Médico, amigo de Eduardo Barroso, antigo deputado do PSD e ex-vice-presidente de Bruno de Carvalho, Torres Pereira e o presidente do Sporting separaram-se em 2017. Mas a zanga começou dois anos antes.
Médico, ex-deputado pelo PSD durante sete anos, ex-presidente da Câmara de Sousel e primeiro presidente da Associação Nacional de Municípios. Artur Torres Pereira, de 67 anos, saltou para a ribalta do universo leonino após ter sido nomeado líder de uma Comissão de Gestão com 11 nomes que ocupará, de forma transitória, o papel que estava destinado a Bruno de Carvalho e restantes membros do Conselho Diretivo (agora reduzidos a sete). Ele que, quando era membro da Lista B, mostrava “fascínio” em relação àquilo que Bruno de Carvalho traria para a presidência — quem é Artur Torres Pereira e como é que passou de aliado a opositor de Bruno de Carvalho?
A história, que recua a 2013, conta-se em poucas palavras. Ainda no primeiro ano do mandato inicial de Bruno de Carvalho no Sporting, e com as coisas a correrem da melhor forma em termos desportivos e financeiros (com tudo aquilo que isso traz de forma indireta, como o aumento exponencial do número de sócios), houve uma decisão particularmente complicada em termos internos que o Conselho Diretivo dos leões, “escudado” pela maré favorável que estava a conseguir, teve de tomar: reformular por completo o conceito dos núcleos do clube.
Foi aí, entre 2013 e 2014, que o atual presidente do Sporting e Artur Torres Pereira, vice presidente com essa pasta (com Bruno Mascarenhas, seu vogal), mais trabalharam em conjunto. E a coisa resultou, ao ponto de haver na própria Direção quem ficasse admirado com a grande eloquência com que o médico escolhido para liderar a comissão de gestão de Marta Soares elogiava o então presidente-amado-por-todos.
Um ano depois, talvez pouco mais do que isso, a relação tinha esfriado. Três anos depois, não existia. Quatro anos depois, chegou ao ponto de estar cada um do seu lado da trincheira.
A alteração dos estatutos em 2015 acabou por ser a gota de água que fez transbordar um copo que esteve sempre equilibrado. Torres Pereira nunca foi propriamente aquilo que se pode denominar de “braço direito do presidente”, até por uma questão geracional (como o são Carlos Vieira, Rui Caeiro, Luís Roque ou Alexandre Godinho, por exemplo), mas havia respeito de Bruno de Carvalho pelo vice e até uma certa admiração do antigo deputado do PSD pelo seu líder. Sobretudo depois da batalha que foi ganha nos núcleos: Torres Pereira e Bruno Mascarenhas, cientes dos objetivos que o clube pretendia alcançar, moldaram o plano (com novo regulamento, auscultação de várias sensibilidades, etc.).
Bruno de Carvalho deu o “empurrão” final ao utilizar os números que entretanto se tinham apurado para explicar a necessidade de fazer essa mudança de fundo: 90% dos sócios dos núcleos não eram associados do clube e a Loja Verde teve uma receita de apenas 120 mil euros. Que aconteceu mesmo, tendo como linhas gerais a obrigatoriedade de serem todos filiados no clube (com a possibilidade de terem a quota de escalão C, mais barata), de começarem a ser nomeados da mesma forma e de assumirem outro papel no crescimento dos leões.
Só que em 2015, pouco depois de meio do mandato, Bruno de Carvalho quis voltar a mexer nos estatutos, tal como já tinha feito em 2013 e em 2014. Torres Pereira não concordava com as alterações, considerando que já se estava a entrar por um caminho que não era de reforço do clube em termos institucionais mas sim de reforço do presidente e dos seus poderes, que se começavam a confundir ou sobrepor, na sua ótica, aos restantes.
Nessa reunião antes da Assembleia Geral de aprovação, o vice esteve ausente; a seguir, fez questão de deixar uma declaração de voto dizendo que não concordava com as mudanças. No entanto, o comboio já tinha passado. Esse e os seguintes. E foi com naturalidade que o “divórcio” foi selado nas listas para o novo elenco, em 2017.
