sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

A morte inesperada do Mariano Sozinho - Carlos Kandanda



Luanda – Quando estamos em vida torna-se difícil fazer uma avaliação objetiva da dimensão de uma pessoa e o alcance da sua obra. Embora a morte seja o fim da existência física do ser humano, mas ela apresenta-se como sendo o ponto de partida da manifestação e da afirmação das realizações humanas enquanto em vida – na terra.

Fonte: Club-k.net
Razão pela qual, a morte reveste-se de uma importância capital no processo delicado de fazer o balanço final da vida humana, na sua peregrinação pelo planeta terra. Esta apreciação síntese da vida é feita no acto da despedida, num conjunto de procedimentos rituais, em que o Homem recebe a última homenagem, prova evidente de veneração, admiração ou reconhecimento da sua estatura.

É precisamente nesta altura, da despedida final, em que a morte manifesta explicitamente a sua imponência e sua supremacia sobre o nascimento ou sobre outros momentos mais sagrados da trajetória da pessoa humana – na terra. Este rito cultural, em que o Morto é colocado diante a reputação, visa essencialmente sintetizar a sua obra que fica registada na memória colectiva da família, da comunidade ou da sociedade, como tal.

Embora a morte tenha o mesmo carácter, em termos do peso e do impacto sociopsicológico que exerce na consciência humana, cada uma dela deixa um reflexo distinto de acordo com o seu prestígio e sua estatura. A estatura não se mede apenas pelo estatuto social ou profissional da pessoa, mas sim, pelo seu carácter pessoal que lhe identifica e lhe define dentro da sociedade em que esteja inserida.

Portanto, o meio social tem a competência de avaliar os mortos na altura da despedida final, rumo ao destino desconhecido, às alturas. Creio que, esta é uma das formas de prestar testemunhos públicos enquanto ser vivos, das responsabilidades que pesam sobre os ombros de cada um.

O professor Dr. Mariano Sozinho, antigo deputado da Assembleia Nacional, militante convicto da UNITA, Veterano e Antigo Combatente, faleceu no dia 8 de Janeiro de 2013, na Clinica Sagrada Esperança, na Ilha de Luanda. A sua sepultura realizou-se no dia 12 do mês corrente, no cemitério da Camama, no município de Kilamba-Kiaxi, em Luanda.

A Endiama, o nome mais conhecido da Clinica Sagrada Esperança, é uma das maiores unidades hospitalares do País, bem apetrechada com equipamentos modernos, de alta tecnologia, com uma equipa de Médicos conceituados, apoiados por um largo número de técnicos especializados e de infraestruturas modernas e bem organizadas.

O melindre ou a incógnita desta unidade hospitalar, de utilidade pública, é a percepçao que o público traz consigo em relação as mortes constantes que ai ocorrem, algumas das quais são inesperadas e inexplicáveis, deduzindo-se em incertezas, especulações ou ceticismos.

Todavia, a queda retumbante deste prestigioso homem da história, Mariano Sozinho, deixou uma consternação enorme no seio da Sociedade Angolana, sobretudo na Gente que conviveram com ele enquanto em vida. O tamanho da multidão que assistiu a sua sepultura, de todos estratos social, religioso, cívico e político, testemunha a grandeza desta personagem, desta era contemporânea.

O meu compadre e colega, Mariano Sozinho, de várias dimensões, das quais destacou com brilho e notabilidade, foi um intelectual respeitável; homem íntegro, abnegado, leal e convicto nos seus ideais.

Era um político astuto, discreto, flexível, firme, perseverante, nacionalista e pan-africanista. Um Combatente politico clandestino que soube navegar despercebido nas tempestades e soube igualmente manobrar-se em terrenos escorregadios. Na sua modéstia, prudência, flexibilidade, firmeza e persistência sabia sempre levar a água ao seu moinho.

Na Fé, era um Cristão bem assumido, temperado, activo, dinâmico, congregador, evangelista e mensageiro da Boa-Nova. Um Professor experiente, diligente, estudioso, rigoroso, exigente, admirador do saber e entregue totalmente às comunidades rurais e pobres.

Um Psicólogo-pedagógico perspicaz que deixou uma Obra ímpar, um trabalho científico sociopsicológico, sobre a Intolerância Politica, um fenómeno que tem reflexos bastantes negativos dentro da Sociedade Angolana, como instrumento poderoso da imposição do Partido-Estado que se instalou firmemente no País.

Ela, a intolerância política, constitui uma ameaça evidente à estabilidade politica, à identidade nacional e à coesão social, num País onde o fosso entre a pobreza esmagadora e a opulência da Classe dominante é abismal.

O Senhor Mariano Sozinho era admirado pelo estilo da sua vida como chefe da família – pai, tio, avô, irmão, cunhado, encarregado de educação, compadre, padrinho, amigo, conselheiro, congregador, educador e formador douto e infatigável. Trazia consigo o sentimento forte da fé, de amor e da fidelidade ao matrimónio.

