Timothy Ray Brown descobriu que era seropositivo em 1995. Teria
vivido uma vida normal, graças à medicação, não fosse a leucemia que o
atacou. Tratou-se, quase morreu, mas curou-se do VIH.
Timothy Ray Brown foi a primeira e única pessoa no mundo
a conseguir eliminar todo o VIH (vírus da imunodeficiência humana) do
organismo, mas sente-se culpado por isso. “Vivo em Palm Springs, na
Califórnia, um lugar onde há muitos seropositivos. E sinto alguma ‘culpa de sobrevivente’, quer dizer, é difícil ser a única pessoa no mundo que foi curada”, disse ao Observador.O norte-americano confessa ter um quotidiano “aborrecido”, sempre que não está em conferências. “Acordo de manhã, tomo o pequeno-almoço, tento ir ao ginásio. Basicamente estou a tentar que o meu corpo volte a funcionar como antes. Está a chegar lá, mas é um processo longo”, contou o sobrevivente, de voz entrecortada para recuperar o fôlego.
Todos os tratamentos, incluindo os dois transplantes por causa da leucemia, deixaram marcas profundas na vida de Timothy Ray Brown. “Quase morri variadas vezes, devido a complicações.” Mas a verdade é que, de alguma forma, se curou e agora promove a investigação de uma cura para todas as pessoas. “Provavelmente não será da mesma maneira como fui curado, porque é bastante perigoso”, lembrou. “Mas existem vários cientistas brilhantes a tentar descobrir a cura para o VIH neste preciso momento e isso é uma grande esperança.”
“Já disse várias vezes, existirão curas para o VIH durante a minha vida.”
Bem, nem todas as pessoas sabiam. “Levei algum tempo até ser capaz de contar à minha mãe. Tinha-lhe sido diagnosticado cancro da mama e ela estava a fazer tratamento. Por isso, esperei algum tempo até lhe dizer que era seropositivo.” E não foi o único caso. “A minha antiga colega de casa em Seattle disse-me uma vez que, se eu alguma vez fosse diagnosticado com VIH, ela deixaria de ser minha amiga. Então tive medo de lhe contar. Mas mais tarde, depois de estar curado, foi mais fácil contar-lhe e ela pediu desculpa pelo que tinha dito.”
Logo depois do diagnóstico começou o tratamento antirretroviral (com medicamentos contra o retrovírus VIH) e durante cerca de 10 anos afirma ter vivido uma vida normal.
Até que, inesperadamente, se começou a sentir muito cansado, mesmo nas
atividades que fazia diariamente. Na altura, ainda só tinha 40 anos.
Disseram-lhe
que tinha anemia, falta de glóbulos vermelhos (ou de hemoglobina) no
sangue. Mas uma semana de transfusões sanguíneas não foi suficiente para
resolver a situação. Depois de fazer uma biopsia à medula óssea,
Timothy Ray Brown descobriu que afinal tinha leucemia mieloide aguda, uma doença maligna de evolução muito rápida que impede a formação normal de glóbulos brancos.
Foi
assim que conheceu Gero Hütter, o médico que haveria de ser o
responsável pela sua cura. “Os médicos disseram-me que precisaria de
quatro ciclos de quimioterapia, cada um de uma semana, com várias
semanas de intervalo entre eles. Fiz o primeiro ciclo e correu tudo bem.
No segundo ciclo tive uma pneumonia causada por um fungo, mas passou
com um tratamento antifúngico. Durante o terceiro ciclo tive uma infeção grave e fui posto em coma”, contou Timothy Ray Brown num testemunho pessoal na revista científica Aids Research and Human Retroviruses (2015).
“Quase morri variadas vezes, devido a complicações.”
O “Paciente de Berlim” – assim chamado por ter sido tratado nos
hospitais universitários desta cidade -, pensava que os ciclos o
tratariam, mas afinal o médico planeava para ele um transplante de
medula. Nesta fase do tratamento teve mais sorte, havia 267 dadores
compatíveis. Oitenta destes dadores tinham sequenciação do ADN (uma mapa
dos genes), o que permitiu ao médico Gero Hütter tentar algo diferente:
procurar um dador que tivesse uma mutação na proteína CCR5 dos linfócitos CD4.