De Bruno de Carvalho, dizia: “Vai ser o mais fascinante presidente do século XXI”
Artur Torres Pereira era, porém, um devoto apoiante de Bruno de Carvalho durante a candidatura da então Lista B, de Bruno. “Bruno de Carvalho vai ser o mais fascinante líder desportivo e presidente de um clube de futebol do século XXI“, dizia, em declarações citadas pelo Record. O objetivo de Torres Pereira e Bruno de Carvalho era um: “devolver o Sporting às grandes vitórias”. E Bruno era o homem certo para o atingir.
Na altura, o antigo líder da Associação Nacional de Municípios dizia que o clube teria “de mudar muito para ser apetecível” para os investidores e já deixava a ideia de que essa mudança teria de passar pela “reestruturação da dívida com a banca credora”: “Esta negociação vai ser feita com a calma, tranquilidade e profundidade que a situação exige. Chega de cigarras a cantar. Este é o tempo de as formigas fazerem o seu trabalho”. A opinião foi mudando, a perceção de tudo o que se estava a passar também. E enquanto o também médico e amigo Eduardo Barroso defendia Bruno de Carvalho, Torres Pereira deixara de acreditar.
Uma entrevista dura: “Se o presidente está muito doente…”
Desde que saiu do Sporting em termos oficiais (antes era vice-presidente mas tinha um papel já pouco relevante a nível de grandes decisões), Artur Torres Pereira, que chegou a substituir Bruno de Carvalho nos discursos protocolares pelo peso em termos institucionais que tinha, falou apenas uma vez aos microfones. Uma única vez. Mas falou numa entrevista ao Público/Renascença que acabou por ser marcante e que caiu mal junto do presidente verde e branco, que se sentiu ofendido pelo teor da mesma.
“Isto é uma crise muito séria, muito profunda, da responsabilidade do presidente do Sporting. Ele diz que há um linchamento, mas também não tem razão. Ninguém quer linchar Bruno de Carvalho – o que houve foi um sobressalto cívico dos adeptos e associados, indignados com a falta de respeito do presidente para com os jogadores e treinador, preocupados com as consequências das atitudes e comportamentos menos próprios do presidente e com o impacto dessas atitudes na vida económica, social, desportiva e financeira do clube”, defendia nessa conversa, antes de colocar o dedo na ferida.
Se me perguntar o que se vai passar a seguir, diria que há um facto muito importante para isso: toda a gente diz que o presidente do Sporting está muito doente. E, a ser verdade, esse facto não pode pôr em causa a continuidade da gestão do Sporting, porque estamos a falar da SAD, que é cotada em bolsa, estamos a falar de uma situação financeira com empréstimos obrigacionistas que se vencem, com acionistas, etc, etc.”, declarava o atual presidente da Comissão de Gestão que governará o clube.
“Se é verdade que o presidente está muito doente, foi até o dr. Eduardo Barroso que o disse, que estava em burnout, isto obriga a uma decisão. Numa empresa, um presidente do Conselho de Administração que esteja em burnout, há decisões que decorrem deste diagnóstico. E se é o insuspeito dr. Eduardo Barroso que faz o diagnóstico, então a terapêutica tem de ser apropriada. Mas é o Conselho Diretivo que tem de tomar as decisões. Isto agora, nos próximos tempos, porque, repito, o Sporting precisa de paz, a equipa de tranquilidade, os sócios têm de se acalmar”, destacou.
Vai tentar “inverter um ciclo que envergonha” os sportinguistas
A escolha de Artur Torres Pereira para presidir a comissão de gestão que substituirá provisoriamente a Direção de Bruno de Carvalho (que está suspensa) não deixou de ser uma notícia que causou surpresa. Primeiro, porque na equipa de Torres Pereira está uma figura mais conhecida e consensual entre os adeptos do Sporting: Sousa Cintra, antigo presidente que liderou o clube de forma carismática num período em que o Sporting teve uma das melhores equipas de futebol da sua história (com Paulo Sousa, Balakov e outros talentos em campo).
