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“Moçambique é refém de si mesmo”: economista moçambicano Carlos Nuno Castel-Branco avalia os megaprojetos
Carlos Nuno Castel-Branco, coordenador do grupo de investigação sobre economia e desenvolvimento do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), diz que as opções políticas fazem com que o seu país perca dinheiro.
A 4 de outubro de 1992, a FRELIMO, Frente de Libertação de Moçambique, e a RENAMO, Resistência Nacional Moçambicana, assinaram o Acordo Geral de Paz em Roma, pondo fim a16 anos de guerra civil. Hoje, duas décadas depois, diz o economista moçambicano, a paz não pode servir apenas o grande capital no país. Pelo contrário, essa linha é a receita para uma explosão social.
Marta Barroso falou com Carlos Nuno Castel-Branco sobre o seu balanço destes vinte anos de paz em Moçambique.
DW África: No final da década de 1980, Moçambique ocupava o último lugar do Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, PNUD. Com os dividendos da paz, o país conseguiu diminuir a pobreza, facilitando o acesso à saúde e à educação, por exemplo. Contudo, na segunda década de paz, a pobreza rural não diminuiu ou piorou. Em 2011, Moçambique encontrava-se no lugar 184 entre 187 países do mesmo Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD. Como explica esta situação?
Carlos Nuno Castel-Branco (CNCB): A primeira década do pós guerra foi focada naquilo que nós chamamos de despesa social, de grande investimento público na reabilitação de infraestrutura social, a retomada de atividades económicas pelo simples facto de que a guerra tinha acabado.
Mas os grandes projetos, que marcaram a segunda década, o grande investimento para toda a área do complexo mineral energético, não geram os níveis de emprego nem geram as ligações necessárias com o resto da economia para poder dinamizar a economia como um todo: nós, nos últimos dez anos, tivemos um aumento rapidíssimo do investimento direto estrangeiro em Moçambique.
Mas ao todo 80% do investimento vão para infraestruturas e serviços ligados com o complexo mineral energético ou, no caso da agricultura, ligados com a exportação de bens primários sem processamento, que é o caso das florestas, o caso do tabaco, o algodão e o caju.
Ora, ao gerar uma economia de tipo extrativo, as atividades económicas não se ligam umas com as outras.
O outro problema é que a economia também não retém a riqueza que gera, então, por exemplo, apesar de a economia de Moçambique continuar a crescer entre 7 e 7,5% ao ano, a nossa dependência relativamente a fluxos de recursos externos aumentou neste período – não só no que diz respeito a financiamento do Estado, mas sobretudo no que diz respeito a financiamento de investimento privado. 95% do investimento privado são financiados por fluxos externos de capital.
DW África: A ajuda externa financia cerca de 40% do Orçamento do Estado de Moçambique. Até que ponto acha que o Estado continua ou continuava até à vinda dos megaprojetos, dependente desta ajuda externa?
Marta Barroso falou com Carlos Nuno Castel-Branco sobre o seu balanço destes vinte anos de paz em Moçambique.
DW África: No final da década de 1980, Moçambique ocupava o último lugar do Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, PNUD. Com os dividendos da paz, o país conseguiu diminuir a pobreza, facilitando o acesso à saúde e à educação, por exemplo. Contudo, na segunda década de paz, a pobreza rural não diminuiu ou piorou. Em 2011, Moçambique encontrava-se no lugar 184 entre 187 países do mesmo Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD. Como explica esta situação?
Carlos Nuno Castel-Branco (CNCB): A primeira década do pós guerra foi focada naquilo que nós chamamos de despesa social, de grande investimento público na reabilitação de infraestrutura social, a retomada de atividades económicas pelo simples facto de que a guerra tinha acabado.
Mas os grandes projetos, que marcaram a segunda década, o grande investimento para toda a área do complexo mineral energético, não geram os níveis de emprego nem geram as ligações necessárias com o resto da economia para poder dinamizar a economia como um todo: nós, nos últimos dez anos, tivemos um aumento rapidíssimo do investimento direto estrangeiro em Moçambique.