A proteína CCR5 é a porta de entrada nas células imunitárias CD4 que o
VIH ataca, mas nas pessoas com esta mutação rara, a porta está
bloqueada.
A leucemia, entretanto, estava em remissão e Timothy
Ray Brown decidiu que não queria fazer o transplante. “A taxa de
sobrevivência dos transplantes de células estaminais não é formidável,
normalmente é cerca de 50/50”, escreveu no testemunho. Mas, em 2006, a
leucemia voltou e o Paciente de Berlim não teve outra hipótese senão
aceder ao transplante.
No dia 6 de fevereiro de 2007, o dia que Timothy Ray Brown chama de “segundo nascimento”, foi feito o transplante.
E, a partir desse momento, o sobrevivente nunca mais tomou medicamentos
antirretrovirais (contra o VIH). “Depois do primeiro transplante dei-me
muito bem. Voltei ao trabalho, voltei para o ginásio — já lá tinha
estado, mas sem nunca ganhar massa muscular. Depois do primeiro
transplante fui capaz de ganhar massa muscular e isso foi muito bom.
Agora, acho que estou a ficar gordo”, disse, entre risos, na entrevista
ao Observador.
Mas, um ano depois, Timothy Ray Brown estava a
receber um novo transplante do mesmo dador. Uma pneumonia tinha feito
regressar a leucemia. “[Com o novo transplante,] a recuperação correu mal.
Fiquei com delírios, quase ceguei e fiquei praticamente paralisado.
Tive de reaprender a andar num centro para doentes com lesões cerebrais
graves”, escreveu no testemunho de 2015.
“Quando os médicos disseram que provavelmente estava curado do VIH fiquei bastante feliz”, contou ao Observador, sorrindo. “Não sei se acreditei completamente
até que o doutor Gero Hütter – o médico responsável -, teve o artigo
[científico] aceite”, continuou, referindo que numa primeira tentativa o
artigo tinha sido rejeitado. “[Mas] se uma revista [científica] muito
respeitada – The New England Journal of Medicine – disse que eu estava
curado, então devia estar curado.”
O que os próprios médicos
estranham é que, mesmo as pessoas que têm a mutação da proteína CCR5,
não ficam completamente imunes à infeção com o vírus, como escreveram
no artigo. Timothy Ray Brown, que não faz tratamentos antirretrovirais
há nove anos, nunca mais teve sinais da infeção. Mais, algumas células
do intestino mantinham os linfócitos CD4 do doente – com a proteína CCR5
normal -, mas sem sinais do vírus.
“Infelizmente nenhum outro paciente foi curado do VIH”,
lamentou o Paciente de Berlim ao Observador. “O Dr. Hütter disse-me, em
dezembro de 2010, que já tinha tentado o mesmo [tratamento] em dez
doentes diferentes, que morreram todos devido às suas outras doenças,
como leucemia ou linfoma.” Timothy Ray Brown lembrou ainda os pacientes
de Boston, que também receberam um transplante de medula óssea, mas de
dadores que não tinham a mutação. Durante algum tempo pareciam estar
livres do VIH, mas depois a infeção voltou.
Já este ano, na 21ª
Conferência International sobre a Sida, em Durban (África do Sul), uma
equipa de investigadores verificou que um transplante com células
estaminais parece reduzir a quantidade de vírus nos reservatórios do
organismo dos doentes, noticiou na altura a CNN. Tal como Timothy Ray
Brown os doentes seropositivos receberam o transplante para tratarem
doenças de sangue severas. A grande diferença é que este doentes continuam a tomar antirretrovirais.
Apesar dos resultados promissores, os cientistas continuam sem ter a
certeza sobre o que poderá ter diminuído a quantidade de vírus no
organismo. Mais, este tratamento devido aos riscos, custos e dificuldade
em arranjar dadores compatíveis continua sem poder revelar-se um
tratamento eficaz para tratar os mais de 37 milhões de pessoas infetadas
(dados de 2015) em todo o mundo.