O ex-líder, que marcou presença na última final da Taça de Portugal no Jamor, chegou mesmo a ser apontado à presidência da comissão de gestão pela imprensa e por Bruno de Carvalho, que revelou no seu Facebook que Sousa Cintra, que até apoiou Bruno de Carvalho no passado, já andava “a tentar ligar” a pessoas dizendo ser “o presidente da putativa comissão de gestão”. Não se confirmou.
Mas há mais motivos para a escolha ter sido surpreendente. Desde logo, a pouca (para não dizer nenhuma) notoriedade de Artur Torres Pereira no universo leonino, particularmente relevante quando se soube que o político e ex-presidente do Sporting Pedro Santana Lopes foi convidado para presidir à comissão de gestão (mas recusou) e que o cirurgião e ex-presidente da Mesa da Assembleia Geral Eduardo Barroso também recebeu um convite para integrar a equipa.
Torres Pereira, contudo, está próximo do meio em que se move Jaime Marta Soares e em que se movem alguns dos elementos desta comissão de gestão: o da política, que Marta Soares, ex-autarca de Vila Nova de Poiares (eleito pelo PSD), conhece bem. O facto de se ter falado nos bastidores de nomes como Miguel Relvas e António Pires de Lima como possibilidades para integrar esta comissão de gestão (o que não se verificou), resultará daí.
Numa equipa de 11 elementos onde apenas um, Sousa Cintra, pode ser chamado de “notável” (pela notoriedade que tem entre sportinguistas, não pela ligação ao status quo do Sporting e ao chamado roquettismo, o nome dado à linha que José Roquette implementou no Sporting e a que os sucessores Dias da Cunha, Soares Franco e Godinho Lopes tentaram dar seguimento), estão ainda Luis Marques, jornalista e antigo administrador da RTP e Sic; António Sá Costa, professor universitário; Silvino Sequeira, ex-autarca; Jorge Gurita, militar de carreira; Alexandre Cavalleri, empresário, entusiasta das modalidades leoninas e antigo sponsor do judo do Sporting; Rui Moço, antigo gestor bancário e economista; Pedro Reis, advogado; António Rebelo, mais um antigo vice-presidente de Bruno de Carvalho; e José Leitão, gestor com passagem pela administração da empresa Media Capital.
Na conferência de imprensa de apresentação da equipa, este sábado, Artur Torres Pereira afirmou que tem como objetivo ajudar a “inverter o ciclo de acontecimentos improváveis” que o Sporting tem vivido e que “envergonha os sportinguistas”.
O primeiro objetivo é encontrarmos a forma ideal de trabalhar. Estou rodeado de pessoas livres, sérias, competentes e com idoneidade profissional. Dentro deste enquadramento, o ponto de partida é organizarmo-nos, tendo como objetivo estratégico sermos mais eficientes para levar a cabo a missão transitória que temos”, apontou ainda.
“Está na hora de os sócios despertarem de vez e tomarem os destinos do clube nas duas mãos, para devolver a esperança ao clube e pôr fim a este ciclo que nos envergonha, começando por um presença massiva na AG de dia 23 [AG de destituição] e noutra que ocorrerá o mais cedo possível e na qual um novo ciclo se abrirá”, afirmou o novo homem forte da gestão do Sporting, referindo-se, neste último momento, à Assembleia Geral para eleição dos órgãos sociais demissionários (Conselho Fiscal e Disciplinar e Mesa da Assembleia Geral).
“A nossa prioridade é gerir o clube até que os sócios do Sporting ponham um fim e invertam este ciclo, para que possamos respirar”, afirmou ainda Torres Pereira. Acusando Bruno de Carvalho de tentar disfarçar a atual situação “com novas promessas e falsas ilusões”, disse: “Pode-se enganar algumas pessoas durante algum tempo, e pode-se enganar muitas pessoas durante muito tempo, mas não se pode enganar todas as pessoas durante todo o tempo”.
Apesar de Torres Pereira e a sua comissão de gestão terem ficado apenas com o controlo temporário do clube e não da SAD (não podendo, portanto, controlar as decisões relativas ao futebol profissional do Sporting, que continua sob a égide de Bruno de Carvalho e do seu recuperado homem-forte para o futebol, Augusto Inácio), o novo líder (temporário) do clube afirmou que lutará pela “preservação e valorização” dos ativos futebolísticos do Sporting.