Xavier Uamba
EU SOU FÃ DE GUEBAS
Por Elisio Macamo
Deixem o homem em paz!
Em Moz quase tudo é permitido desde que não encaixe na definição de “corrupção”. Você pode dedicar a sua vida política a destruir o que outros fazem, a atrasar a evolução do País, a mandar matar centenas de pessoas, mas como nenhuma dessas coisas encaixa na “corrupção” você vai se safar, sobretudo se você não tiver responsabilidades governamentais. Você pode dilapidar o erário do seu partido ou mesmo ser proprietário de minas sem que tenha herdado dos seus pais ou trabalhado para tal. Se, pelo contrário, você tem ideia do País que gostaria que Moçambique fosse e, para esse efeito, você arrisca a ira dos que pensam saber melhor, sobretudo porque eles têm a faca e o queijo na mão sem nenhum plano de deles se desembaraçarem, você está lixado. Você não se pode permitir nenhum erro e, mais grave ainda, o seu pior inimigo vai ser o seu próprio compatriota que acha que hostilizando-o cai nas graças do “amigo” de fora.
As dívidas ocultas não foram um bom negócio. Sabemos isso hoje. A forma como foram contraídas e a aparente ingenuidade dos que as negociaram são uma licção que o País inteiro deve aprender. Eu que sou fã de Guebas percebo porque foi assim. Percebo porque ele deve ter pensado que devia fazer as coisas à revelia do Parlamento e dos doadores. Se você governa um País sob tutela financeira de pessoas que não são necessariamente melhores do que os seus próprios técnicos, mas têm a prerrogativa de dizer não ao que você quer fazer, pode ser que você desconfie dessa gente e pense, por exemplo, que quando dizem não, não é porque a sua ideia seja má, mas sim porque não querem que você se desenvolva. Não corrige o que correu mal, mas relativiza. Aliás, o que está a acontecer em Cabo Delgado e as propostas que agora surgem para ajudar a resolver o problema sugerem que a ideia pode não ter sido assim tão má.
Há dois equívocos na origem da diabolização de Guebuza. Todos eles têm a ver com a indústria do desenvolvimento. O primeiro é a própria ideia do desenvolvimento. Aquilo não é ciência porque, francamente, ninguém pode dizer com certeza o que é preciso fazer para se ter o desenvolvimento. O que tornou possível o desenvolvimento dos que hoje nos ajudam não pode ser replicado. Pior: o seu sucesso está irremediavelmente ligado ao nosso fracasso. É um pouco como no campeonato de futebol. Se a sua equipa é despromovida você pensa que foi por causa da inépcia dos dirigentes ou do treinador. A verdade, porém, é que o campeonato exige a despromoção de duas equipas. Não há nenhuma lei da natureza que diz que todos vamos ser desenvolvidos. Não existe nenhum algoritmo na base do qual você vai fazer a coisa certa para ter os resultados certos. Por vezes até você pode fazer a coisa errada e se sair bem. Estão aí os tigres asiáticos que se corromperam até não dar mais e hoje subiram de divisão. Está aí o Ruanda a cuspir na democracia e nos direitos humanos... estão aí os chineses com um capitalismo de Estado. Portanto, avaliar o desempenho dum líder político com base numa coisa que saiu mal é a pior maneira de querer aprender dos próprios erros.
O segundo equívoco consiste em pensar que aqueles que nos ajudam são nossos amigos. Não são. Também não são nossos inimigos. Eles, como nós, não sabem como se faz o desenvolvimento. Eles pensam que sabem apenas porque são desenvolvidos e têm dinheiro. O problema é que nesse processo eles elevam o desenvolvimento ao estatuto duma religião, portanto, com dogmas, profecias e pecados. Um desses pecados é a corrupção. Mas se não fosse a corrupção seria uma outra coisa a “impedir” o desenvolvimento, sei lá albinos ou comer tseke. Sistemas que partem do princípio de que conhecem o fim da história precisam sempre dum mau da fita para se protegerem contra a sua própria falibilidade. E uma vez encontrado o mau da fita são implacáveis com ele. Nisso contam com a colaboração de outros desgraçados. Não íamos aplaudir as execuções públicas naqueles tempos? Aqueles “reaccionários” eram os “corruptos” do sistema de crenças que vigorava nesse tempo. Nkwame Nkrumah, Patrice Lumumba, Thomas Sankara e outros grandes líderes do nosso continente não foram só vítimas do Ocidente. Foram também traídos pelo seu próprio povo completamente convencido de que eles eram a fonte de todos os seus problemas.
