sábado, 23 de agosto de 2014

"A RECUPERAÇÃO ECONÓMICA É O NOSSO OBJECTIVO IMEDIATO"

A República Popular de Moçambique pela voz do seu presidente
Samora Machel

 
Entrevista de Allen Isacman e Ian Christie


A situação económica em Moçambique as lutas de libertação na África Austral e as relações internacionais da República Popular de Moçambique são alguns dos temas abordados pelo Presidente Samora Machel numa extensa entrevista que concedeu a Allen Isaacman, professor de história africana na Universidade de Minnesota, leccionando actualmente na Universidade Eduardo Mondlane, de Maputo, e a Iain Christie da Agência de Informação de Moçambique (AIM).
A AIM divulgou essa entrevista, da qual publicámos hoje algumas das partes mais significativas.

especial para a "Voz do Povo"
da Agência de Informação de Moçambique

P: A Frelimo, partido marxista-leninista, criado há perto de dois anos, iniciou a sua primeira grande campanha de admissão de membros no mês de Fevereiro do último ano. Pode nos descrever brevemente a presença do Partido no país, hoje?
R: A campanha de estruturação do partido, que terminou em Novembro passado, permitiu a criação de centenas de células nos locais de trabalho prioritários e nas zonas residenciais. Foram admitidas dezenas de milhares de novos militantes.
Hoje, o Partido está presente, por intermédio dos seus militantes, em todo o país, o papel dirigente do Partido no Estado e na sociedade está portanto assegurado.

P: No entanto, noutros países que constroem o socialismo, foram perpetrados graves abusos do poder por parte de membros ao Partido. Como é que a Frelimo tenta evitar isso?
R: O nosso Partido tem uma grande experiência de desvios e de abusos que surgem no exercício do poder. Durante o processo da nossa luta, certos mecanismos fundamentais foram elaborados e tornaram-se habituais. A crítica é, entre nós, uma constante, crítica das instituições partidárias e crítica de massas. A vigilância popular é extremamente penetrante e procuramos continuamente elevá-la.
As estruturas de direcção estão em contacto permanente com as massas, recolhem as suas opiniões, críticas, sugestões e propostas.
As organizações democráticas de massas estão, por seu lado, sempre presentes em todos os sectores da população, nos locais de trabalho e de residência.
Os militantes do Partido têm o direito de contactar todos os órgãos do Partido, incluíndo o Comité Central, e exercem esse direito. Uma outra fonte importante de críticas, de controle, são as cartas dos leitores para as revistas e jornais.
Os casos dos dirigentes do Partido e do Estado que foram destituídos das suas funções e publicamente denunciados por desvios da linha política e comportamento incorrecto são bem conhecidos.
Nestas circunstâncias, parece-nos possível afirmar que os eventuais abusos de poder que poderão surgir serão rapidamente detectados e sancionados.

P: Desde a sua formação em Dezembro de 1977, quais foram as principais realizações das Assembleias do Povo?
R: As eleições, em si mesmas, constituiram uma grande realização. Aproximadamente trinta mil deputados foram eleitos para as mil e vinte sete Assembleias do Povo, a nível nacional, provincial, distrital e local.
A segunda conquista foi a composição social destas Assembleias. Cerca de dois terços dos deputados provêem da classe operária e do campesinato.
Começámos a criar os órgãos executivos a diferentes níveis. Eles serão responsáveis perante as Assembleias do Povo. Estes órgãos existem já em todas as províncias, distritos, em numerosas localidades, assim como em diversas cidades.
Os deputados começaram também a criar comissões destinadas a controlar eficazmente as actividades económicas e sociais.
Enfim, os Tribunais Populares, que foram criados pelas Assembleias do Povo, estão já formados em bastantes distritos e algumas províncias.
Falta ainda fazer muito para materializar o princípio segundo o qual a Assembleia do Povo constitui o órgão supremo do Estado em todos os escalões, não demos senão os primeiros passos. De entre estes primeiros passos, há por exemplo, a alfabetização dos deputados.

