terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Crescimento económico acima de sete por cento é enganador

Crescimento económico acima de sete por cento é enganador

Moçambique registou, em 2012, um crescimento económico na ordem dos cerca de 7.5 por cento, um índice considerado por muitos economistas e instituições financeiras nacionais e internacionais como sendo muito bom para o alcance do desenvolvimento almejado.
Mas, para dois renomados economistas moçambicanos, entrevistados pelo “Diário de Moçambique”, em jeito de balanço económico, este crescimento é enganador, uma vez que em termos reais foi ofuscado pela inflação, que foi alta.
Para o ano passado as previsões tinham fixado em cerca de 6.5 por cento a taxa da inflação acumulada, o que quer dizer que na realidade, a economia nacional cresceu muito pouco, apenas um por cento, facto que contribui para que o mesmo não se reflicta na vida da população, que continua maioritariamente pobre. Para eles, a economia não cresceu, apenas ficou estável.
“Os níveis de crescimento económico, que rondam sete a oito por cento, parecem bons, mas quando olhamos para a taxa de inflação que rondou entre seis e oito por cento, vê-se logo que o crescimento real da economia foi de um ou dois por cento”, referiu o economista e académico Firmino Mucavele, acrescentando que, nesta ordem, a economia nacional apenas ficou estabilizada, como poderá acontecer em 2013 em que se espera um crescimento de 8,4 por cento e uma inflação de 7,5 por cento.
Isto explica-se, segundo ele, pelo facto de os níveis de pobreza não reduzirem, continuarem acima dos 50 por cento.
Considerou que para o país registar bons níveis de desempenho económico, precisa de manter o crescimento na actual linha e conter a inflação para três por cento ou menos.
“Assim teríamos um crescimento económico real de quatro por cento ou mais e isso poderia ajudar no desenvolvimento”, sublinhou Firmino Mucavele.
Para um desenvolvimento humano significativo, o país precisa de um crescimento real acima de cinco por cento e isso permitiria ter um diferencial maior para que haja transmissão daqueles rendimentos nacionais para as camadas mais pobres.
Por seu lado, o economista Luís Magaço considera que o crescimento económico verificado não tem sinais de desenvolvimento, por isso não se reflecte na vida das pessoas.
Firmino Mucavele explicou que na área económica o ano de 2012 foi difícil, devido a uma série de realizações de âmbito social, económico e produtivo que influenciaram a falta de financiamento para cobrir várias actividades. Isso contribuiu para que “a economia continuasse a progredir com ritmos desacelerados”.
Por outro lado, o ambiente de negócios não melhorou ao nível do que se esperava e a produtividade não atingiu os níveis desejados.
“No geral, não houve um crescimento económico salutar em termos do que se esperava. Mas já se esperava que o ano fosse difícil devido à conjuntura internacional, tendo em conta os desafios que se colocaram ao nível económico, social e político”, referiu.
Do ponto de vista social, Mucavele classificou o ano 2012 como tendo sido mau, devido à deterioração do sistema de transportes, baixos salários e a contínua precariedade da vida rural.
“Algo não está a bater bem nas políticas sociais e isso está a provocar muita convulsão. Os sindicatos estão a travar uma grande batalha para manter os empregos, temos greves de todo o lado exigindo aumentos salariais”, lamentou aquele académico, acrescentando ser necessário fazer alguma coisa para mudar esta situação.
Para o efeito, o nosso entrevistado sugere que seja aumentada a taxa de emprego, sobretudo nas populações de renda baixa, bem como continuar a manter o ritmo e a tendência do crescimento económico.
Enquanto isso, Luís Magaço referiu que o ano de 2012 correu dentro das previsões em termos económicos, tanto do ponto de vista de crescimento assim como do comportamento do mercado e dos vários factores que influenciam o desempenho.
Para ele, na política monetária, o Banco de Moçambique conseguiu rever em baixa as taxas directoras, o que é um bom sinal e uma forma de pressionar o sector bancário a melhorar as taxas de juro para o sector produtivo.
De acordo com o nosso interlocutor, do ponto de vista da taxa de câmbio, o país registou uma estabilidade importante, que dá algumas garantias aos operadores do comércio externo de que as suas operações não terão turbulências, cenários imprevistos, tanto em relação aos seus compromissos como dos seus planos de negócio.
Em relação à inflação, segundo Luís Magaço, Moçambique manteve-se dentro dos padrões, o que implica que os produtos estão a ser comprados a preços mais ou menos baratos.
“Penso que a confiança do negócio em 2012 evoluiu positivamente”, disse, acrescentando que registou-se uma certa desvalorização da moeda, o que foi bom para os exportadores e as pequenas e médias empresas.
Por outro lado, aquele economista salientou que apesar de o país continuar a centrar atenções na atracção de investimentos estrangeiros, devido à descoberta de recursos minerais, sobretudo o gás e o carvão, continua a cair nos vários índices internacionais, o que afirma é um mau sinal.
Em dois anos consecutivos, Moçambique decresceu 13 lugares no Doing Business, dos quais seis perdeu em 2012 e outros sete em 2011. Também continuou a registar queda nos índices de Competitividade Global da World Economic Forum e de Desenvolvimento Económico das Nações Unidas.
“Tudo isto mostra que o país, apesar de ter sinais de crescimento, não tem sinais de desenvolvimento. Falta qualquer coisa para que o desenvolvimento inclusivo seja uma realidade, e o desenvolvimento inclusivo significa que toda a sociedade tem que ganhar”, anotou, salientando que alguns sectores económicos tendem a progredir melhor que os outros.
O emprego continua instável e por isso a qualidade de vida das pessoas, mesmo melhorando, não segue os mesmos ritmos dos grandes sectores económicos, ao mesmo tempo que as pequenas e médias empresas continuam vulneráveis e têm grandes dificuldades para funcionar, devido ao sistema.
“Há progressos, crescimento, mas o desenvolvimento não é tão acelerado e não está a acompanhar o crescimento. Tem que haver um enorme esforço de crescimento do desenvolvimento inclusivo, onde, sobretudo, os salários, as remunerações e a competitividade têm que crescer significativamente”, frisou.

