quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Quando os macacos votam, os carneiros perdem o monopólio


ITÁLIA

Quando os macacos votam, os carneiros perdem o monopólio

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Em Portugal, na prática, é impossível um referendo de iniciativa popular. Junte-se a isso um parlamento em que os deputados votam como carneiros e compreende-se o descontentamento com a democracia.
Muito provavelmente, se eu votasse em Itália, teria votado como a maioria votou no referendo. Por uma razão muito simples, num país que num passado recente teve um (Trump) Berlusconi como primeiro-ministro — e que se arrisca, num futuro próximo, a ter um Beppe Grillo a ocupar a cadeira —, é demasiado perigosa a concentração de poderes no partido do governo. Mas, dada a forma como decorreu a campanha, compreendo que muitos europeus tenham ficado desiludidos com o resultado do referendo, vendo nele um voto antieuropeu. E, como sempre acontece nestas ocasiões, com a confusão que esta votação italiana ameaça gerar, logo um coro de vozes se levantou contra o instituto do referendo.
O argumento mais veiculado nesta senda é o de que há assuntos que são demasiado complexos para os cidadãos comuns. Por exemplo, Alexandre Homem Cristo escreveu que “se tornou evidente que os cidadãos (britânicos e italianos) não entenderam inteiramente o que estavam a decidir nem as respectivas consequências da sua decisão.” Não sei bem que evidências tem Homem Cristo. Mas a verdade é que o mesmo pode ser dito a respeito dos nossos representantes políticos. Por exemplo, parece-me evidente que, quando decidiram avançar para a moeda única europeia, os nossos representantes não tinham consciência de todas as consequências da sua decisão. Na Dinamarca, em referendo, os eleitores votaram contra a participação na moeda única, apesar de uma maioria esmagadora do parlamento ser a favor. É assim tão óbvio que a razão estava do lado do parlamento? A Suécia, que se juntou à União Europeia em 1995, propositadamente não cumpre os critérios de convergência para não ser obrigada a aderir ao Euro. Em 2003, em referendo, os suecos reforçaram a sua decisão de não adoptar a moeda única. Em 2008, a Irlanda votou em referendo contra o Tratado de Lisboa. É assim tão evidente que os irlandeses não sabiam o que estavam a votar? Ou, pelo contrário, eles demonstraram bem mais bom senso do que os seus representantes políticos? Mais uma vez, a resposta não me parece óbvia.
Mas, mesmo que aceitasse o argumento de que os políticos são pessoas muito mais inteligentes e bem informadas do que nós, os mortais, daí não decorreria que devessem ser os políticos a tomar estas decisões complexas. A estatística está do lado das multidões. Por exemplo, imaginemos que há que tomar uma decisão muito complicada, com uma imensidão de ramificações inacessíveis ao cidadão comum, como ratificar ou não o Tratado de Lisboa. Suponhamos de seguida que uma mente brilhante, por hipótese, José Sócrates, toma a decisão correcta com uma probabilidade de 99,99%.
Qual a probabilidade de o cidadão comum, pobre coitado, acertar na resposta correcta? Para procurar responder a esta pergunta, tentemos estabelecer um limiar mínimo para essa probabilidade. Imaginemos um macaco. Qual a probabilidade de um macaco acertar na resposta certa? Partindo do princípio de que o macaco não faz a mínima ideia do que está a ser votado, o macaco acertará com uma probabilidade de 50%. Se admitirmos que o cidadão comum é mais inteligente do que um macaco, então a probabilidade de cada cidadão acertar na resposta certa será, certamente, superior a 50%. Consideremos o valor de 50,5%. Ou seja, estou a considerar que a probabilidade de o cidadão comum acertar na resposta certa é marginalmente superior à de um macaco. Com base nestas probabilidades, e admitindo que o voto de cada cidadão é independente do dos demais, podemos calcular a probabilidade de, por exemplo, entre três cidadãos, pelo menos dois deles votarem bem:
(50,5%×50,5%×50,5%)+(49,5%×50,5%×50,5%)+(50,5%×49,5%×50,5%)+(50,5%×50,5%×50,5%)=50,75%.
Se forem 1001 votantes, as contas são as mesmas, apenas mais complicadas. Nesse caso, a probabilidade de que haja uma maioria que vote correctamente é de 62,4%. É fácil de perceber que à medida que o número de votantes cresce, aumenta a probabilidade de se acertar na resposta: para meio milhão de votantes, essa probabilidade é de 99,99999999992%. Ou seja, não precisamos de ser todos génios. Basta-nos estar um pouco acima do macaco. Repare-se que estas contas foram feitas no pressuposto de que existe uma resposta certa. Mas a verdade é que muitas vezes essa resposta nem sequer existe, o que há são interesses, muitas vezes, conflituantes. Quando assim é, ainda mais difícil se torna acreditar que sejam os políticos a saber melhor do que os eleitores quais os seus interesses.
Ao argumento anterior, pode-se acrescentar uma série de outros. Há diversos trabalhos académicos que mostram que as populações que mais vezes votam em referendo são as populações mais satisfeitas com a sua democracia. Estes resultados não são surpreendentes. Há uns anos, no Inquérito Social Europeu, perguntou-se aos cidadãos de 29 países até que ponto era “importante para a democracia” que “os cidadãos tivessem a palavra final em assuntos políticos relevantes votando directamente neles em referendos”. Numa escala de 0 a 10, a resposta média foi de 8,3. É difícil ser-se mais veemente.
É fácil perceber por que motivo tantos políticos são contra os referendos: com estes quebra-se o monopólio dos políticos na tomada de decisões; ficam obrigados a seguir políticas concretas que agradem aos eleitores. Se, ao invés, for fácil aos cidadãos impor um referendo, então os parlamentos são obrigados a prever essa possibilidade quando aprovam leis, tendo, assim, mais incentivos para respeitar as preferências do eleitor comum. Mais uma vez, os resultados da Ciência Política são claros: usando dados quer para os EUA, quer para a Suíça, há trabalhos que demonstram que os locais onde há maior sintonia entre os interesses dos cidadãos e as políticas públicas são os estados e os cantões onde a abertura aos referendos por iniciativa popular é maior. Ou seja, o referendo ajuda a alinhar os interesses dos políticos com os dos cidadãos.
Qual é a situação em Portugal? Por cá, alguém que queira propor um referendo tem de juntar 75.000 assinaturas (dez vezes mais do que as necessárias para se candidatar à presidência da república ou para constituir um partido). Se conseguir, fica sujeito à votação na Assembleia da República. Se aprovado na AR, terá de passar pelo Tribunal Constitucional. Se passar no TC, ainda fica dependente da decisão do Presidente da República. Ou seja, na prática, é impossível ocorrer um referendo de iniciativa popular. Junte-se a isso um parlamento em que os deputados votam como carneiros que obedecem às ordens do pastor e dificilmente se fica espantado com o descontentamento crescente com a democracia portuguesa.
Excelente narrativa e bastante clara em relação ao descontentamento do cidadão comum da política e dos seus agentes.

