segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

“Se passei por isto, não foi apenas para evitar ser preso durante 99 anos num país que nunca visitei”

Lauri Love:

DAN KITWOOD/GETTY IMAGES

Chegou ao liceu mas desistiu do liceu, trabalhou numa exploração de perus mas saiu da exploração de perus, frequentou duas universidade - uma em Inglaterra e outra na Escócia - mas abandonou as duas a meio do curso por razões de saúde, as mesmas que levaram agora o Tribunal Superior de Londres a decidir pela sua não extradição para os EUA, onde é alvo de um processo por acesso ilegal a um servidor de uma agência do Pentágono, conspiração, pirataria informática e roubo de identidade agravado. Lauri Love tem uma depressão grave e síndrome de Asperger, uma forma atenuada de autismo

Foi uma pequena vitória no meio do negrume que se avizinha. Lauri Love, o “hacker” britânico acusado de entrar nos sistemas informáticos das Forças Armadas norte-americanas, da NASA e da Reserva Federal viu a justiça britânica dar-lhe razão quanto aos riscos associados à sua eventual extradição para os EUA para ser julgado. Com um historial e quadro clínico de depressão e síndrome de Asperger, uma forma atenuada de autismo, o Tribunal Superior de Londres considerou, depois de ouvir a opinião de dezenas de psiquiatras que trabalharam em prisões norte-americanas, que se o ativista britânico fosse extraditado iria ter o fim que o próprio antecipou - isto é, iria acabar por se suicidar.
À saída do tribunal esta segunda-feira, Lauri Love falou brevemente aos jornalistas mostrando-se satisfeito com a decisão que “afeta evidentemente” a sua vida: “Se passei por isto, não foi apenas para evitar ser raptado e preso durante 99 anos num país onde nunca estive, mas sim para abrir um precedente e evitar que aconteça isto a outros”. Se houver suspeitas de crime, continuou o “hacker” britânico, “a pessoa em causa deverá ser julgada no Reino Unido”. “A América não pode continuar a tentar exercer a sua exorbitante jurisdição extraterritorial.” Enquanto falava, Lauri Love tinha ao seu lado a namorada e alguns apoiantes, aos quais, minutos antes e no interior do tribunal, foi dito para se manterem calmos. “Isto é um tribunal, não um teatro”, dissera o juiz responsável por julgar o caso, Ian Duncan Burnett. O hacker britânico deverá então ser julgado no Reino Unido.
Lauri Love tem 33 anos e nasceu na vila de Stradishall, no condado de Suffolk, leste de Inglaterra. O pai, a quem foi buscar o apelido - chama-se Alexander - trabalha como capelão na HM Prison Highpoint North, prisão situada naquela vila e onde também trabalha a mãe do “hacker”, Sirkka-Liisa Love, nascida na Finlândia. Depois de desistir do colégio e de trabalhar numa exploração de perus, Lauri Love pediu nacionalidade finlandesa e esteve no Exército finlandês durante seis meses, até declarar-se objetor de consciência e ser transferido para um serviço alternativo ainda dentro do exército, onde esteve outros seis meses. Depois disso, frequentou duas universidades - Universidade de Notthingham, na Inglaterra, e Universidade de Glasgow, na Escócia - não tendo completado nenhuns dos cursos devido a problemas de saúde. Em 2011, participou nos protestos estudantis contra os cortes na educação e encerramento de alguns cursos que culminaram com a ocupação durante sete meses de um edíficio nas instalações da Universidade de Glasgow, o Hetherington House, assim designado em homenagem a Hector Hetherington, que foi diretor daquela universidade de 1936 a 1961. No mesmo ano, participou numa marcha, batizada Marcha pela Alternativa (“March for the Alternative”) e organizada pelo sindicato nacional britânico, o Trades Union Congress (TUC), contra os cortes na despesa pública anunciados pelo governo de coligação de David Cameron e Nick Clegg. Um site dedicado à defesa de Lauri Love garante que ele foi um das 150 pessoas detidas pela polícia britânica nesse dia.
Foi em 2013 que Lauri Love foi detido na casa onde vive com os pais, em Suffolk, pela Agência Nacional do Crime (NCA, na sigla em inglês), depois de alegadamente ter entrado nos sistemas informáticos das Forças Armadas norte-americanas, da NASA e da Reserva Federal. entre 2012 e 2013. O britânico é alvo de um processo nos Estados Unidos por acesso ilegal a um servidor de uma agência do Pentágono, conspiração, pirataria informática e roubo de identidade agravado.
Esta segunda-feira, o escritório de advogados Kaim Todner, que representa o “hacker” britânico, saudou em comunicado a decisão do Tribunal Superior de Londres, sublinhando que “o sistema judicial britânico decidiu que devem ser as autoridades a resolver o problema, em vez de aceitar os pedidos do governo norte-americano”. “O sistema reconheceu também que a assistência de saúde mental nas prisões norte-americanas não é suficientemente adequada para garantir que Lauri não sofreria um prejuízo grave em caso de extradição”, lê-se ainda no texto.

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