Ainda não se sabe o que levou exatamente à cura de Timothy Ray Brown, mas existem três hipóteses que podem ter contribuído isoladamente ou em combinação para este resultado, referiu a revista Science.
- O tratamento com quimioterapia e irradiação que destruíram completamente o sistema imunitário do doente;
- O uso de células estaminais de um dador com uma mutação que não permitiu que os linfócitos CD4 fossem infetados com o VIH;
- O sistema imunitário formado a partir das células do dador terem atacado as células do doente que tinham reservatórios do vírus.
Sem nenhum caso tão bem-sucedido como o seu Timothy Ray Brown
mantém, mesmo assim, a esperança de que se encontre uma cura para a
doença no seu tempo de vida. “Queria ser um líder e tentar encontrar [a
cura], ter a certeza que mais pessoas são curadas do VIH.” Por isso
criou Cure for AIDS Coalition (Aliança para a Cura da Sida), com Dave Purdy e Gero Hütter. O principal foco da organização é o Cure Report,
que pretende combater a falta de informação, aumentar a sensibilização e
conhecimento sobre a doença, fazer divulgação sobre ensaios clínicos e
angariar financiamento para investigação.
Texto de Vera Novais, vídeo de Hugo Amaral, edição vídeo de Fábio Pinto.
VIH
O presidente da Abraço, Gonçalo Lobo, apelou aos doentes que
comecem “a dar a cara” pela infeção VIH e mostrem à sociedade que ser
seropositivo não é “um bicho-de-sete-cabeças”, contribuindo assim para
acabar com a discriminação.
O apelo de Gonçalo Lobo surge no Dia Mundial da Luta Contra a Sida, uma infeção que atinge cerca de 45.000 pessoas em Portugal, segundo um estudo recente realizado por especialistas portugueses em articulação com o Centro Europeu de prevenção e Controlo de Doenças.
O estudo estima que menos de 5.000 pessoas em Portugal estejam infetadas sem saberem com VIH/SIDA.
“Queremos apelar para que as pessoas comecem a dar a cara pela infeção pelo VIH e que possam, de um modo sereno e tranquilo”, revelar “o seu estatuto serológico perante a sociedade”, disse à agência Lusa Gonçalo Lobo.
Para o presidente da associação, é importante que “isto aconteça cada vez mais, para as pessoas perceberem que [ser seropositivo] não é um bicho-de-sete-cabeças e que não vai ferir ou magoar a vida desta pessoa”.
“Isto passa por uma sociedade mais tolerante, mais inclusiva e mais informada, porque a discriminação só existe porque grande parte das pessoas estão desinformadas, não sabem o modo de transmissão do vírus VIH e, principalmente, como é que ele não se transmite”, sublinhou.
Gonçalo Lobo apontou casos como a Alemanha, em que o que está em discussão “é as pessoas com VIH mostrarem que são capazes de fazer qualquer tipo de trabalho e dão a cara por isso”.
Em Portugal, “ainda estamos no estadio em que as pessoas não dão a cara”, disse, lamentado a discriminação que ainda existe face à doença.
A discriminação “existe e nós sabemos que ela existe. Já acompanhámos e continuamos a acompanhar casos nesse âmbito”.
“Obviamente que ninguém diz que perde o emprego por ser
infetado pelo VIH, ninguém diz que vê um crédito vedado porque foi
revelado o estatuto serológico dessa pessoa”, contou.
No entanto, há mecanismos que permitem as entidades salvaguardarem-se e despedirem, não concederem créditos, seguros de saúde e até mesmo discriminarem no atendimento ao público, como acontece em alguns serviços hospitalares, disse o presidente da Abraço, associação que apoia cerca de 500 pessoas.
Neste ano, a Abraço alargou as suas respostas a outros distritos do país, tendo aberto o projeto “Mais abraço” em Aveiro, onde são realizados testes rápidos para despistagem do VIH, e um centro comunitário no Porto destinado a homens que têm sexo com homens.
