sábado, 22 de novembro de 2014

SMS, cautelas, dinheiro e 'coboiadas'. O relato do dia que pode mudar 2015


Detenção de José Sócrates, sem precedentes na história da democracia (nunca um ex-primeiro-ministro havia sido detido), começou numa comunicação bancária a propósito da casa de luxo de Paris. À direita, as reações são cautelosas; à esquerda, critica-se a atuação da Justiça. Louçã: "Em PORTUGAL há sempre um processo um pouco estranho, que é deter para interrogar".
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SMS, cautelas, dinheiro e 'coboiadas'. O relato do dia que pode mudar 2015
 FOTO ALBERTO FRIAS
Metade do país já estaria a dormir quando, na madrugada de sábado, foi divulgada a notícia sem precedentes que faz história na justiça e pode mudar decisivamente o cenário político para 2015, ano de eleições: o ex-primeiro-ministro  José Sócrates foi detido para interrogatório à chegada ao aeroporto de Lisboa , no âmbito de uma investigação de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção.
Passava um minuto da meia-noite quando a edição online do "Sol" deu a notícia. Pouco depois, a  SIC divulgava imagens  do momento em que José Sócrates, que tinha aterrado CERCA das 22h00 vindo de Paris, é levado num carro descaracterizado, logo após a detenção. É a primeira vez na história da democracia portuguesa que um ex-chefe de Governo é preso para interrogatório.
O antigo primeiro-ministro  passou a noite nos calabouços da PSP , no Comando Metropolitano de Lisboa, onde costumam ficar as pessoas que a polícia detém durante a noite, nomeadamente por desacatos.
No centro da investigação está o apartamento de luxo, avaliado em três milhões de euros, que  Sócrates arrendou em Paris, no coração de um dos bairros mais caros da cidade , quando foi tirar um CURSO na CAPITAL francesa, após perder as eleições em 2011. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), o inquérito, que está a ser conduzido pelo procurador Rosário Teixeira, " teve origem numa comunicação bancária efetuada ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal , em cumprimento da lei de prevenção e repressão de branqueamento de capitais" e investiga "transferências e movimentos de dinheiro sem justificação conhecida e legalmente admissível".
A PGR garante que a investigação, que mobiliza quatro magistrados do Ministério Público e 60 elementos da Autoridade Tributária e Aduaneira, é "independente de outros inquéritos em curso, como o Monte Branco ou o Furacão, não tendo origem em nenhum desses processos".  Além de Sócrates foram detidos para interrogatório o seu motorista atual, João Perna, o empresário Carlos Santos Silva, ex-administrador do Grupo Lena e amigo de longa data do ex-primeiro-ministro, e o advogado Gonçalo Trindade Ferreira .
Num primeiro comunicado , divulgado na madrugada deste sábado, a PGR tinha confirmado a detenção de Sócrates e referido que outras três pessoas tinham também sido detidas, mas sem nomear quais. Chegou a ser avançado que pertenceriam ao Grupo Lena - uma das empresas que beneficiaram da diplomacia económica durante o Governo de Sócrates, tendo ganho contratos de construção para a Venezuela -, cuja sede foi alvo de BUSCAS na sexta-feira. A empresa negou, no entanto, que tivessem sido detidos quaisquer seus responsáveis ou colaboradores.
CARLOS Santos Silva, um dos quatro detidos, já pertenceu à administração do Grupo. O empresário ligado ao sector da construção é amigo de Sócrates há vários anos.  Não é a primeira vez que os dois nomes se cruzam numa investigação judicial . Cova da Beira e Face Oculta foram outros dois processos mediáticos a que se viram associados. Em nenhum dos casos, no entanto, foram constituídos arguidos.
Este sábado de tarde,  Sócrates acompanhou as buscas realizadas à casa que tem na rua Braancamp , em Lisboa, e a um outro apartamento, no mesmo edifício, que pertenceu à sua mãe. Depois das buscas, o ex-primeiro-ministro foi levado para o CAMPUS da Justiça, no Parque das Nações, para ser interrogado pelo  juiz Carlos Alexandre , o mesmo que no verão mandou deter o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, e que na semana passada ordenou a detenção do diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Jarmela Palos, e outros altos dirigentes da administração pública. No FINAL deste sábado soube-se que o antigo chefe de Governo continua detido - pela segunda noite consecutiva .
Sócrates entrou na garagem do CAMPUS da Justiça pelas 17h,  debaixo de uma chuva de gritos de uma dezena de manifestantes do PNR  (Partido Nacional Renovador), que aproveitaram a ocasião para insultar o ex-primeiro-ministro.
Reações cautelosas
A detenção, que  pode ser um "terramoto político" para o PS , a menos de um ano das eleições legislativas, caiu COMO uma bomba e motivou reações muito cautelosas dos partidos, que recusaram comentar o caso.  António Costa, candidato socialista a primeiro-ministro, enviou este sábado um sms aos militantes , frisando que "os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais [por Sócrates] não devem confundir a ação política do PS". O partido, sublinha, não deverá envolver-se "na apreciação de um processo que, COMO é próprio de um Estado de Direito, só à justiça cabe conduzir com plena independência".

Horas mais tarde, ao fim do dia, António Costa voltou a referir-se ao caso. Depois de ter sido eleito secretário-geral do PS, deu uma conferência de imprensa onde foi questionado várias vezes sobre a detenção do ex-primeiro-ministro. Perante a questão "continua a DEFENDER a herança política de José Sócrates? Sai fragilizado?", respondeu que " o PS não adota as más práticas estalinistas de eliminação da fotografia deste ou daquele ".
O vice-presidente do PSD, Marco António Costa , afirmou igualmente que o partido não irá fazer "qualquer comentário político" acerca da detenção de Sócrates por se tratar de um "tema de justiça".  Idêntica reação teve o líder parlamentar do CDS, Nuno Magalhães : "Consideramos que à justiça COMPETE o trabalho da justiça e à política compete o trabalho da política. Por isso mesmo, não fizemos, não fazemos e não faremos comentários sobre investigações em curso no sistema judicial".
À esquerda, as reações não foram muito diferentes. O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, pediu "o apuramento de toda a verdade" sem julgamentos ou condenações apressados. Também o ex-coordenador bloquista Francisco Louçã recusou fazer "juízos precipitados". Louçã disse, ainda assim, que a   Justiça tem de assumir responsabilidade por este tipo de ações, que considera excessivas , defendendo que, para ser interrogada, não deve ser necessário deter uma pessoa, a não ser em circunstâncias muito excecionais.
Num artigo de opinião publicado no Expresso, que se tornou viral nas redes sociais,  Clara Ferreira Alves também não poupa críticas à Justiça . A colunista diz que foi praticado um "linchamento público" do ex-primeiro-ministro, detido numa "operação de coboiada cinemática", quando não havia suspeita de fuga, até porque Sócrates acabava de aterrar em PORTUGAL, vindo de Paris. "Porque não convocá-lo durante o dia para interrogatório ou levá-lo de casa para detenção?", questiona.
Certo é que  2014 será lembrado como um ano que mudou a história da Justiça . Nunca um ex-primeiro-ministro tinha sido detido para interrogatório, mas esse foi apenas o culminar de um ano marcado por várias outras "estreias" em processos judiciais. As condenações dos ex-ministros MARIA de Lurdes Rodrigues e Armando Vara, a detenção de Ricardo Salgado, um dos principais banqueiros do país, e a prisão domiciliária do diretor de uma polícia também não tinham precedentes.

[artigo atualizado às 00h19 de 23-11-2014] 



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