Primeiro
Ficou claro que a comunicação social está hoje mais ao serviço das elites do que propriamente garantir o dever de informar com isenção. Foi patente nas eleições dos EUA e agora com o referendo de Itália. A tal coisa do populismo, etc. Tentam desvirtuar aquilo que é a vontade da maioria dos cidadãos versus os interesses das elites, sejam elas quais forem.

Segundo
A tese que este artigo apresenta, demonstra bem a relação entre a participação popular via referendo e a satisfação dos cidadãos para com a classe política. Mostrou também que, não que a escolha seja a "certa", mas que a maioria escolheu em sintonia. Para fazer a verificação, vejamos o estado atual da Moeda Única.

Terceiro
A mecânica burocrática que existe em Portugal está bem caracterizada entre a carneirada e os macacos que o autor refere. O que se passou em Itália, e os exemplos da Irlanda, Suécia, Suíça, Dinamarca, etc são impossíveis de se aplicarem em Portugal porque o poder politico e suas instituições têm criado ao longo dos anos aquilo que se pode denominar de Ditadura Democrática. A disciplina de voto nos partidos e a Missão Impossível de um qualquer cidadão anónimo propor um referendo, revelao como o jogo está viciado à partida e que para nós, cidadãos comuns, resta-nos a "santa abstenção" que nada serve a não ser relativizar o resultdado do partido mais votado. 