“As pessoas nas grandes cidades têm mais informação”, enquanto as que vivem em meios pequenos “não estão tão familiarizadas” com esta problemática, disse.
Apesar do maior número de infeções ocorrer em Lisboa, a Abraço acredita que também é preciso “consciencializar e intervir” noutras regiões do país.
Outra preocupação são os casos de VIH nos idosos, uma situação que carece de intervenção, uma vez que estas pessoas têm que estar “conscientes e informadas” sobre a utilização do preservativo.
“Há pessoas com mais idade que estão atentas ou porque já tiveram um caso na família ou porque têm outra forma de viver a sua sexualidade”, mas há outras que, “dado ao país que somos do ponto de vista cultural, religioso, têm algum tabu” em falar sobre este tema, disse Gonçalo Lobo.
VIH
Abraço apela a seropositivos que mostrem à sociedade que o VIH “não é um bicho-de-sete-cabeças”
No Dia Mundial da Luta Contra a Sida, o presidente da Abraço apela
aos doentes que mostrem à sociedade que ser seropositivo não é "um
bicho-de-sete-cabeças", para acabar com a discriminação.
O apelo de Gonçalo Lobo surge no Dia Mundial da Luta Contra a Sida, uma infeção que atinge cerca de 45.000 pessoas em Portugal, segundo um estudo recente realizado por especialistas portugueses em articulação com o Centro Europeu de prevenção e Controlo de Doenças.
“Queremos apelar para que as pessoas comecem a dar a cara pela infeção pelo VIH e que possam, de um modo sereno e tranquilo”, revelar “o seu estatuto serológico perante a sociedade”, disse à agência Lusa Gonçalo Lobo.
Para o presidente da associação, é importante que “isto aconteça cada vez mais, para as pessoas perceberem que [ser seropositivo] não é um bicho-de-sete-cabeças e que não vai ferir ou magoar a vida desta pessoa”.
“Isto passa por uma sociedade mais tolerante, mais inclusiva e mais informada, porque a discriminação só existe porque grande parte das pessoas estão desinformadas, não sabem o modo de transmissão do vírus VIH e, principalmente, como é que ele não se transmite”, sublinhou.
Gonçalo Lobo apontou casos como a Alemanha, em que o que está em discussão “é as pessoas com VIH mostrarem que são capazes de fazer qualquer tipo de trabalho e dão a cara por isso”.
Em Portugal, “ainda estamos no estadio em que as pessoas não dão a cara”, disse, lamentado a discriminação que ainda existe face à doença.
A discriminação “existe e nós sabemos que ela existe. Já acompanhámos e continuamos a acompanhar casos nesse âmbito”.
No entanto, há mecanismos que permitem as entidades salvaguardarem-se e despedirem, não concederem créditos, seguros de saúde e até mesmo discriminarem no atendimento ao público, como acontece em alguns serviços hospitalares, disse o presidente da Abraço, associação que apoia cerca de 500 pessoas.
Neste ano, a Abraço alargou as suas respostas a outros distritos do país, tendo aberto o projeto “Mais abraço” em Aveiro, onde são realizados testes rápidos para despistagem do VIH, e um centro comunitário no Porto destinado a homens que têm sexo com homens.
“As pessoas nas grandes cidades têm mais informação”, enquanto as que vivem em meios pequenos “não estão tão familiarizadas” com esta problemática, disse.
Apesar do maior número de infeções ocorrer em Lisboa, a Abraço acredita que também é preciso “consciencializar e intervir” noutras regiões do país.
Outra preocupação são os casos de VIH nos idosos, uma situação que carece de intervenção, uma vez que estas pessoas têm que estar “conscientes e informadas” sobre a utilização do preservativo.
“Há pessoas com mais idade que estão atentas ou porque já tiveram um caso na família ou porque têm outra forma de viver a sua sexualidade”, mas há outras que, “dado ao país que somos do ponto de vista cultural, religioso, têm algum tabu” em falar sobre este tema, disse Gonçalo Lobo.