MEDIDAS PARA
DESENVOLVIMENTO INCLUSIVO

Luís Magaço afirma ser necessário tomar medidas para que o crescimento económico que se regista no país, a um ritmo de sete por cento nos últimos dez anos, beneficie a população e se torne num desenvolvimento inclusivo.
Tais medidas, de acordo com o nosso entrevistado, devem incluir a criação de postos de trabalho para a maior parte da população jovem, bem como aumentar a competitividade das pequenas e médias empresas.
“É preciso aumentar a competitividade das PME, o que significa que estas têm que ter maiores níveis de produção e produtividade, com menos custos e melhor qualidade. Tudo isto não se faz com um vazio, mas com programas de promoção e através da política monetária”, explicou, acrescentando que a actual tendência é de aniquilamento dos pequenos negócios por via de altas taxas de juro.
Tal deve ser feito também através de uma política cambial que não asfixie o pequeno negócio, normalmente por via de uma valorização excessiva do metical.
“As pequenas e médias empresas, que são o maior empregador, se não crescerem e não empregarem, o emprego reduz e se assim for o rendimento baixa. Mesmo que o emprego se mantenha, se as PME não se desenvolverem, o rendimento pago por elas não cresce. Desenvolvimento inclusivo é isto”, disse Luís Magaço, salientando que o crescimento do rendimento e do salário só é possível através da promoção e estímulo deste grande sector de emprego.
Referiu que esta promoção deverá ser feita no campo, porque é nele onde vive maior parte da população e a praticar comércio informal. “Isto significa que o campo tem acesso aos mercados e tem oportunidades acrescidas de iniciar pequenos negócios”, vincou.
No mesmo diapasão, Firmino Mucavele defende que o desenvolvimento inclusivo que se pretende deve passar pela redistribuição do rendimento.
“A redistribuição do rendimento de que se fala muito é criar mais emprego, é fazer com que os nacionais sejam empresários”, explicou, salientando que com mais empresários nacionais mais gente será empregue, sobretudo no sector de produção.
“Isso vai criar uma rede de mais-valias no país que possibilita o desenvolvimento, tanto económico como das instituições e das empresas nacionais”, sublinhou.