P: Abordemos a produção e a economia. O Terceiro Congresso da Frelimo, em Fevereiro de 1977, estabeleceu os níveis de produção a atingir nos sectores industriais e agrícolas até 1980. Tendo em conta a falta de técnicos, a falta de capital e a sabotagem económica que afectou Moçambique imediatamente após a sua independência, o país vai conseguir atingir esses objectivos para 1980?
R: O Terceiro Congresso da Frelimo definiu a recuperação económica como o objectivo imediato essencial. Assim, os objectivos de produção que foram fixados para 1980 correspondem, regra geral, aos mais altos níveis de produção jamais atingidos em Moçambique, igualando ou superando os resultados de 1973/74.
Actualmente as perspectivas de cumprimento destas directivas são no geral positivas.
No sector agrícola, prevê-se que a campanha 1979/80 ultrapassará os objectivos fixados pelo Congresso para o milho, o arroz, as batatas, o algodão, o girassol, o chá, os citrinos, etc.; as principais medidas de organização, de formação e desenvolvimento deste sector, tais como a construção de canais de irrigação, a produção e melhoramento de sementes, a investigação científica, foram já aplicadas ou estão em vias de ser.
Igualmente na indústria a reorganização e a consolidação do poder do Estado popular nos principais ramos deram um impulso ao aumento progressivo da produção de prever-se que as orientações do Congresso sejam também atingidas.
Nas indústrias metalometalúrgicas e metalomecânicas, a indústria de vidro, o refinamento de petróleo, a indústria química e têxtil, o vestuário, o calçado e a alimentação, sectores onde tinham verificado quebras de produção mais ou menos profundas em 1975 e 1976, desenrolou-se um processo de recuperação em 1977 que só consolidou.


P: À luz das dificuldades encontradas por certos países nas suas tentativas de organizar aldeias comunitárias ou outras coopeativas numa base voluntária, como é que a Frelimo resolveu este problema?
R: A palavra de ordem do Partido de criação de aldeias comunais e cooperativas levantou grande entusiasmo, um vasto movimento popular. O estabelecimento desta forma de produção colectivo, os benefícios resultantes e a eliminação da base de exploração estimularam o seu rápido desenvolvimento. Hoje há mais de mil aldeias comunitárias, compreendendo um milhão de habitantes e mais de quinhentas cooperativas agrícolas com um total de trinta mil membros.
O sucesso do movimento das aldeias comunitárias e das cooperativas conduziu muitos camponeses individuais a agruparem--se e a desenvolver a produção colectiva. Temos o caso do
algodão, que era, na altura da colonização, uma cultura forçada, e que deixou marcas nos camponeses. Agora, assiste-se à criação de cooperativas da cultura do algodão.
A colectivização da produção conduz geralmente à colectivização gradual doutras actividades destinadas à resolução dos problemas de abastecimento - cooperativa de consumo - e da distribuição de produtos - a construção de casas, os problemas relativos à saúde e à educação.
As aldeias comunitárias são centros de produção colectiva, centros de vida política, social e cultural. São centros que permitirão industrializar, urbanizar e socializar as zonas rurais. Em síntese, as aldeias comunitárias são essencialmente centros de vida organizada, de vida colectiva.
Naturalmente, as cooperativas existentes defrontaram-se com numerosas dificuldades materiais como a necessidade de desenvolver técnicas para melhor utilização dos recursos materiais, por exemplo, construção de pequenos diques, para controlar o curso dos rios e utilizá-los para a irrigação; técnicas para combater as calamidades naturais, inundações, secas, geada, invasão de insectos, cujos efeitos podem ser anulados.

P: Qual é o papel do sector agrícola de Estado?
R: Este sector desenvolve-se de maneira acelerada. Existem já 130.000 hectares de produção agrícola sob o controle de empresas de Estado, cultivando algodão, arroz, milho, batata, amendoim luzerna, etc. As quintas de Estado são centros de difusão de técnicas avançadas para o uso das cooperativas - as melhores sementes para cada tipo de solo, as técnicas de cultura mais avançadas, os adubos de melhor qualidade. - Elas são também centros de formação técnico-científica para os membros das cooperativas, centros de alta produtividade e de elevado lucro.

