Roberto Julio Tibana is with José Jaime Macuane and 9 others.
Ai está! Viva a Mulher Africana de coragem!
O prémio Mo Ibrahim foi para a Sra. Ellen Johnson Sirleaf da Libéria, primeira mulher a ser eleita presidente em África!
Estive lá, vi e testemunhei. Foi no primeiro mandato. Participei em todos os Conselhos de Ministro que ela dirigiu, desde que eu estivesse na Libéria. Composto quase todo ele de homens, exceto quatro mulheres, com a Presidente Ellen Johnson Sirleaf a cabeça, depois a Ministra das Finanças, Ministra da Justiça, e a Ministra do Comércio. O resto eram homens. A capacidade de liderança ia também nesta ordem. Aquelas quatro mulheres constituíam uma equipa de rivais, numa competição ferrenha para fazer o melhor para o povo martirizado da Libéria. E como elas comandavam aqueles homens! Era impressionante ver a elas em ação. Era como que fazer parte de uma longa metragem, com todos os dramas, tramas, intrigas, e emoções!
Fiquei até a meio do primeiro mandato dela. Sai quando tínhamos resolvido o problema da dívida Liberiana que não estava a ser paga havia mais de vinte anos! As pilhas já estavam a ficar descarregadas (mas ja tinha cumprido a missao). Foi o regime mais penalizador que passei na minha vida. Eram não menos de 18 horas por dia. A semana terminava as 18 horas de Sábado e começava 14 horas de Domingo depois de a Presidente e a Ministra voltarem da igreja. Eu e a Ministra das Finanças ficávamos no 9o andar do prédio mais alto da cidade e subíamos e descíamos três a quatro vezes por dia. Não havia elevador pois não havia eletricidade de rede e o gerador era tosco. Quando cheguei lá trabalhamos mais de seis meses para trazer para a cidade o primeiro gerador que deu para criar uma linha pública ao longo de meia dúzia de avenidas na cidade, depois de 25 anos sem o país ter energia de rede pública. As 23 horas eu saía do Ministério para casa e encontrava as crianças a fazerem TCP escolar (trabalho para casa) debaixo de postes de iluminação pública. Não tínhamos água (subia ao nosso 9º andar em baldes) nem internet em rede (não havia linhas telefónicas, mas tínhamos operadores de telemóveis que eram excelentes, nada comparado com o que ainda hoje temos aqui). Não havia estradas. A uma distância da cidade de Maputo para Xinavane ou Manhiça tinhas que ir de helicóptero das Nações Unidas. Nós voávamos, mas ela ia de carro, rasgando florestas, não sei como! Uma vez fomos para uma distância de cerca de 200km. Saímos a tarde. No dia seguinte ela tinha chegado de carro e estava a dirigir uma reunião connosco de manhã.
A minha grande angústia foi quando ela apareceu numa cerimonia conjunta com o “filho mais querido de Moçambique” a abrir uma sessão da Bolsa de Valores de Nova York em 2006. Um ato de promoção que constitui um privilégio único e que tem também um objetivo de encorajar as personalidades envolvidas a fazerem a coisa certa pelos seus países ou negócios. E já se viu. O nosso foi na direção contrária, legando-nos dois biliões de dólares de miséria. E ela deixou o legado que hoje o povo da Libéria celebra. Não poderia haver maior contraste: o que uma mulher de coragem e dignidade pode fazer para o seu povo, e o que os homens de ganância podem fazer! Ela “vendeu” o seu coração ao seu povo, mas quem pagou foi o Mo Ibrahim (e a posteriori, não por adiantado como o fazem os que penhoram as nossas riquezas naturaias ainda no sub-bsolo!). O outro penhorou a pátria a agiotas internacionais! Quem vai pagar?
Certamente que houve dificuldades sobretudo a partir do segundo mandato. A tentação de promover a família e alguns grupos parece ter começado a pesar. Mas o “cansaço” político não parece ter comprometido o legado. Eu assisti in-loco como ela resistiu a isso desde o princípio. Muitas vezes a pressão vem de quem te rodeia, alguns mesmo que parecem teus aliados, quando no fim estão lá para tirar benefício de estar próximo de ti, e deixar-te em maus lençóis.
Lembra-me o que o Presidente Kufour do Ghana me disse num encontro privado quando me convidou a ir “ajudar a tratar um assunto” da minha especialidade, também no seu primeiro mandato. Disse assim: “Meu filho [e quando começam assim já podes imaginar o que vem]… o poder é saboroso demais! Eu não sei aonde estarei daquí a cinco anos. Mas vou tentar fazer o meu melhor!” [Isto tornou fácil para mim pedir-lhe para retirar-me todas as escoltas e mordomias que ele tinha posto a minha volta como “guest of the President” e que me embaraçavam muito.] Anos depois voltei lá em outras missões, e vi sim que ele também estava a começar a ter “dificultardes” em controlar as pressões e a “doença” do poder.
Mas destas duas figuras eu sei duma coisa: eles tinham a consciência do problema, e como tinham o coração entregue aos seus povos, e não estavam no poder para se servirem eles próprios e aos seus, resistiram e em larga escala saíram-se bem. Tinham fibra! A matéria-prima necessária para fazer a coisa certa estava lá. E ambos transferiram o poder pacificamente e sem manobras dilatórias. O Ghana tem dado o exemplo da alternância pacífica em Africa, e nas recentes eleições em que constitucionalmente ela já não se podia candidatar, a Sra. Sirleaf até preferiu “silenciosamente apoiar” o George Wea (o famoso futebolista internacional), preterindo o Vice-Presidente dela e com isso assim frustrando o seu próprio partido, que perdeu as eleições e por isso a expulsou das suas fileiras algumas semanas atrás. As razões desse posicionamento dela só ela bem sabe.
Como eu disse na semana passada num meu post em que me referi a Presidente Sirleaf (sem saber que ia a caminho de ganhar o Premio Mo Ibrahim), o meu desespero tem sido que não tenho tido em Moçambique tal mulher de coragem, dignidade e coração “vendido” ao seu povo, a quem iria servir sem reservas!
Fátima Mimbire, aonde estarás em 2024?
Roberto Tibana
RJT-20180212
RJT-20180212
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