domingo, 4 de fevereiro de 2018

BEIRA, CIDADE SACRIFICADA

3 hrs
BEIRA, CIDADE SACRIFICADA
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04-02-2018
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Qualquer pessoa que visite Moçambique e tenha o azar de vir directamente para a Beira, ficará com a triste impressão que o país todo está uma lástima. Se esse visitante apanhar no aeroporto uma viatura que o leve para a baixa, seguindo a via Aeroporto-Macúti, vai encontrar uma rua completamente esburacada, mal tratada e quase impossível de circular com um carro ligeiro. Aí só mesmo um todo-o-terreno. O pior é que é nessa rua que está situado um dos melhores, senão o melhor hotel da Beira, o Golden Resort Hotel. Se o motorista resolver levar o visitante pela via do Alto da Manga, este não terá melhor impressão. Até a actual estrada nacional 6, aqui chamada de auto-estrada – está longe de o ser – a rua do aeroporto tem buracos tão grandes em certos pontos que deixará o turista aterrado e arrependido de nos visitar. Se o motorista simpaticamente resolver mostrar um pouco do Bairro da Manga, já que está tão perto, aí a coisa desaba de vez. Nem camiões e os chamados 4x4 circulam em condições e segurança por este pobre bairro. Mas deixemos o Bairro da Manga para mais tarde.
Depois temos as restantes ruas da cidade. Exceptuando algumas, estão todas também esburacadas, mesmo nos bairros mais nobres como o Macúti e a Ponta-Gêa. Neste bairro andaram há dias a tapar alguns buracos ali para as bandas da residência oficial da governadora da província, mas o resto continua na mesma. Nos outros bairros, como o Maquinino, o Esturro, Matacuane, Pioneiros e Munhava, a situação é caótica. A própria baixa da cidade está uma vergonha. Quem tiver o azar, por exemplo, de circular com um carro pequeno nas ruas da zona do antigo cinema Nacional, provavelmente acabará por cair num buraco tão grande que terá de contar com a boa vontade dos peões para o livrarem dali. E é numa dessas ruas que estão situados dois bons hotéis da cidade, sendo um o VIP.
Depois temos um novíssimo hotel, o Beira Terrace, situado junto à muralha e com uma bela vista para a foz do rio Púngue, recentemente inaugurado, mas cuja via de acesso é desaconselhável a carros que não sejam todo-o-terreno, sobretudo próximo da entrada do Consulado Geral de Portugal. Que impressão terá um hóspede vindo de fora?
E até agora só me estou a referir aos buracos da cidade. E o lixo? Comecemos pela rua do próprio Conselho Municipal, que fica situado no coração da cidade. São montes de lixo espalhados por todos os passeios, é sujidade acumulada durante meses, para não dizer anos, é um cheiro nauseabundo em certos lugares que o turista pouco habituado fugirá a sete pés dali, arrependido de ter vindo para este país.
Mas não se enganem. O problema não está no país, está, que eu saiba, pelo menos nestas dimensões, apenas na cidade da Beira e no seu Conselho Municipal, completamente inoperante, sem capacidade, competência nem vontade para resolver o que quer que seja para o bem dos seus sacrificados munícipes. Das cidades de dimensões razoáveis que conheço em Moçambique – infelizmente não tive a oportunidade de conhecer todas – nenhuma está como a Beira, e conheço algumas: Tete, Chimoio, Maxixe, Xai-Xai, Inhambane e Maputo. Infelizmente nunca visitei Nampula, mas pelo que ouço falar, e sendo uma cidade com mais ou menos as dimensões e características da nossa Beira, está cem vezes melhor, com ruas bem asfaltadas e sem lixos acumulados em todos os cantos como acontece aqui. E quem administrou Nampula nos últimos anos foram pessoas do mesmo partido que administra a Beira, o MDM. Infelizmente o presidente do Conselho Municipal de Nampula acabou assassinado e decorrem, nesta altura, eleições intercalares para substituir o falecido e a sua equipa.
Voltemos agora para um dos piores e mais sacrificados bairros da nossa cidade, para não dizer pior, o Bairro da Manga. Este é composto, na sua maioria, por ruas perpendiculares umas às outras, e todas que estão direccionadas no sentido norte-sul ou vice-versa, são ruas designadas por números ímpares, indo da 1 à 33. As outras, perpendiculares às primeiras, são de números pares, e vão de 2 à 8. Há também a antiga estrada nacional 6, agora substituída pela chamada auto-estrada, que liga o Alto da Manga à passagem de Nível e continua para a Inhamízua e Dondo. Bem, esses números a que me refiro são designações antigas e conhecidas por todos, porque agora as ruas estão designadas por números grandes que ninguém é capaz de fixar, como por exemplo a 3756 (este talvez não exista, é apenas um exemplo para dizer que a numeração é de quatro dígitos) e todos continuam a referir-se aos números antigos, muito mais lógicos e fáceis de memorizar.
Quem tem a infelicidade de viver entre as ruas 4 e 8 e a precisar do carro para trabalhar está completamente sitiado, agora que as chuvas de Fevereiro começaram, pois até à pé tem dificuldades de circular, porque todas as ruas de números ímpares, no sentido norte-sul e que ligam estes quarteirões ao Alto da Manga e, consequentemente, à baixa e outros bairros da cidade, estão na maior desgraça, e muitas já há tempos deixaram de ser consideradas ruas porque as matas e as águas tomaram conta do espaço onde supostamente deveriam circular viaturas. A única excepção é a rua 33, mas que só serve para quem tem acesso à rua 2 e que se liga a aquela, e não para quem vive entre as 4 e 8, onde está a maior parte da população do bairro. A rua 1, que é, ou melhor, foi uma das mais movimentadas e conhecidas, transformou-se num complexo de três lagos que dificultam até a passagem de peões. Quem tem carro terá de esperar alguns meses até que a chuva acabe e as águas dos lagos desçam. Durante a anterior época de chuvas vi muitos infelizes a ficarem com os carros estragados por terem tentado passar pelos três lagos. Afundavam de tal maneira num deles, o que está em frente a antiga Quinta Gama Rodrigues, hoje residência de freiras católicas, que as águas cobriam metade do carro, os filtros de ar chupavam a água e lá se ia o motor. Vi homens adultos de barba rija a chorarem a sua desgraça, encostados às suas viaturas. Mas o prejuízo não era só deles, mas do país todo, uma vez que cada peça mudada, é cada peça importada, e cada peça importada são as nossas poucas divisas a saírem.
E pelo conhecimento que tenho, o Conselho Municipal possui máquinas de terraplanagem que foram compradas há pouco mais de 2 anos para manterem as ruas não asfaltadas em condições, mas só vi essas máquinas a operarem numa ou noutra rua umas duas ou três vezes e depois desapareceram. Nunca mais as vi. Quando alguém ousa reclamar, há sempre alguém do nosso Conselho que vem dizer que tudo será resolvido depois das chuvas, mas desde há três anos a esta parte as chuvas já vieram, já foram, já vieram, foram outra vez e, agora, vieram de novo, e tudo continua na mesma. Isso é, só piora.
E não venham dizer que estou a exagerar porque não terei problemas de sair, andar pelos nossos bairros e, no mínimo, tirar 100 fotografias para documentar tudo o que aqui digo. Aliás, as fotos que documentam este texto foram tiradas há menos de duas horas e são imagens da nossa querida e saudosa rua 1, no Bairro da Manga.
Pobres dos munícipes da cidade da Beira.
AM ™
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