A crença e a fé são mais importantes do que o pensamento crítico nesta coisa do desenvolvimento. Mesmo quando você é suficientemente sensato para saber que aquela história da imaculada conceição está mal contada, você ignora para não pôr em perigo todas aquelas outras coisas que tornam o mundo intelegível para si. A ideia de que alguém pode dizer como se desenvolve um País e que, na verdade, pode se inspirar na história dos outros é simplesmente fantástica e você, se for sensato, sabe que é fantástica. É como filho de rico que teve as oportunidades que teve na vida por ser filho de rico andar aí a pregar estudos, trabalho árduo, leituras, etc. como o conjunto de coisas que todo o indivíduo deve fazer para poder ser rico também. O que ele não conta é se a riqueza dos seus pais, e a forma como foi alcançada, não comprometeu a possibilidade de os outros pais também serem ricos. Ele não vai considerar a hipótese de que as cartas estruturais estejam viciadas e que a riqueza não esteja ao alcance de todos. Não estou a dizer nada de novo. Gerações de acadêmicos que me antecederam, gente como Walter Rodney, Samir Amin e pessoal da América Latina como o ex-Presidente brasileiro, Fernando Henriques Cardoso, reflectiram muito sobre esta problemática e chegaram à conclusão de que a África tinha sido, na verdade, subdesenvolvida ou que nunca se desenvolveria dentro do sistema económico mundial tal e qual ele estava estruturado. Você não precisa de concordar com eles, apenas tomar nota.
Pensar que o País está mal por causa das dívidas ocultas e que, por isso, Guebas deve ser punido é credulidade. Já em 1999 quando o País todo celebrava a nossa confirmação como um País realmente muito pobre (lembro-me do título do jornal Notícias em Setembro de 1999), eu abanava a cabeça e achava estranho que poucos estivessem cientes de que aquilo só nos permitia estar em condições de nos endividarmos. Volvidos vinte anos o único que o FMI e o Banco Mundial nos ajudaram a fazer bem foi endividar bem o País. Já mesmo antes das “dívidas ocultas” o nosso endividamento era insustentável. Não sei o que leva pessoas sensatas a pensarem que instituições que em trinta anos não conseguiram se tornar supérfluas vão nos ajudar realmente a ficarmos melhor. E com isso não quero dizer que a ajuda que nos deram não tenha sido boa. Quero apenas dizer que estas coisas são complicadas. Passar a sua vida focalizado no “mal” que um indivíduo fez ao País e acender velas e incenso para que um dia seja levado ao tribunal é, se me permitem, uma atitude infantil. E imbecil, no fundo.
A História não vai julgar Guebuza. Vai julgar a legião de réplicas de Barrabás que surgem e crescem a olhos vistos na Pérola do Índico. Pessoas que não têm a coragem de pensar um Moçambique sem tutela e, por isso, diabolizam quem tem essa ousadia.
Ariel Sonto "Aliás, o que está a acontecer em Cabo Delgado e as propostas que agora surgem para ajudar a resolver o problema sugerem que a ideia pode não ter sido assim tão má."
Ok
GerirOk
Domus Oikos Perder tempo a escrever inutilidade e outros perdem tempo a ler.
Quem mais perde tempo não é quem escreve, mas quem lê. Quem escreve sabe porque escreve...pra estar onde está... a sua história... o dono do post sabe... por isso ele perde tempo com razão. Nos outros não.
GerirQuem mais perde tempo não é quem escreve, mas quem lê. Quem escreve sabe porque escreve...pra estar onde está... a sua história... o dono do post sabe... por isso ele perde tempo com razão. Nos outros não.
Zulficar Mahomed Não pode estar em pleno gozo de faculdades mentais.
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