Não é de estranhar que os nossos politicos cantem vitórias, mesmo com sabor a derrotas, apesar de serem eleitos por um universo muito aquém da representatividade eleitoral. Daí que, ser eleito por 15% ou 20% do eleitorado, é a carneirada (as elites) a manterem o status quo!!
Carlos Santos
51 m
Este artigo é (mais uma vez) patético.
Afinal os resultados das eleições são uma questão de "moeda ao ar".
"Moeda ao ar" viciada para o lado "certo" porque somos mais inteligentes do que os macacos!
Será que isso explica referendos consecutivos com resultados opostos?
E será que explica a eleição de Hitler?
Lógica da batata.
Roger Vilar Russo
1 h
Excelente. Isto é pedagogia política. Talvez um dia volte às urnas mas já não tenho esperança! Portugal é um país que só muda na ponta das baionetas. É pena!
josé maria
1 h
Lá vou eu ter que concordar novamente com o Luís Aguiar-Conraria...
Luis MPP Martins
1 h
Quem ler este artigo fica com a ideia que os resultados dos votos populares tendem para a solução correcta (99.999999%). O autor apenas se esquece que votar é um pouco mais complexo que mandar uma moeda ao ar (com um dos lados ligeiramente mais pesado). O voto popular legitima mas não dá razão. Um artigo redutor e simplista que compara a democracia a um jogo de sorte. 
Zé Ninguém
1 h
Desde que tirei a pinta ao Luís Aguiar-Conraria que leio com mais atenção os seus textos aqui no Observador. Seguramente não os iria ler noutro lado mas aqui têm uma componente diria até educativa. Espero que o Observador não estenda este critério a outros comparsas do referido autor pois este já chega para o efeito. O princípio deve ser estudar o "inimigo", ou melhor, o adversário pois é disso que se trata. As ideias do autor são contrárias à minha se bem que gosta frequentemente das dissimular, como agora. Uma vez apanhado, já não escapa... Este é um bom exemplo da veia manipuladora do Luís Aguiar-Conraria.Na primeira parte insinua que poderia ter votado como o povo Italiano, ou seja, contra o seu PM Socialista. Pois eu duvido muito que esteja a ser sincero quanto à sua afeição. O voto no SIM era o voto de poder para o Renzi e foi contra isso que os Italianos votaram. O Luís Aguiar-Conraria faz-nos querer pensar à posteriori que votaria no NÃO, do seria futuramente o "empowerment" do Beppe Grillo ou quem seja que fique no lugar. Um Socialista parece que não vai ser...O segundo logro é fazer querer pensar que o voto aqui foi como o Britânico, ou seja, anti-europeu... O problema dos países do sul é que são Europeístas para umas coisas e Anti-Europa para outras. Não é assim tão claro. O que importa é que no bolso são muito Europeístas, venha de lá o dinheiro do norte para cá. Quando toca a pagar é que está quieto... não pagamos, não é? Tudo gente séria...E com esta nota chegamos aos referendos. Aqui o Luís Aguiar-Conraria começa logo com uma estocada: "Suponhamos de seguida que uma mente brilhante, por hipótese, José Sócrates, toma a decisão correcta com uma probabilidade de 99,99%". Só pode estar a gozar com os leitores do Observador... vá, gozar não, a usar de alguma ironia... De seguida diverte-se a demonstrar como o populismo é a nova sabedoria! Vamos referendar tudo e mais alguma coisa e, saltando para o última parte, chegar à conclusão que queremos que qualquer grupo de atrasados consiga fazer passar referendos! De facto para chegar aqui, o Luís Aguiar-Conraria nota que quando a democracia está mais próxima dos cidadãos eles estão mais contentes com esta. É com essa nota que ele salta logo para o facto de em Portugal ser particularmente difícil referendar o que quer que seja sem a vontade da Assembleia da Republica. E sabe que mais, desconfio que seja melhor assim mesmo. O Luís Aguiar-Conraria não quis abordar o tema da democracia directa vs a representativa ou dos perigos que daí advém. Bastou-lhe saltar para a conclusão de que os leitores do Observador vão gostar de piada que são uns populistas. Pelo menos este aqui não o é.  
João AntunesZé Ninguém
1 h
O Luís Aguiar-Conraria não quis abordar o tema da democracia directa vs a representativa ou dos perigos que daí advém. 