Mas ao todo 80% do investimento vão para infraestruturas e serviços ligados com o complexo mineral energético ou, no caso da agricultura, ligados com a exportação de bens primários sem processamento, que é o caso das florestas, o caso do tabaco, o algodão e o caju.
Ora, ao gerar uma economia de tipo extrativo, as atividades económicas não se ligam umas com as outras.
O outro problema é que a economia também não retém a riqueza que gera, então, por exemplo, apesar de a economia de Moçambique continuar a crescer entre 7 e 7,5% ao ano, a nossa dependência relativamente a fluxos de recursos externos aumentou neste período – não só no que diz respeito a financiamento do Estado, mas sobretudo no que diz respeito a financiamento de investimento privado. 95% do investimento privado são financiados por fluxos externos de capital.
DW África: A ajuda externa financia cerca de 40% do Orçamento do Estado de Moçambique. Até que ponto acha que o Estado continua ou continuava até à vinda dos megaprojetos, dependente desta ajuda externa?
Carlos Nuno Castel-Branco foi diretor do IESE entre 2007 e 2012
CNCB: Na minha opinião, quando o grande capital internacional começou a ficar o elemento determinante do desenvolvimento da economia nacional, nos últimos 12, 15 anos, a ajuda externa passou a jogar um papel interessante, que é o papel de financiar este grande capital: o Estado dá incentivos fiscais enormes ao grande capital.
O Estado entraria em colapso político se desse estes incentivos fiscais ao grande capital e não tivesse ajuda externa, porque a ajuda externa permite ao governo prestar serviços e permite ao governo prestar esses serviços apesar do facto de as políticas nacionais serem de todo o apoio ao grande capital internacional incluindo o favorecimento da saída de capitais de Moçambique.
Ora, em incentivos redundantes que nós estamos a dar a multinacionais, Moçambique está a perder 240 milhões de dólares por ano. Nós é que estamos a fazer o dinheiro sair do país com as políticas que estamos a seguir. É verdade que aqueles 240 milhões de dólares não dão para todas as necessidades de Moçambique, mas dão para muita coisa. São 10% do Orçamento do Estado.
O Estado entraria em colapso político se desse estes incentivos fiscais ao grande capital e não tivesse ajuda externa, porque a ajuda externa permite ao governo prestar serviços e permite ao governo prestar esses serviços apesar do facto de as políticas nacionais serem de todo o apoio ao grande capital internacional incluindo o favorecimento da saída de capitais de Moçambique.
Ora, em incentivos redundantes que nós estamos a dar a multinacionais, Moçambique está a perder 240 milhões de dólares por ano. Nós é que estamos a fazer o dinheiro sair do país com as políticas que estamos a seguir. É verdade que aqueles 240 milhões de dólares não dão para todas as necessidades de Moçambique, mas dão para muita coisa. São 10% do Orçamento do Estado.
Além disso, nós estamos a acelerar a entrega de recursos a grandes empresas internacionais e estamos, neste momento, a permitir a saída de 7 a 9% do PIB (Produto Interno Bruto) em fuga lícita e ilícita de capitais todos os anos. Então, como é que somos reféns dos doadores? Nós somos reféns de nós próprios.
O enfoque das infraestruturas do investimento e da atenção do Estado para os megaprojetos fez com que não houvesse o desenvolvimento de outras atividades no país.
É paradoxal que, enquanto nos últimos dez anos, o Produto Interno Bruto de Moçambique um pouco mais do que duplicou, a produção alimentar per capita no país diminuiu no mesmo período.
Então isto tem reflexos diretos:
Primeiro, a maioria das pessoas de facto não está a participar tão ativamente no processo de recuperação económica.
Segundo, o principal bem de consumo básico, que é a comida, está a ficar mais caro e isso necessariamente afeta a distribuição real de rendimento contra as pessoas pobres.