MEGA-PROJECTOS DEVEM PAGAR MAIS IMPOSTOS

Moçambique registou, nos últimos anos o estabelecimento, de mega-projectos tais como Mozal, Rio Tinto, Vale Moçambique, Kenmare, Sasol, entre outros, mas a sua contribuição para o desenvolvimento do país é considerado diminuta. Tal deve-se ao facto de a maior parte destas companhias entrar no país por via de um regime de isenção quase total de impostos.
O economista Luís Magaço defende que para que estes empreendimentos possam contribuir para o desenvolvimento do país, é preciso que sejam tributados, pagando impostos.
Para o nosso interlocutor, os mega-projectos têm de ser bons cidadãos corporativos, pagar impostos, respeitar o meio ambiente, fazer investimento social e apoiar os provedores de serviços locais a aumentar o seu negócio, como o que a Mozal fez através do seu programa de capacitação de fornecedores nacionais.
“A Mozal criou 11 milhões de dólares do negócio que não existia na praça e são fornecimentos de empresas locais. Ela não só criou oportunidades, como inclusivamente formou essas empresas, equipou-as e deu-lhes mercado”, salientou, observando que é o que está a faltar nas novas companhias, que até podem adoptar várias formas para contribuírem para o desenvolvimento.
“É o momento do país ter um instrumento que obriga as empresas de grande porte, com mais de mil trabalhadores, a terem uma política corporativa e publicarem relatórios anuais, não apenas financeiros, mas sobre o que fazem como cidadãos corporativos no mercado”, disse.
Entretanto, Firmino Mucavele apela à calma sobre este assunto, sobretudo na exploração dos recursos minerais, uma vez que os operadores ainda estão na fase de estudo e implantação de projectos.

APOSTAR NA AGRICULTURA

De acordo com Mucavele, no lugar de se prestar mais atenção aos recursos minerais, que são esgotáveis, o país tem que apostar mais na agricultura, que é o verdadeiro sector para o desenvolvimento sustentável.
Para o efeito, ele defende a mudança de abordagem, o que já está a dar sinais de se evidenciar com a criação de um banco de desenvolvimento, que se vai dedicar ao financiamento de actividades agrícolas e da indústria alimentar virada ao processamento.
Para o nosso entrevistado, a abordagem que se pretende neste sector tem que estar centrada em três pilares. Primeiro, garantir que as famílias possam produzir o suficiente para a segurança alimentar. Neste aspecto, segundo ele, há o desafio do fornecimento de sementes com alta percentagem de germinação.
O segundo pilar está relacionado com a comercialização, tanto do excedente do sector familiar, como dos outros produtores.
“É preciso aliar os sectores da produção, transporte, comercialização e de armazenamento”, afirmou, salientando haver necessidade de fortalecer o sector da comercialização agrária.
Para o efeito, sugere a capitalização dos compradores existentes neste momento, grande parte dos quais são informais e sem capital.
“Tem que haver uma harmonização entre a banca e os sectores da agricultura e comercial, de modo a que se garanta o escoamento de toda a produção existente nas zonas rurais”, reiterou.
O terceiro pilar é a redução das perdas pós-colheita, que se situam, actualmente, acima de 30 por cento, especialmente nos cereais e feijões. “As condições de armazenamento precisam de ser melhorado no sector familiar”, realçou.
O académico entende que para o país ter um desenvolvimento agrário sério, é preciso promover as pequenas e médias, juntando jovens recém-formados em agro-pecuária, agro-negócios e florestas com agricultores experientes e dotá-los de financiamento para que possam arrancar.
Explicou que tal não pode acontecer recorrendo aos bancos comerciais, uma vez que o sector agrícola possui muitas peculiaridades de sazonalidade, com grandes riscos relacionados não só com a produção, mas também com a comercialização.

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