P: Qual é o papel do capital privado, tanto local como internacional nos sectores industrial, agrícola e comercial na República Popular de Moçambique?
R: Na indústria, agricultura e comércio, o sector privado tem um importante papel social. A actividade do sector privado tem no entanto de servir os interesses da economia nacional, os empresários devem pôr os seus meios de produção ao serviço dos objectivos fixados pelo Estado, segundo os objectivos do Plano Nacional.
Pensamos que há lugar, no nosso desenvolvimento económico, para participação de outros países, firmas internacionais e capital estrangeiro em geral, na medida em que as suas actividades estejam já de acordo com princípios e prioridades dos nossos planos de desenvolvimento e se some ao valor dos nossos recursos humanos e materiais .
O nosso Estado estabeleceu uma legislação regulando as condições mínimas de criação de novos empreendimentos e definindo os seus direitos e obrigações.
No momento desta criação, ela é dotada de estatuto que prevê a duração dos benefícios, as transferências de assistência técnica, a maneira pela qual se efectuará a sua integração nos objectivos do Plano, e outras condições que permitirão a rentabilidade do projecto, para que ela beneficie ao mesmo tempo o investidor e a República Popular de Moçambique.
No início da realização de cada projecto, as condições são estabelecidas de comum acordo para pemitir ao Estado moçambicano adquirir as participações estrangeiras, no fim de um período mais ou menos longo.
Temos já experiências de ligação com o capital estrangeiro, seja sob a forma de empreendimentos mistos, seja pela aquisição de "know-how", ou mesmo de financiamento. Estas experiências situam-se principalmente no domínio das pescas, da exploração de riquezas minerais e da indústria metalúrgica. Elas foram positivas.
Na realização de projectos englobando o capital estrangeiro, o sistema correctamente adoptado, apesar de não ser o único possível, consiste em pagar esta participação estrangeira com uma porção da produção resultante desse projecto.
No que diz respeito aos riscos de investimento, podemos dizer que as participações estrangeiras são protegidas e garantidas pela lei.

P: Mas pode-se falar dum melhoramento da qualidade de vida quando o problema da penúria e das filas de espera ainda persiste?
R: O problema da penúria e das longas filas de espera foi amplamente discutido entre nós, e diferentes níveis e mesmo em reuniões populares.
As filas de espera são provocadas por diferentes factores, entre os quais é preciso destacar o aumento do poder de compra das populações, as modificações substanciais dos hábitos alimentares, a dificuldade de circulação dos géneros, a contracção da rede de comercialização e as quebras de produção. Substanciais aumentos de ordenado, a gratuitidade da saúde e da educação, assim como o abaixamento das rendas da casa modificaram profundamente as estruturas de consumo de população. Por exemplo, na época colonial o consumo de peixe nunca ultrapassou as dez mil toneladas. Em 1974 consumimos oitenta mil toneladas de batatas contra cento e dez mil toneladas em 1978. Em 1973, consumia-se em Moçambique dez mil toneladas de óleo alimentar; em 1978 ultrapassámos vinte mil toneladas. No passado, os produtos à base de trigo eram quase exclusivamente reservados à população de colonos europeus.
A grande estabilidade de preços dos géneros alimentares essenciais permitiu a camadas mais largas da população adquirí-
-los mais facilmente. Desde 1975, por exemplo, os preços do açúcar e do arroz mantiveram-se a 8$50 e 13$50 respectivamente. O sabão, a farinha de milho, o pão, o peixe, a carne, o frango, o leite mantiveram-se aos preços de 1975. Só a carne de primeira qualidade passou de 66$00 o quilo em 1974 para 78$00 em 1977.
Simultaneamente a este aumento de consumo, surgiram dificuldades materiais. Antes da independência, o exercício do pequeno comércio estava interdito aos moçambicanos.
É assim que a saída massiva de colonos que controlavam o comércio interno provocou uma grave ruptura nas redes de distribuição e de comercialização. Através do aumento do número de cooperativas de consumo, resolvemos pouco a pouco o problema de comercialização. Melhorámos igualmente a rede dos transportes, que tinha praticamente desaparecido com a saída dos colonos.
Esta saída teve outra consequência, que foi o abandono de numerosas quintas que abasteciam centros urbanos. Só agora é que a produção volta a aparecer.