E os megaprojetos precisam de infraestruturas extremamente caras, de grande, grande escala, grande, grande envergadura, mas que não servem para diversificar e ligar o país.
DW África: Quais são então os benefícios dos megaprojetos para o país?
CNCB: Os benefícios são marginais. Ainda. Com base fiscal, estamos a reter menos do que 4% das receitas brutas destes projetos, que é um nível de retenção muito limitado. A MOZAL [fundição de alumínio próximo da cidade de Maputo] emprega um pouco mais que 1.500 trabalhadores.
Mas se nós pensarmos que o investimento que a MOZAL fez em Moçambique é equivalente a um quarto do Produto Interno Bruto de Moçambique, nós com um quarto do Produto Interno Bruto de Moçambique empregamos 1.500 pessoas! Com todo o Produto Interno Bruto de Moçambique a este custo por posto de trabalho, nós iríamos empregar 6.000 pessoas num país que tem 23 milhões... Então não é uma estratégia viável para gerar emprego!
A economia não pode continuar a gerar postos de trabalho com esse tipo de custo por posto de trabalho.
Estimulou algum tipo de formação, mas este é muito reduzido, de muito pouco alcance, gerou riqueza, mas esta riqueza não é absorvida pela economia, gerou nome para Moçambique como uma zona no continente africano onde grande investimento internacional é seguro e pode vir, mas por outro lado, isso não beneficia o desenvolvimento do país.
O enfoque das infraestruturas do investimento e da atenção do Estado para os megaprojetos fez com que não houvesse o desenvolvimento de outras atividades no país.
É paradoxal que, enquanto nos últimos dez anos, o Produto Interno Bruto de Moçambique um pouco mais do que duplicou, a produção alimentar per capita no país diminuiu no mesmo período.
Então isto tem reflexos diretos:
Primeiro, a maioria das pessoas de facto não está a participar tão ativamente no processo de recuperação económica.
Segundo, o principal bem de consumo básico, que é a comida, está a ficar mais caro e isso necessariamente afeta a distribuição real de rendimento contra as pessoas pobres.
E os megaprojetos precisam de infraestruturas extremamente caras, de grande, grande escala, grande, grande envergadura, mas que não servem para diversificar e ligar o país.
DW África: Quais são então os benefícios dos megaprojetos para o país?
CNCB: Os benefícios são marginais. Ainda. Com base fiscal, estamos a reter menos do que 4% das receitas brutas destes projetos, que é um nível de retenção muito limitado. A MOZAL [fundição de alumínio próximo da cidade de Maputo] emprega um pouco mais que 1.500 trabalhadores.
Mas se nós pensarmos que o investimento que a MOZAL fez em Moçambique é equivalente a um quarto do Produto Interno Bruto de Moçambique, nós com um quarto do Produto Interno Bruto de Moçambique empregamos 1.500 pessoas! Com todo o Produto Interno Bruto de Moçambique a este custo por posto de trabalho, nós iríamos empregar 6.000 pessoas num país que tem 23 milhões... Então não é uma estratégia viável para gerar emprego!
A economia não pode continuar a gerar postos de trabalho com esse tipo de custo por posto de trabalho.
Estimulou algum tipo de formação, mas este é muito reduzido, de muito pouco alcance, gerou riqueza, mas esta riqueza não é absorvida pela economia, gerou nome para Moçambique como uma zona no continente africano onde grande investimento internacional é seguro e pode vir, mas por outro lado, isso não beneficia o desenvolvimento do país.
Megaprojetos como a exploração das areias pesadas em Moma (na imagem), criam poucos empregos, critica Castel-Branco
DW África: Qual seria uma alternativa mais sustentável, na sua opinião?
CNCB: Nós neste momento temos as dinâmicas do grande capital já a funcionar em Moçambique e portanto não vale a pena deitar fora, dizer: "Vamos fechar estas grandes empresas e vamos fazer uma outra economia". A questão é como tirar proveito delas. E o meu primeiro ponto é a questão da tributação do grande capital, tributação que permita criar o espaço fiscal para o Estado poder investir na diversificação da base produtiva do país.