Não existe democracia directa vs democracia representativa. Mas insistimos sempre no mesmo ponto e mascaramos sempre as mesmas coisas. Quando se diz "Democracia Directa" temos que perceber que isso é uma redundância, pois só existe esta e nenhuma outra. E quando se diz "Democracia Representativa" temos que perceber que esta é uma falácia, pois a representatividade é exatamente o oposto da democracia. Então porque insistimos em chamar de democracia àquilo que são apenas Governos Representativos, exatamente o seu oposto?

Eu compreendo que se eu chamar o pepino de "Melão", ou "de uma forma de Melão" ou ainda de "Melão Ocidental" que talvez consiga com que as pessoas, iludidas com o nome, julguem que aquele pepino possa ser doce. E enquanto não provarem o mesmo poderão continuar iludidas com este. É claro que no momento que provarem irão perceber que este não sabe a nada e nunca mais comprarão.

Assim são os Governos Representativos que têm a necessidade de colar o nome democracia ao seu, para parecerem mais doces, mais amigos das pessoas, para que estas sintam que são importantes, que o seu voto conta, etc, etc, etc... (não esquecer que centenas de milhares de votos nem elegem deputados, são literalmente deitados para o lixo, mas isso são outras histórias). No dia que o nome democracia, abusivamente usado para mascarar aquilo que não é, for retirado do conceito de representatividade, teremos uma revolução.

Por fim, considerar a democracia como algo perigoso, instintivo e populista, como o faz Henrique Raposo no expresso, por exemplo, já diz muito da agenda de quem assim pensa. É achar que devemos ser governados por uma elite de iluminados que, por se considerarem sempre acima da plebe, nada mais farão que servir a sua clientela deixando para essa plebe as migalhas da sua benevolência, num paternalismo antigo e mofado de quem acha que precisa de cuidar e decidir pelas crianças ignorantes que nada sabem do mundo e que no exercício do seu livre arbítrio (qual sacrilégio) só fazem disparates.

Enfim...
Bruno Gonçalves
2 h
Caro Luis Aguiar-Conraria,

Leio com alguma regularidade os seus artigos, concordando umas vezes mais que outras, como é normal entre pessoas com opiniões autónomas e independentes.

Mas no caso deste artigo, ao contrário dos outros comentadores que muito o admiraram, considero que está bastante desfocado da realidade porque recorre a estatistica simples para tentar explicar comportamento humano, ignorando ciências muito mais relevantes neste caso como a psicologia, sociologia e ciência política. 

O exemplo do macaco que acerta 50% das vezes e do pressuposto da resposta certa não faz qualquer sentido desde logo porque o pressuposto é errado (como admite) e porque o que orienta o sentido de voto de cada cidadão, como certamente saberá, está longe de ser o raciocinio lógico, independente e racional.

A democracia representativa, não sendo perfeita, é a que melhor defende os interesses dos cidadãos. Os referendos são úteis em determinadas circunstâncias mas são também um perigoso instrumento de desresponsabilização da classe política e de propagação do populismo. A verdade é que, efectivamente, a generalidade da população não tem o nível de conhecimento nem o tempo para compreender as verdadeiras consequências de determinadas decisões.

E isso nunca foi mais evidente. Alguém me dizia algumas semanas atrás que só um idiota ou alguém que ignore a história coloca em causa a UE. Acrescentou ainda que se pode pôr em causa o seu modo de funcionamento, o EURO, as suas instituições mas nunca a UE porque é um factor fundamental de paz e liberdade na Europa. No entanto, mais de metade dos votantes disseram que sim à saída da UE. 

Em Democracia, os cidadãos devem eleger os seus governantes que, em contrapartida, devem governar em função do interesse de todo o país. Popularizar a democracia (democracia directa) como tem vindo a acontecer cada vez mais e como é defendido por Pepe Grillo, para além de não gerar resultados positivos, transformará as nossas democracias num autoritarismo da maioria.
Zé NinguémBruno Gonçalves
1 h
Bom comentário Bruno.

