site da revista Foreign Policy, Lewis explica o que significa "desnuclearização" para cada uma das partes: "A Coreia do Norte usa uma frase específica – a desnuclearização da península coreana –, que se refere tanto às armas nucleares americanas como às norte-coreanas. Quando Kim Jong-un se refere à desnuclearização – tal como o seu pai e o seu avô faziam –, essa declaração é um desejo. A melhor analogia é o discurso de Barack Obama em Praga, em que se comprometeu com a paz e a segurança num mundo sem armas nucleares. Ninguém, à excepção dos mais tolos detractores do Presidente, acreditou que era um compromisso para desarmar os Estados Unidos de forma unilateral."
Mudança de estratégia?
Afastado o cenário de uma desnuclearização unilateral por parte da Coreia do Norte, a cimeira desta semana pode ficar na história com uma declaração formal do fim da Guerra da Coreia – a península coreana permanece tecnicamente em guerra, uma vez que apenas foi assinado um armistício, e não um tratado de paz.
Mas até essa possibilidade está a ser vista como uma oferta importante de mais para o que a Coreia do Norte pode dar. Os críticos da estratégia do Presidente Trump dizem que Kim fica com mais um trunfo na manga se as negociações azedarem: com a península oficialmente pacificada, a Coreia do Norte pode exigir com mais autoridade o fim da presença militar norte-americana na Coreia do Sul.
A não ser que o objectivo a longo prazo dos EUA, que está inscrito na política para a Coreia do Norte há décadas, esteja a ser substituído pela Administração Trump: em vez da desnuclearização, apenas uma abertura económica e o fim dos testes e das ameaças. Em troca, Kim receberia a declaração do fim da guerra, o levantamento das sanções e a abertura de relações diplomáticas.
"Eu acho que vale a pena [fazer esse acordo], apesar de termos de ser honestos em relação aos limites desta abordagem", diz Jeffrey Lewis na Foreign Policy. "Significa que temos de aprender a viver com a brutal tirania que Kim usa para manter o seu poder."
Afinal, recorda o especialista, a Coreia do Norte tem "a bomba". "É assim que funciona a dissuasão. Se Saddam Hussein ou Muammar Khadafi tivessem concluído as bombas deles, talvez ainda estivessem por cá."
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