Têm 20 e 18 anos e aproveitaram umas férias da família para fugirem para a Austrália. Intercetadas em Hong Kong, vivem há cinco meses de hotel em hotel, com medo de serem apanhadas e enviadas para casa. A morte pode ser um dos castigos
Reem e Rawan têm 20 e 18 anos, são sauditas, mas estes não são os seus verdadeiros nomes. Vestiram pela primeira vez calças de ganga há apenas cinco meses, quando cumpriram um plano que começaram a desenhar há dois anos: fugirem da Arábia Saudita, da violência da família e do poder exercido pelos homens. Foram intercetadas no aeroporto de Hong Kong quando estavam prestes a entrar num voo em direção à Austrália. Esperam desesperadas por um visto que lhes permita viver num país seguro.
As duas irmãs já mudaram 13 vezes de hotel: os homens da sua família viajaram até Hong Kong para as irem buscar, mas Reem e Rawan recusaram encontrar-se com os familiares. Acreditam que se voltarem para casa correm risco de morte.
As irmãs aceitaram falar com um jornalista da CNN - de rosto tapado e com abaya, as vestes muçulmanas destinadas às mulheres e que lhes cobrem o corpo inteiro. Não querem ser reconhecidas, apesar da grande coragem que demonstraram ao encetarem uma fuga tão arriscada.
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A fuga aconteceu a 6 de setembro de 2018, quando as duas irmãs estavam de férias com a família em Colombo, no Sri Lanka. Antes de partirem, já tinham preparado tudo, sabiam que não iriam regressar a casa. Se fossem apanhadas, enfrentavam uma pena pesada e até a morte, algo comum na Arábia Saudita quando uma mulher desafia o Islão.
Uma escala de duas horas transformou-se em longos meses
As irmãs relatam anos de abusos físicos em casa e renunciaram ao islamismo mesmo antes de fugirem. Roubaram os seus passaportes aos pais, esconderam as abayas e compraram online um voo de Colombo para Melbourne, via Hong Kong, onde iriam fazer uma escala de duas horas.
No entanto, desconheciam a ligação que um dos seus tios mantinha com o Ministério do Interior saudita. Assim que saíram do avião, dois funcionários do aeroporto pediram a Reem e Rawan que os acompanhasse. As jovens desconfiaram mas os funcionários disseram que as irmãs iriam perder o avião para a Austrália. Não era verdade.
Segundo o defensor das jovens, o advogado especialista na área dos direitos humanos Michael Vidler, a SriLankan Airlines identificou os homens como Naeem Khan, gerente da estação da SriLankan Airlines, e Noman Shah, membro da equipa de agentes de terra da Jardine Aviation Services.
O voo da Cathay Pacific para Melbourne foi cancelado sem o conhecimento ou autorização das irmãs e substituído por dois lugares num voo da Emirates para Riade, via Dubai.
A companhia aérea Sri Lankan Airlines disse à CNN que o voo foi cancelado devido a um "pedido explícito" do consulado saudita. O pai das duas irmãs teria telefonado a dizer que aquelas tinham de voltar para a Arábia Saudita "o mais rápido possível", já que a mãe estava a morrer com uma doença terminal. Mas as jovens sabiam que isso era mentira.
Voo para Melbourne e vistos de turista cancelados
O cônsul da Arábia Saudita em Hong Kong apareceu no aeroporto e isso deixou as jovens em pânico. O visto australiano foi cancelado, e descobriram que já nem sequer tinham voo para a Austrália. Pegaram nos passaportes e saíram do aeroporto, onde apanharam um autocarro para a cidade.
"Somos apenas jovens mulheres normais a tentar encontrar uma vida longe da violência", justificam. As duas chegaram a ser interrogadas durante seis horas pela polícia de Hong Kong. Queriam que estas se encontrassem com os familiares - homens - mas as irmãs recusaram e voltaram a recusar, até que as autoridades foram obrigadas a deixá-las no hotel.
"Desde a minha infância, eu sabia que aquela não era a minha casa. Eu sempre soube que iriam roubar os meus direitos", diz Reem. Já Rawan aponta a enorme diferença entre rapazes e raparigas.
"À medida que fui crescendo vi os meus irmãos a fazer o que queriam, a ter o que desejavam. Já eu tinha de ser uma boa menina, uma boa mulher, casar com alguém - com um primo - porque nem podia sonhar em escolher o meu marido", diz Rowan. O que as duas irmãs querem parece simples, mas é impossível no seu país.
"À medida que fui crescendo vi os meus irmãos a fazer o que queriam, a ter o que desejavam. Já eu tinha de ser uma boa menina, uma boa mulher, casar com alguém - com um primo - porque nem podia sonhar em escolher o meu marido", diz Rowan. O que as duas irmãs querem parece simples, mas é impossível no seu país.
"Eu quero estudar e trabalhar naquilo que eu quiser e escolher o dia em que vou casar. Quero ter o direito de não casar", resume Rowan.
Príncipe herdeiro tem tentado modernizar o país
O príncipe herdeiro Mohammed Bin Salman está, no entanto, a introduzir mudanças no país, também devido a um esforço de mostrar ao mundo que a Arábia Saudita se quer modernizar.
Em 2015, as mulheres puderam votar pela primeira vez, além de também terem tido a oportunidade de serem candidatas em eleições municipais.
Desde junho de 2018 que as mulheres já podem conduzir automóveis e no mesmo ano a jornalista Weam Al-Dakheel tornou-se a primeira mulher a apresentar o noticiário da noite, na televisão estatal.
No ano passado, as mulheres puderam pela primeira vez assistir a jogos de futebol em três estádios do país, e depois de 35 anos de interdição a Arábia saudita autorizou a abertura de salas de cinema.
No final de 2017, a televisão estatal emitiu um concerto pela primeira vez desde 1979. Até então, a televisão só podia transmitir música religiosa.
Apesar deste progresso, as mulheres continuam a não poder viajar para o estrangeiro ou a abrir uma conta bancária sem a autorização de um tutor do sexo masculino. Continuam a ser obrigadas a estar sempre acompanhadas, em público, por um homem: o pai, o marido ou outro familiar.
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