Convém acrescentar que mais importante que referendar tudo e mais alguma coisa seria antes ter algo como círculos uninominais... talvez assim os eleitores estivem mais contentes e comprometidos com a democracia que têm.
Duarte ManuelBruno Gonçalves
1 h
"E isso nunca foi mais evidente. Alguém me dizia algumas semanas atrás que só um idiota ou alguém que ignore a história coloca em causa a UE. Acrescentou ainda que se pode pôr em causa o seu modo de funcionamento, o EURO, as suas instituições mas nunca a UE porque é um factor fundamental de paz e liberdade na Europa. No entanto, mais de metade dos votantes disseram que sim à saída da UE."
Só um idiota que ignore a história, ignora que as guerras são feitas por uma, ou um punhado de pessoas que detêm o poder. Querer justificar/impor a democracia representativa em detrimento da democracia direta para haver paz entre os povos não faz sentido nenhum. Não são os cidadão que declaram e fazem as guerras, a suíça é uma democracia e apesar da sua situação geografica esteve fora das duas guerras mundiais.
Bruno GonçalvesDuarte Manuel
44 m
"Querer justificar/impor a democracia representativa em detrimento da democracia direta para haver paz entre os povos não faz sentido nenhum."

A democracia representativa comum à maioria dos Estados na Europa desde a segunda guerra mundial, tem sido muito eficaz na manutenção da paz na Europa, algo impensável nos séculos anteriores.
Duarte Manuel
2 h
Este artigo, num jornal de referência faz-me pensar na luzinha no fim do tunel e, que esta pseudo democracia pode ter os anos contados. 
Numa verdadeira democracia o povo é suberano, nesta em que vivemos o povo é refém. Vai ser dificil lhes retirar-lhes o poder mas enquanto há vida esperança.
Para os que dizem que o povo não tem inteligência para votar em referendos, recordo que os suíços em março de 2012 recusaram ter mais 2 semanas de férias por anos e em setembro deste ano recusaram um aumento de 200 francos para todos nas pensões.
Antonio SantosDuarte Manuel
19 m
O povo é soberano quando escolhe os parlamentares, o presidente e os autarcas.

Aparentemente, isso não chega. 

Afinal, o povo é iluminado e não precisa, por isso, de representantes nem intermediários.

O povo tornou-se o que o proletariado é para os marxistas.

Por detrás dessa crença está a ideia de que tudo o que funciona bem e é puro emana do povo, tudo o que funciona mal e conspurcado emana das elites.

Uma sociedade, para funcionar bem, precisa de poderes e contrapoderes.

Que isso seja feito por instituições é desejável. As pessoas passam e estas mantêm-se. 

Assim, temos um corpo de bombeiros, de polícias, de docentes, de consumidores, de médicos, todos balizados em instituições. 

Não cabe na cabeça que em vez da PSP se tenha milícias ou que não se vá ao hospital para ser operado.

Quando precisamos de saúde procuramos um médico, quando precisamos de segurança procuramos um polícia, quando precisamos aprender procuramos um professor, quando precisamos apresentar as contas procuramos um contabilista.

No entanto, na politíca sabemos tudo! Não precisamos de ninguém!




Henrique Oliveira
2 h
Brilhantíssimo e lucidíssimo texto.

Que demonstra à saciedade quão imperfeita é a nossa democracia.

