Foto: AP/Majdi Mohammed
O “terremoto” hoje entra-nos mais uma vez pela casa, mas agora ao vivo e a cores, na sua pujante brutalidade e injustiça.
Se não tivesse ido tentar saber como tudo começou, talvez achasse que a selvajaria e a desumanidade eram perfeitamente iguais tanto do lado dos sionistas de extrema-direita de Israel, como do lado dos terroristas do Hamas.
Breve nota sobre o passado:
Em 1947, a ONU, motivada em muito pela culpa europeia das anteriores perseguições dos judeus, aprovou um plano de partilha da Palestina, onde até aí a maioria da população era árabe, em que atribuía 54% do território à comunidade judaica e o restante aos palestinos. Já no fim de 1948, as forças armadas israelitas aproveitaram para ocupar mais terras e expulsar centenas de milhares de palestinos. Os que tentaram regressar às suas casas foram impedidos, bem como os seus descendentes. Os seus bens imóveis foram considerados “abandonados” e distribuídos pelos judeus, através da Lei dos Bens Ausentes, de 1950. Foram aprovadas muitas outras leis que proibiam a venda ou transferência de terras para os palestinos.
Deste modo, Israel passou a ter 78% do território. Em 1967, viria a ocupar os 22% restantes. Desta forma, grande parte dos palestinos de Gaza é composta por refugiados, pessoas expulsas das suas casas ou descendentes dos que foram expulsos em 1948.
Desde o início Israel se formou como um Estado judeu de maioria judia. É para manter essa maioria étnica que o governo ocupa os territórios e limita os movimentos dos palestinos. Se aceitasse todos os habitantes de Gaza e da Cisjordânia como seus cidadãos e se lhes concedesse todos os direitos (o que verdadeiramente deveria ter feito desde o início) o Estado judeu ficaria em perigo, já que a sua população deixaria de ser maioritária. Para controlar a população palestina, Israel limita as suas deslocações, pratica detenções e prisões arbitrárias.
O presente
A verdade é que o Estado de Israel, embora possua uma democracia parlamentar, pratica a segregação étnica legalizada, ou seja, o apartheid, regendo-se pela lei do ”olho por olho, dente por dente”. Trata-se de um país colonizador, com colônias que sujeita regularmente a ataques militares, como o que estamos presenciando agora em Gaza. Por muito menos exigiu a ONU o fim dos colonialismos europeus, incluindo o português. Refira-se que Israel, desde a sua criação como Estado, violou a maior parte das decisões da ONU referentes ao seu território.
Seremos antissemitas por criticar o governo de Israel? Não, porque criticamos o governo e não o povo. Sabemos que são muitos os judeus que também condenam esta política vergonhosa. Condenar o colonialismo de Israel significa defender os islamitas do Hamas? Não.
Este último não deixa de ser um movimento terrorista que dispara foguetes contra alvos indiscriminados e envia terroristas suicidas. Devemos apenas responder às questões: Quem criou o Hamas? Por que surgem na Palestina movimentos radicais? Creio que a própria história se encarrega de nos responder. Sim, os islamitas de Gaza contam com o apoio de países árabes autocráticos da região. Para estes países (e também para o braço armado do Hamas) talvez convenha que o conflito se mantenha latente.
Se o Hamas dispara foguetes contra o território do que eles consideram país ocupante, também é verdade que Israel possui um escudo antiaéreo que impede a maioria dos projéteis disparados de atingir os alvos. Israel tem um dos sistemas científicos mais sofisticados e militarizados do mundo. É por isso que, desde o início desta operação militar há poucos dias, já morreram mais de 800 palestinos (na esmagadora maioria civis) e apenas dois civis israelenses e 34 militares.
O desequilíbrio de forças não tem apenas a ver com as capacidades militares. Israel constitui, atualmente, um país colonizador e, tal como os vários poderes coloniais ao longo dos séculos passados, conta com a cooperação internacional, disfarçada de apatia diplomática e de apoio econômico tácito.
Essa cooperação internacional tem nomes conhecidos. O seu principal motor é o lobby da indústria militar norte-americana e a imprensa dos EUA, a maior parte da qual é cegamente pró-Israel, por razões conhecidas. Este último fato explica por que motivo a maioria dos americanos - 57 por cento - acredita que as ações militares de Israel em Gaza são justificadas, e apenas quatro em 10 diz que Israel usa força excessiva. Numa imprensa favorável a certos grupos étnicos ou econômicos, a maior parte das pessoas não irá pesquisar e conhecer a verdade histórica tal como ela ocorreu, limitando-se à versão mainstream.
Um jornalista israelense, Chemi Shalev, escreve no Haaretz: “Desviar o olhar e deslegitimar o sofrimento dos palestinos é uma parte importante do processo. Muitos israelitas e simpatizantes desta incursão não só estão convencidos de que a dor e a destruição em Gaza são restritas e totalmente justificadas, como até consideram que todas as imagens do sofrimento palestino são propaganda inimiga e equivalente a uma traição do povo judeu (tal como Jon Stewart descobriu nos últimos dias).”
Na Europa, a opinião pública é bem mais crítica em relação a esta guerra que está semeando a morte e a destruição numa escala jamais vista.
Há quem diga que Israel precisa sobreviver e se defender por se encontrar num meio árabe adverso. Isso também é, em parte, compreensível, embora não justifique o que está acontecendo. Tal como uma pessoa doente e em perigo, ela agarra-se àquilo que possa salvá-la. Não se lembra que toda a vida cometeu excessos que levaram a essa doença.
No meio de tanto desespero e tantas lágrimas, no meio de tanto medo, creio que, mesmo assim, para Israel pode ainda não ser tarde para mudar a forma de viver, salvar a vida e ficar finalmente em paz com os seus vizinhos.
Os fatos citados e as opiniões expressas são de responsabilidade da autora
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