O outro ponto é a atenção às estratégias industriais específicas que possam ligar atividades nacionais com os grandes projetos, mas de tal maneira que se diversifiquem as fontes de procura para não criar uma indústria que é tão dependente de uma fonte de procura que de facto fica depois um canal de transmissão de crises para a economia como um todo.
Nós estamos num momento no nosso país, em que há uma grande contradição sobre as necessidades de pensar o que é que vamos fazer com este país.
Portanto, num certo sentido, eu iria dizer: no fim de 20 anos de paz é absolutamente claro, para mim, pelo menos, que a sustentabilidade da paz requer um forte processo de reorganização, desenvolvimento, mobilização, organização de luta política a um nível muito mais alto do que aquele que nós temos para mudar a natureza da paz, a natureza do Estado.
A paz não pode ser simplesmente paz para gerar a acumulação de capital do grande capital em desfavor das outras pessoas, sobretudo da maioria da população, porque isso é a receita para uma explosão violenta.
DW África: Acha que a paz é frágil em Moçambique?
CNCB: Enquanto nós tivermos os níveis de desigualdade que temos, enquanto nós estivermos a reproduzir pobreza ao mesmo tempo que criamos riqueza, a paz será sempre frágil. Passaram 20 anos sobre a guerra, eu não posso hoje, 20 anos depois, estar a dizer: "Há 20 anos atrás eu não tinha roupa, a minha roupa era um saco e hoje tenho roupa, então está aqui o grande progresso".
O Estado moçambicano deixa de ganhar milhões de dólares por ano com os megaprojetos (na imagem, mina de carvão da brasileira Vale em Moatize, Tete)
DW África: Qual é os seu balanço dos 20 anos de paz em Moçambique?
CNCB: Temos uma excelente oportunidade para de facto construirmos uma paz com uma base social alargada. Um dos problemas de Moçambique é que os defensores da paz, os que falam mais sobre isto – quer o governo quer as igrejas – sempre que há um conflito social, o discurso vem que "o mais importante é garantir a paz".
Como se a voz dos que são prejudicados, dos que perdem no processo social valesse menos do que a paz. Portanto, só vale a voz dos que têm poder, a voz dos outros não vale, porque ameaça a paz.
Ora, a ameaça à paz não vem da voz dos que normalmente não têm voz, a ameaça à paz vem das ações daqueles que têm poder. Os outros só estão a reagir a isso.
Não temos guerra, mas temos o potencial de enorme violência social todos os dias: o desemprego é grande violência social, má educação é violência social, morrer no centro de saúde por negligência ou mau tratamento é violência social, ser tirado da sua terra e depois não conseguir emprego é violência social. Todas essas formas de violência social estão presentes diariamente. E isso não é paz.
Autora: Marta Barroso
Edição: Johannes Beck
CNCB: Temos uma excelente oportunidade para de facto construirmos uma paz com uma base social alargada. Um dos problemas de Moçambique é que os defensores da paz, os que falam mais sobre isto – quer o governo quer as igrejas – sempre que há um conflito social, o discurso vem que "o mais importante é garantir a paz".
Como se a voz dos que são prejudicados, dos que perdem no processo social valesse menos do que a paz. Portanto, só vale a voz dos que têm poder, a voz dos outros não vale, porque ameaça a paz.
Ora, a ameaça à paz não vem da voz dos que normalmente não têm voz, a ameaça à paz vem das ações daqueles que têm poder. Os outros só estão a reagir a isso.
Não temos guerra, mas temos o potencial de enorme violência social todos os dias: o desemprego é grande violência social, má educação é violência social, morrer no centro de saúde por negligência ou mau tratamento é violência social, ser tirado da sua terra e depois não conseguir emprego é violência social. Todas essas formas de violência social estão presentes diariamente. E isso não é paz.
Autora: Marta Barroso
Edição: Johannes Beck
1 comentário:
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