E deita por terra esse tipo de "democrata" que existe infelizmente muito cá em Portugal, principalmente na classe politica, que fala sempre contra os referendos. Afinal, para salvaguardar a sua maquia de poder roubada ao cidadão.
Elodie Moses
2 h
Há muito tempo que nao lia uma opinião tão justa e bem fundamentada.
Bem-haja!
José Mendes
3 h
Quem decide os referendos é quem faz as perguntas. Quem vota faz uma opção básica, limitada de sim ou não. Na Grécia perguntaram aos gregos se queriam mais austeridade punitiva e os gregos disseram não. Espantados os senhores esclarecidos impuseram a austeridade punitiva ou os bancos fechados. No RU Cameron perguntou se querem ou não permanecer na UE e os britânicos disseram não. Para que fez a pregunta? Para fazer um golpe. Perdeu, mas a secretaria trabalha para chantagear o RU e reverter o voto. Na Itália Renzi quiz enganar os italianos plebiscitando o reforço dos seus próprios poderes e perdeu, mas o resultado da votação foi congelado, para usar as palavras do Presidente Italiano. O objetivo é passar o eleitorado a ferro. O golpista perdeu o golpe e já está a fazer outro. Esta gente que se julga esperta epensante está a semear a revolta. As instituições que assim procedem cedo ou tarde caiem na rua. 
martins bento
3 h
Pela opinião do autor ,fica mostrado porque são perigosos os referendos.Os casos do Brexit e agora do italiano,mostraram-no.Aliás o "no" ganhou mais pela postura do Renzi,do que pelo senso da pergunta,que era grande.Então o Berlusconi ,que ganhou três eleições e foi o único PM a levar uma legislatura completa é como o Trump?Oxalá que sim...
Montresor Amontillado
4 h
Caro LAC, esta semana gostei particularmente do artigo, não só por concordar genericamente com o conteúdo, mas também pela sageza do exercício estatístico. Os políticos receiam os referendos apenas porque o sucesso desproporcionado que a maioria deles tem durante e após os cargos políticos dependem essencialmente da promessa de favores. Vide "Os Facilitadores" de Gustavo Sampaio.
Uma pequena correcção: o exemplo tem uma gralha
Onde se lê (50,5%×50,5%×50,5%)+(49,5%×50,5%×50,5%)+(50,5%×49,5%×50,5%)+(50,5%×50,5%×50,5%)=50,75%
Deverá ser (50,5%×50,5%×50,5%)+(49,5%×50,5%×50,5%)+(50,5%×49,5%×50,5%)+(50,5%×50,5%×49,5%)=50,75%.
Luís Aguiar-ConrariaMontresor Amontillado
4 h
Tem razão, obrigado. Vou pedir para mudar.
Cuca Neco
4 h
Gostei.
Luís Brandão
4 h
Soberbo!
Pense-se nesse desfasamento da classe política em relação à sociedade e entenda-se a taxa de abstenção, o descrédito e até a emersão dos rotulados populistas. 
Parabéns pela reflexão
António Hermínio Quadros Silva
5 h

Como sempre tenho perguntado, porque serão as pessoas capazes para votar em políticos e já não serem competentes para votar em referendos, acho isso um autêntico paradoxo, a não ser que se veja  do prisma dos políticos pois  assim estes talvez vejam fugir-lhes o poder  como areia entre os dedos. Ora a incapacidade dos políticos actuais europeus resolverem os problemas que se tem apresentado o que leva á falta de confiança das pessoas nos seus representantes é mais que natural esta campanha contra os referendos, vinda de todos os quadrantes esquerdas e direitas 
João Antunes
5 h
O descontentamento com a democracia portuguesa vem do facto de esta, assim como todas as outras, não serem sequer democracias. E este é que é o verdadeiro problema. Mas insistimos sempre no mesmo ponto e mascaramos sempre as mesmas coisas. Quando muitos dizem "Democracia Directa" têm que perceber que isso é uma redundância, pois só existe esta e nenhuma outra. E quando dizemos "Democracia Representativa" temos que perceber que esta é uma falácia, pois a representatividade é exatamente o oposto da democracia. Então porque insistimos em chamar de democracia àquilo que são apenas Governos Representativos, exatamente o seu oposto?

Eu compreendo que se eu chamar o pepino de "Melão", ou "de uma forma de Melão" ou ainda de "Melão Ocidental" que talvez consiga com que as pessoas, iludidas com o nome, julguem que aquele pepino possa ser doce. E enquanto não provarem o mesmo poderão continuar iludidas com este. É claro que no momento que provarem irão perceber que este não sabe a nada e nunca mais comprarão.

