sábado, 22 de novembro de 2014

"Pedi ao banco 120 mil euros. Assim fui para Paris. Gastei o dinheiro todo"


Em entrevista ao Expresso publicada a 19 de outubro de 2013, José Sócrates falava das "misérias da minha conta bancária". Releia o excerto em que o ex-primeiro-ministro fala do caso Freeport e de como comprou as casas que agora estão em investigação.
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'Pedi ao banco 120 mil euros. Assim fui para Paris. Gastei o dinheiro todo'
 FOTO LUSA
Leu tudo o que se escreveu sobre ele? Os adjetivos, as acusações? Desde o fato Armani aos casos Freeport ou Face Oculta? "Estou como George Harrison: a felicidade é abrir os jornais e não falarem de nós. Agora falam menos de mim.
Sempre fui um bocado anguloso, não tenho um feitio redondo. Desde que saí de primeiro-ministro, nunca tive guarda-costas ou seguranças. Tenho o motorista da minha mãe. Fui o primeiro primeiro-ministro a acabar com a lei que dava a um primeiro-ministro com mais de quatro anos de cargo uma pensão vitalícia. Não recebo pensão. Não recebo nada do Estado português. 
Por isso trabalho para uma empresa privada.
Recebi muitos convites e só aceitei o desta empresa, uma empresa suíça, porque fui convidado para trabalhar na América Latina. Não em Portugal. Precisava de um emprego." E as famosas "luvas" do processo Freeport? Que efeitos é que o processo lhe causou? "Lembro-me do primeiro momento em que ouvi falar daquilo. Estava em Setúbal para entrar num comício, em 2005, e veio uma assessora dizer-me que havia buscas por causa de um empreendimento que eu tinha licenciado. E qual era?, perguntei. O Freeport. O nome não me fazia soar nada. Perguntei ao Pedro Silva Pereira, e ele veio esclarecer-me. E lembro-me de uma Comissão Nacional a seguir às autárquicas que perdemos em que o presidente da Câmara de Alcochete, que tinha acabado de ganhar as eleições, veio ter comigo a dizer que eu lhe tinha dado cabo do grande investimento em Alcochete.
Eu não sabia do que ele estava a falar. E pediu-me que falasse com os dirigentes do Ministério, porque iam rever o projeto. Pediu-me uma reunião, onde estiveram presentes dirigentes do Ministério, o secretário de Estado que tinha assinado o despacho de indeferimento e os promotores ingleses. Mais o presidente da Câmara. Na reunião, que está documentada, a gente do Ministério disse o que estava no despacho, eles tinham que ter menos estacionamento, etc. Se alterassem aquilo, tinham o parecer positivo do Ministério. E uma pessoa, de uma direção, disse que se eles fizessem as correções nem era precisa nova avaliação de impacto ambiental. Eu disse logo que aquela avaliação ambiental tinha acabado com o projeto chumbado e com o novo projeto teria de haver nova avaliação ambiental. Contrariei o que diziam os técnicos. É tudo o que me lembro. Mais tarde, vem a história do meu tio. O meu tio é uma pessoa de quem perdi o rasto. A minha mãe tem dois meios-irmãos, homens muito ricos, pessoas com quem estive três ou quatro vezes nos últimos vinte anos. Esse meu tio até era o mais simpático. Ele diz, e é possível, que me telefonou para casa e falou comigo. E que me disse que conhecia uns tipos que diziam que no Ministério do Ambiente queriam levar-lhes uma fortuna, pediam dinheiro, para aprovar um projeto. Eu respondi que isso não acontecia no Ministério do Ambiente. Quem foi ter com o meu tio foi esse Charles Smith, porque a mulher do meu tio era administradora da Quinta do Lago, onde ele tinha uma casa. Quem estava a pedir esse dinheiro era um gabinete de advogados ligados ao PSD e muito próximos do doutor Santana Lopes, prometendo o licenciamento por um preço." Era esse gabinete o do advogado Gomes da Silva? "Julgo que não. O Gomes da Silva era um dos que preparou, com o chefe de gabinete de Santana, Miguel Almeida, o fornecimento de elementos à Polícia Judiciária para criarem o caso Freeport. O meu tio ligou-me por causa desse pedido de dinheiro, e respondi-lhe que os queixosos deviam dirigir-se aos serviços do Ministério. É tudo o que recordo e que se passou." E o mail do primo? "É o filho desse meu tio Júlio, que diz que me mandou um mail que nunca recebi ou li e que o meu primo já reconheceu que foi um abuso de confiança.