Era um Homem notável da Cultura, uma grande Biblioteca, um repositório da Herança Cultural Africana; um Conselheiro e Conciliador das Comunidades; trabalhador incansável; visionário, realista e pragmático.

De todas as dimensões evocadas na jornada da despedida do Dr. Mariano Sozinho, passou-se despercebida uma grande virtude, que é menos comum na Sociedade Angolana, bem carregada da intolerância e da exclusão social, politica e económica.

A intolerância é refletida na postura de não aceitar as diferenças de opinião, de crença, de consciência ou de conduta. Noutras palavras, a recusa do exercício pleno da liberdade da opinião, da consciência, da crença, do culto, da filiação politica, da expressão e da informação.

Esta personalidade, diante a qual curvamos, tinha o espirito forte do altruísmo, de amor ao próximo, de tolerância, de inclusão, de convivência e de coexistência pacífica dentro da sua família e fora dela. Ele era um democrata genuíno e praticante que aceitou livremente a opção política dos seus filhos, sem ressentimentos ou rancores.

Neste respeito, dizia ele aos seus três filhos mais velhos, os quais fizeram parte integrante do núcleo mais dinâmico e conceituado dos delegados ao I Convénio da fundação da CASA-CE, em Abril de 2012:

Eu mantenho-me fiel ao meu Partido, UNITA, Partido do meu coração, ao qual dediquei a minha militância desde minha juventude, na época mais conturbada da clandestinidade.
Todavia, sou de convicção de que, o caminho que a CASA-CE está trilhando vai-se convergir no mesmo destino, no mesmo alvo e na mesma meta estratégica. Só que, a ponte que nos transpusesse o Rio, desabou.
Por isso, eu sigo em direção da travessia que fica em baixo, ao lado direito; vocês subam para a ponte que está situada em cima, ao lado esquerdo. No fim, iremos nos convergir no outro lado do Rio, rumo ao destino que todos preconizamos.

Para dizer que, no seu entender, de modo lacónico, a UNITA e a CASA-CE, ambos buscam a conquista da liberdade, da democracia genuína, da boa governação, da igualdade e da distribuição justa da riqueza do País, que passam necessariamente pela mudança democrática do Poder politico.

Logo, esta forma de conduta, do Mariano Sozinho, representa uma fase mais elevada da consciência politica e da maturação do sistema democrático.

Mesmo nas democracias avançadas da Europa Ocidental ou dos Estados Unidos da América, ainda verifica-se, em certos círculos, alguns focos de resistências a este tipo de estar na vida social, de «convivência e coexistência pacífica» entre militâncias políticas diferentes – em baixo do mesmo tecto.

Numa sociedade, com níveis elevadíssimos de intolerância política, como Angola, verificar um fenómeno deste género, do carácter do Mariano Sozinho, constitui uma excepção de natureza extraordinária. Pois que, o seu conceito da liberdade e da dignidade humana está situado a nível das sociedades democráticas mais avançadas.

Por isso, esta dimensão de tolerância politica, acima do normal, enraizada nos valores da «Democracia Cristã», constitui o factor mais supremo de todas outras dimensões evocadas na cerimónia fúnebre, no Cemitério da Camama.

Este Homem, de virtudes excepcionais, deixou-nos uma lição muito importante e um grande desafio de que, apesar das nossas opções politico-ideológicas, no fim de contas, somos todos filhos e filhas da mesma Pátria, que pugnam pela mesma Causa – Angola. As diferenças político-partidárias não podem nem devem dividir a nossa sociedade, as nossas comunidades, as nossas famílias e as nossas amizades multidimensionais.

Em 2012, no Bairro Simeone Mucune, no Município de Belas, em Luanda, uma dirigente da OMA (braço feminino do MPLA), na presença dos Agentes da Policia Nacional, mandou espancar o seu filho biológico, João João, até a morte, apenas por aderir a UNITA.

Uma postura desta natureza, tão cruel, selvática, intolerante e exclusivista, deve ser extirpada decididamente da nossa Sociedade. Infelizmente, a Assassina, deste crime hediondo, em flagrante delito, por ser militante do MPLA, partido da situação, ela saiu-se impune e o Processo ter sido silenciado e manipulado pela Máquina poderosa do Partido-Estado.

Pois, uma Sociedade justa e democrática é aquela cujo Povo goza de liberdade plena de pensamento, de escolha, de relacionamento e de realização, de modo consciente, sem quaisquer freios ou constrangimentos arbitrários. Em que, a Lei é Suprema e é Igual para todos.

Neste capítulo, o malogrado Mariano Sozinho é o exemplo a seguir. Paz a sua Alma!

Luanda, 24 de Janeiro de 2013

Conecta: http://baolinangua.blogspot.com

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