Assim são os Governos Representativos que têm a necessidade de colar o nome democracia ao seu, para parecerem mais doces, mais amigos das pessoas, para que estas sintam que são importantes, que o seu voto conta, etc, etc, etc... (não esquecer que centenas de milhares de votos nem elegem deputados, são literalmente deitados para o lixo, mas isso são outras histórias). No dia que o nome democracia, abusivamente usado para mascarar aquilo que não é, for retirado do conceito de representatividade, teremos uma revolução.

Considerar a democracia como algo perigoso, instintivo e populista, como o faz Henrique Raposo no expresso, já diz muito da agenda de quem assim pensa. É achar que devemos ser governados por uma elite de iluminados que, por se considerarem sempre acima da plebe, nada mais farão que servir a sua clientela deixando para essa plebe as migalhas da sua benevolência, num paternalismo antigo e mofado de quem acha que precisa de cuidar e decidir pelas crianças ignorantes que nada sabem do mundo e que no exercício do seu livre arbítrio (qual sacrilégio) só fazem disparates.

Partilho uma vez mais o texto que escrevi há uns tempos aqui nestes mesmos comentários sobre a Democracia que ajuda a contextualizar o que acabei de dizer.
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Um dos grandes problemas das sociedades de hoje, que faz com que estejamos em crise constante, com os governos de costas viradas para as pessoas e os seus interesses, é que, na verdade, para nosso próprio espanto quando nos apercebemos disso, não vivemos em Democracia. Usamos essa palavra para mascarar algo que não é a democracia, mas sim o seu oposto.

Os governos ditos “democráticos” são na verdade governos representativos. Vivemos em Repúblicas/Monarquias de Governos Representativos e não em democracias. E estas repúblicas representativas são exactamente o oposto da democracia.

Não deixa de ser curioso que tanto na constituição dos Estados Unidos como na constituição francesa resultante da revolução, não exista uma única referência à democracia. E não existe, porque esta era vista como uma ameaça e o oposto daquilo que estavam a tentar implementar.

John Adams (2º presidente dos EU e anterior vice-presidente) dizia:

A democracia degenera em anarquia e por isso nunca dura."

James Madison (4º presidente dos EU) dizia:

A democracia é incompatível com a segurança pessoal ou os direitos sobre a propriedade privada.

Vemos, assim, que os pais do nosso actual sistema eram opositores declarados da democracia que consideravam perigosa e contrários aos seus interesses.

Até mesmo em Atenas havia opositores à Democracia, como Aristóteles que dizia que esta era o governo dos pobres sobre os ricos.

Já Rousseau, por outro lado, dizia-nos que para que uma Lei pudesse ser considerada Lei, todos tinham que participar na sua aprovação, e não apenas um grupo restrito, mesmo que eleito pela maioria do povo. E é aqui que está a chave deste problema.

Enquanto numa democracia o poder está nos cidadãos, nos governos representativos ele está nos representantes por si eleitos, que por serem eleitos julgam-se no direito de governar e legislar sem consultar esses mesmos cidadãos. E isto, por mais que lhe tenhamos dado esse nome, não é democracia.

Então o que é uma Democracia?

A Democracia é aquilo que os gregos inventaram, onde a pirâmide do poder está invertida e, por isso, é o oposto das Repúblicas de Governos Representativos que é o que temos hoje.

Na Democracia, no topo da pirâmide, não estão os representantes que criam e aprovam leis, no topo estão os cidadãos que se fazem representar numa assembleia. Na verdade, numa democracia não há sequer representantes eleitos, apenas cargos que qualquer cidadão pode ocupar ao propor-se aos mesmos. Estes cargos são atribuídos aos proponentes mediante sorteio. Ninguém pode alegar que foi eleito pelo povo e que agora poderá decidir por ele, porque essa eleição foi por sorteio e o proponente não está a representar ninguém e por isso terá que continuar a responder perante os cidadãos na assembleia onde as leis são aprovadas por todos. Estes cidadãos que ocupam os cargos governativos, não estão no topo da pirâmide como nos governos actuais que não são democráticos, mas sim na base da pirâmide. São os cidadãos, através da assembleia, que estão no topo dessa pirâmide.

Em Democracia não há partidos políticos, e por isso não existem promessas a cumprir, pois todos são sorteados para os seus cargos. Cargos, esses, que lhes permitirão governar e legislar em função do interesse do povo, pois será esse povo, através da assembleia que irá aprovar cada lei proposta. 