Em 99% dos casos de corrupção, os corruptores utilizam nomes para fazerem valer a sua posição e desbloquear. O tal Charles Smith e o sócio dele quiseram convencer os ingleses de que resolviam o assunto sem pagar aos advogados, movendo influências. E do Freeport é isto tudo o que tenho." Quanto às acusações de que a mãe comprou a casa da Rua Braamcamp através de uma offshore, e que ela e o tio tinham dinheiro em offshores, Sócrates responde: "Comprei a minha casa no Heron Castilho, onde moro. A minha mãe vivia em Cascais, numa moradia, e quando o cão dela morreu sentiu-se sozinha e veio viver para Lisboa. Vendeu a casa de Cascais e comprou o andar por cima de mim. O 4º, que estava à venda. Combinou-se com a proprietária comprar o andar, e quando a minha mãe foi fazer a escritura viu que a senhora que vendia, acho que era estrangeira ou ligada ao estrangeiro, tinha a casa numa propriedade offshore. Que culpa tem a minha mãe?" As casas ali são caríssimas, tinha o político Sócrates dinheiro para comprar ali casa? "Em 1985, quando me casei, a minha mãe deu-me dinheiro para comprar a casa na Rua Miguel Pais. Quando nasceu o meu segundo filho, eram livros e fraldas a mais e decidi ir para uma casa maior. A da Heron Castilho.
Vendi a minha casa, pedi dinheiro emprestado ao banco e comprei aquela." Em Paris, manteve uma vida de luxo? "Quando perdi as eleições, telefonei à minha gerente de conta e pedi um empréstimo ao banco de 120 mil euros. Um ano sem nenhuma responsabilidade e levando um filho comigo. Gastei o dinheiro todo. Assim fui para Paris, em vez de, mais uma vez, pedir dinheiro emprestado à minha mãe." Nos tribunais, correram e correm vários processos intentados por Sócrates contra pessoas e coisas que se escreveram contra ele. 
Desejo de litigância? "O que queria que fizesse? Que bradasse aos céus? Que resolvesse isto à pancada? Pus um processo ao 'Correio da Manhã', autorizei que se levantasse o meu sigilo bancário para que vejam as misérias da minha conta bancária. Estamos a falar de pistoleiros. 
Fui alvo de uma perseguição política e pessoal de uma direita hipócrita que obrigou o anterior Governo, o meu, a pedir ajuda para agora vir queixar-se daquilo que eles mesmos fizeram. Fazem o mal e a caramunha. A comissão de inquérito para ver se eu tinha mentido sobre a TVI, etc. E a história do PEC4 ficou mal contada." As nomeações para os bancos, incluindo a de amigos pouco recomendáveis, como Armando Vara, para o BCP, não foram erros? Abusos? "Veja o que este Governo fez, as pessoas que já nomeou. E nomeei para a Caixa um tipo do PSD, o Mexia para a EDP... E fala-me em amigos pouco recomendáveis? Eu admito lá a alguém um juízo moral sobre os meus amigos? Que resposta é que acha que isso merece? Quem é que decide o que é um bom amigo?" E o processo Face Oculta? E as escutas? E a acusação, pela Presidência da República, de que o Governo mandara escutar Belém? "Vamos pôr isto em perspetiva. O caso Freeport é de 2009, para dar cabo de mim e impedir-me de ganhar as eleições. Dura de janeiro a junho, e em junho percebe-se que não há nada. Nem cá nem no Serious Fraud Office. Em junho, lançam a campanha das escutas, o primeiro-ministro está a escutar o Presidente. Foi pensado por um assessor do Presidente, e infelizmente o senhor Presidente nunca desmentiu a notícia. Não posso acreditar que ele tenha sido cúmplice numa operação para dar cabo de um Governo legítimo. 
Foi uma conspiração da direita política com ligações à Casa Civil do PR para me impedirem de ganhar em 2009. Uma acusação ridícula, que me incomodou muito. Ganhei."
Para ler a entrevista de Clara Ferreira Alves a José Sócrates na íntegra, carregue  aqui . 



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