P: Para abordar os problemas internacionais, qual é a apreciação de Moçambique sobre as recentes eleições na Rodésia?
R: Com os "acordos internos" e actualmente com as farsas eleitorais, os regimes racistas que governam a Namíbia e a Rodésia procuram pôr uma máscara de legalidade democrática e portanto de legitimidade. As máscaras não modificam a essência dos regimes. Salazar e Hitler também fizeram eleições e referendos e isso não alterou a natureza despótica e criminosa dos seus regimes.
Os exércitos racistas controlaram as eleições tanto na Namíbia como na Rodésia; obrigaram as pessoas a votar, prenderam as personalidades e os activistas que se opunham às farsas eleitorais; os latifundiários e os proprietários de fábricas carregaram os seus trabalhadores em camionetas e levavam-nos até às urnas sob o olhar vigilante da polícia. O carácter de farsa das eleições foi evidente para todos.
As manobras actuais vão fracassar pelas mesmas razões que fracassaram as precedentes. Por mais negros que sejam os primeiros-ministros fantoches, não deixarão de agredir os seus povos, não suspenderão as execuções, não impedirão os assassinatos publicamente mascarados em "mortes de fogo cruzado", não porão fim ao recolher obrigatório, aos campos de concentração. Eis porque o povo do Zimbabawe continuará a lutar, a identificar-se com a Frente Patriótica.
Os fantoches prosseguirão, como já anunciaram, as agressões contra os Estados soberanos limítrofes. A credibilidade e a viabilidade destes regimes foram já denunciadas pelos não-
-alinhados, pela ONU e ultimamente pelo Conselho de Segurança.

P: Após a reunião de 12 de Maio, em Addis Abeba, as duas alas da Frente Patriótica anunciaram novos passos para uma acção conjunta. Mas a ZAPU e a ZANU conservam a sua identidade própria. Qual é a sua opinião sobre o problema da unidade do Zimbabwe e sobre as profecias da guerra civil eminente?
R: A Frente Popular é uma conquista do povo do Zimbabwe, um passo em frente decisivo para ultrapassar as divisões herdadas da história e fomentadas pelo inimigo.
A unidade não é um problema estático, é um processo dinâmico que prossegue o seu crescimento, é o resultado da sua maturidade da consciência popular face às exigências da luta.
Os combatentes da Frente Patriótica atingiram sucessos indiscutíveis ao coordenarem as suas actividades. Não esqueçamos que Smith fracassou completamente as suas tentativas para recrutar uma das alas da Frente Patriótica e levá-la a apoiar o "regulamento interno" e opôr-se assim à outra ala.
No decurso da recente reunião de Addis Abeba, deram-se novos passos em direcção da coordenação das actividades das duas alas, particularmente no campo militar.
O inimigo fala muito das divisões da Frente Patriótica e no entanto abstem-se de falar nas rivalidades sangrentas que opõem os diversos fantoches e que são bem conhecidas. Smith, tal como os colonialistas franceses na Argélia ou portugueses em Moçambique, como todos os colonialistas e os racistas, espalha a ideia de que o povo está sempre condenado à guerra civil, uma vez desaparecida a dominação estrangeira. Os que fomentam o tribalismo e o racismo, semeiam as intrigas, querem sempre fazer-se passar por agentes da paz e garantes da Unidade. Em três anos, a Frente Patriótica sobreviveu a todas as crises e com o apoio de todos os amigos do Zimbabwe, vai continuar a esforçar-se.

P: A Frelimo sempre teve relações cordiais tanto com a China como com a União Soviética mas no princípio do ano, um comunicado oficial do Governo moçambicano condenou o ataque chinês contra o Vietname. Trata-se de uma modificação na política da Frelimo face à divisão do Movimento Comunista Internacional?
R: A Frelimo apoiou e sempre apoiará a unidade do Movimento Comunista e Operário Internacional e agiremos sempre a favor dessa unidade. Sobre situações particulares, podemos ter divergências com os partidos irmãos e mesmo posições opostas. Abstemo-nos por princípio de fazer debate público sobre essas divergências e contradições, mas, no entanto, não hesitamos expôr os nossos pontos de vista quando nos pedem.
Temos como princípio distinguir entre os erros dos amigos. Esta distinção leva-nos a tratar diferentemente as situações. Igualmente, por graves que sejam os erros dos amigos, não esqueçemos jamais o seu apoio nas horas difíceis e a contribuição que deram ao movimento revolucionário noutros momentos.
O princípio do respeito das fronteiras e da inviabilidade do território nacional, o princípio da resolução pacífica dos diferendos entre Estados, o não recurso à força nas relações internacionais e cuja defesa cabe a todos os Estados.
A República Popular da China é um Estado amigo que violou estes princípios ao atacar o Vietname. Calarmo-nos era aceitar tacitamente uma grave violação das normas que regem as relações internacionais. Esta violação atingiu-nos ainda mais por se tratar de um Estado socialista atacando outro Estado Socialista.
A nossa amizade com a República Popular da China permanece inalterável, como permanece inalterável a apreciação que temos pelo apoio que nos foi dado nas horas difíceis e pela contribuição da revolução chinesa para o desenvolvimento do processo revolucinário mundial.