Podemos ver, por isso mesmo, que democracia é algo que não existe no mundo de hoje, embora continuemos a encher a boca ao chamarmos as Repúblicas/Monarquias de Governos Representativos de Democracias, quando, na verdade, estas são exactamente o seu oposto, pois a pirâmide está invertida.

Podemos alegar que a Democracia é uma utopia, pois como podemos fazer com que 10 milhões de pessoas, pensando apenas em Portugal, participem numa assembleia para fazer aprovar as leis.

Na verdade, hoje vivemos exactamente o tempo certo para que isso possa ser implementado por tudo aquilo que a tecnologia digital e internet nos permitem fazer. Não necessitamos mais de uma assembleia física aonde as pessoas se deslocam. Podemos fazer as leis e colocá-las para aprovação dos cidadãos através da internet. Temos hoje os instrumentos tecnológicos necessários para implementar uma verdadeira democracia (passe a redundância) e envolver as pessoas, restaurar a cidadania e a responsabilidade de cada um de nós sobre o processo legislativo e governativo.

Hoje ninguém sabe o que se passa no parlamento. As leis são aprovadas e rejeitadas sem que o cidadão comum tenha conhecimento disso. Como podemos chamar isto de democracia? Numa Democracia cada cidadão tem que ser chamado a pronunciar-se sobre as leis. Estas terão que estar visíveis para todos, através da internet e dos meios de comunicação social. O cidadão terá que saber o que cada lei propõe e depois votar em conformidade. Isto, sim, é a democracia, aquilo que não existe hoje apesar de em todos os meios de comunicação social e sociedade em geral se usar essa palavra para mascarar aquilo que na verdade é apenas um Governo Representativo, ou seja, o oposto da Democracia.

Oque Escrevemos
6 h
Comparar Trump a Berlusconi é incorrer num erro muito grande. Apesar dos defeitos do Berlusconi que não se podem negar mas que se concentram sobretudo sobre o estilo de vida pessoal e portanto do dominio da moral, Berlusconi, no inicio tinha uma ideia de país. Depois da fase 'Mãos Limpas' que pouco mais fez que destruir pessoas, tantas com acusações que se revelaram falsas e o tecido politico italiano, provocando uma terramoto brutal na vida italiana. Inútil porque não debelou nenhuma corrupção, destruiu vidas e elevou ao estatuto de paladinos da "limpeza" alguns magistrado que mais tarde se viram envolvidos em situações pouco "limpas"-ironias do destino. Berlusconi aparece como alguém que tentou e em parte conseguiu reconstruir as ruinas de uma vida politica desfeita. Reduzi-lo a uma figura de opereta popular é não perceber nem os italianos nem a Itália que por tantos anos lhe pos o poder na mão. Nem em Itália as pessoas o reduzem à imagem que fazem dele os que cá não vivem. Mesmo so seus adversários politicos reconhecem-lhe qualidades, e mesmo esses o respeitam como um personagem essencial da vida politica italiana. 
O voto no Não, ao contrario do que diz, poe sim à porta do poder o Movimento 5 Estrelas que não para exigir eleições imediatas. Porque será ? Agora apela-se para que se faça uma lei eleitoral que garanta a governabilidade, basicamente que harmonize o método de eleição dos deputados e dos senadores, ou seja do Parlamento e do Senado para que se possa formar um governo que consiga cumprir o seu mandato. Nas ultimas eleições Pier Luigi Bersani apesar de ter o apoio do Parlamento não formou Governo porque no Senado não tinha esse apoio. Se conseguem fazer a lei eleitoral e a vontade politica é nesse sentido e se harmoniza a composição das duas Câmaras, lá se vai a tese do autor sobre o SI. Tentar ler o que se passa em Itália com os olhos de um outro país qualquer é correr o risco de não o ler bem. Relembro ainda que a nível de quem estuda Ciência Politica, a Itália é vista como um laboratorio ou seja,  o que aqui se passa mais tarde acontece no resto da Europa. Portanto vejam e com muita atenção e já agora se me permitem sem ideia pré concebidas. O que se passa em Italia é fluido, aberto.

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