P: Moçambique esteve entre os primeiros países que reconheceram e apoiaram os novos governos do Cambodja e do Uganda. Que pensa do papel da Tanzânia e do Vietname nas
manifestações ocorridas nesses dois países?
R: Nós apoiamos a ajuda fraternal dada pela República Sudoeste do Vietname no Cambodja da mesma forma que apoiamos a ajuda fraternal da República Unida da Tanzânia ao Uganda. O Vietname, como a Tanzânia, foram atacados diversas vezes por regimes despóticos e expansionistas. Eles tinham o direito no quadro da legítima defesa de neutralizar os agressores e no quadro do dever de solidariedade internacional, apoiaram as insurreições contra estes regimes despóticos.
Para nós, o importantes é sempre saber contra quem são viradas as armas, contra o povo ou contra a tirania.
Hoje no sudeste asiático, sólidos laços de amizade se formam entre o Vietname, o Laos e o Cambodja, laços de amizade e de solidariedade que constituem um facto fundamental para o triunfo da causa do socialismo nesta zona e que permitem a consolidação da paz e da segurança internacional em toda a região.
Entre a Tanzânia e o Uganda reina um clima de paz e de cooperação que contribui para a estabilidade e progresso da África Oriental e ao reforço da luta de libertação na África Austral.

P: A política de Carter em relação à África é diferente dos precedentes? Que podem fazer os Estados Unidos para melhorar as suas relações com a República Popular de Moçambique?
R: O governo de Nixon, contra a vontade do povo dos Estados Unidos, distinguiu-se tristemente ao apoiar o regime colonial-fascista português. O governo de Ford foi forçado a aceitar a realidade da derrota político-militar do colonialismo português em África e estabeleceu relações diplomáicas com a República Popular de Moçambique.
O presidente Carter e o seu governo tentaram apresentar uma nova política face a África, que levaria finalmente os Estados Unidos a demarcarem-se das causas injustas do colonialismo, do racismo e do apartheid.
Esta situação é positiva, no entanto a realidade fica bem aquém da boa vontade expressa. Observámos as posições perpetuamente hesitantes em relação ao Zimbabwe e à Namíbia. O abandono do plano anglo-americano para o Zimbabwe, o abandono virtual do plano das cinco potências ocidentais para a Namíbia, testemunham uma falta de coerência ou uma incapacidade em aplicar uma política de boas intenções. Estas dificuldades ultrapassam a boa vontade individual dos dirigentes do sistema, são contradições e incapacidades inerentes ao próprio regime.
Quando o presidente Carter ocupou o seu cargo encontrou um aparelho pré-existente e não foi capaz de o destruir. Como conciliar a boa vontade do presidente Carter com o sistema existente?
Mas é verdade que há diferenças. A administração Nixon era caracterizada pela sua agressividade e a sua política imperialista no Vietname e noutras partes do mundo. Carter é um homem de boa vontade. Vamos dar-lhe ainda algum tempo para formar um juízo sobre ele. Não podemos dizer aos Estados Unidos para fazer isto ou aquilo. Estabelecemos relações diplomóticas com eles e passámos uma esponja. Mas o congresso decidiu pôr a República Popular de Moçambique na lista negra. Portanto, a melhoria das nossas relações depende exclusivamente dos Estados Unidos. Puseram-nos na lista negra, depende deles a decisão de nos tirarem de lá.
No entanto, a nossa cooperação, principalmente com as firmas privadas, desenvolve-se sobre a base das vantagens mútuas.


(in: "Voz do Povo", Lisboa, 1979-08-18)

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