Canal de Opinião
Por: Noé Nhantumbo
Porque faz sentido o federalismo em África e no mundo? Moçambique não está excluído do cenário…
Quem receia o federalismo? – Os que dominam a situação política e económica em repúblicas macrocéfalas seria a resposta rápida. Quem são os defensores do estado unitário e quem colocou este tipo de cláusula na constituição da maioria dos estados unitários? Foram políticos que dominavam o panorama e que se beneficiavam de tal tipo de sistema na altura de elaboração da constituição nacional.
Beira (Canalmoz) – A Política em África, para bem dos africanos, deve deixar os tabus de lado e enveredar pela abordagem de tudo o que seja assunto que os toca e afecta. E “FEDERALISMO” tem sido um daqueles assuntos evitados pelos políticos detentores do poder na maioria dos países africanos.
A verdade não deixa mentir. A maioria dos estados unitários de África encontra-se numa situação de polarizados, subdesenvolvidos, mergulhados numa corrupção galopante, à beira de conflitos violentos ou já em guerra aberta.
Centralismo excessivo, travões ao progresso de uma democracia política e económica em que os cidadãos se vejam integrados, envolvidos e satisfeitos tem impelido muitos países para crises cíclicas.
Grandes territórios, de países cujas fronteiras os governos centrais nem conseguem controlar, definem uma realidade africana que ultrapassa a capacidade de tais governos.
Por razões históricas, ligadas à tristemente célebre “Conferência de Berlim”, que dividiu África entre as potências coloniais da altura, herdou-se um conjunto de países cujas fronteiras por vezes dividem uma mesma etnia entre dois países diferentes.
O complexo étnico regional convenceu alguns governos africanos a adoptarem o modelo federal como forma de garantir uma fluidez governativa e uma aceitação política que não colocasse em risco a existência dos próprios estados. Isso vingou em países como a Nigéria.
As reclamações actuais ou passadas naqueles países situam-se no fórum económico e aí não se pode negar que o modelo político adoptado não conseguiu promover os desenvolvimentos desejados ao nível da distribuição da riqueza.
Os governos dos estados federais continuaram presos aos esquemas de acumulação anteriores e uma elite política, controlando o Estado, tomou conta dos mecanismos de acumulação de riqueza em detrimento de uma postura mais igualitária.
Anos de pagamentos “debaixo da mesa”, ilícitos, pelas corporações petrolíferas fortaleceram uma elite nacional que utilizou a riqueza acumulada para estabelecerem aparelhos militares, policiais e burocráticos.
Foi estabelecido um sistema de governação em que as elites locais treinadas na ex-metrópole colonial se encaixavam perfeitamente numa máquina que aceitava um neocolonialismo efectivo desde que sua “fatia do bolo” fosse garantida.
Alguns países copiaram modelos similares mas a maioria funciona com um presidencialismo de cunho unitário e centralizador. Com ou sem eleições democráticas, com mais ou menos manipulação da vontade popular pululam em África regimes ou sistemas de governo que se tem mostrado incapazes de promoverem desenvolvimento político e económico sustentável, consensual e ambiente de tolerância que garantam paz e estabilidade.
Admitamos e reconheçamos que a emancipação política ainda não é concreta. Muito populismo e demagogia não conseguiram unir os diferentes povos ou etnias residindo num mesmo país.
Um “bater na tecla” de uma suposta Unidade Nacional, uma bandeira comum, um hino nacional que poucos conhecem não cimentou os factores de união entre habitantes de um mesmo país.
Quem receia o federalismo? – Os que dominam a situação política e económica em repúblicas macrocéfalas seria a resposta rápida. Quem são os defensores do estado unitário e quem colocou este tipo de cláusula na constituição da maioria dos estados unitários? Foram políticos que dominavam o panorama e que se beneficiavam de tal tipo de sistema na altura de elaboração da constituição nacional.
Se olharmos para Moçambique predominam anacronismos e uma mescla de sistemas que procuram uma saída entre um presidencialismo decapitador e uma descentralização pouco convincente e que na prática de facto não existe. Coabitam um governo central nomeado dirigido por um Presidente da República eleito, governos provinciais nomeados, Assembleia da República eleita, assembleias provinciais eleitas, autarquias eleitas.
Em Moçambique, se no topo da hierarquia as coisas se podem considerar formalmente normalizadas o mesmo não acontece ao nível das províncias, pois quem é nomeado não se submete a quem é eleito para as Assembleias Provinciais.
Ao nível dos políticos e seus partidos e considerando a evolução da votação popular nos diferentes pleitos eleitorais já havidos é de crer que se um sistema diferente estivesse implantado teríamos muitas províncias governadas por um partido diferente do actual.
Terá sido por causa desta percepção que os legisladores aprovaram uma Constituição que coloca o federalismo na posição de ilegal no país?
Entre o Federalismo e a secessão ao estilo do Sudão, o que realmente querem os políticos africanos e os moçambicanos neste sentido?
O surgimento de recursos minerais descobertos efectivamente pelas ex-potências coloniais constitui um problema novo que antes era ignorado pela maioria dos cidadãos.
Pretender “vender peixe podre” a respeito de “Unidade Nacional” em que uns queiram impingir aos outros que o carvão de Tete é explorado e exportado pelas diversas corporações multinacionais autorizadas, em regime de interesse nacional, já não é credível para os cidadãos. Os que vivem em Tete ou em Pande/Temane de onde jorra o gás natural recolhem benefícios negligenciáveis que os colocam efectivamente na posição de pedintes. Ora isto obriga a que as políticas sejam revistas.
Quem lucra extraordinariamente são os que organizam as operações de engenharia legal e financeira que permite que os recursos se explorem e cheguem aos mercados internacionais. Este é o caso de Moçambique embora oficialmente ninguém aceite admitir que isto esteja acontecendo. Para os das zonas onde há exploração de recursos não fica nada ou pouco fica.
Levou cerca de 20 anos para que o sistema universitário de ensino se estendesse para todo o país. Com províncias organizadas num modelo federal isso não teria acontecido e veríamos as assimetrias sendo combatidas com factos e de forma concreta. Não se teria levado tanto tempo e as diferenças de qualidade do ensino não seriam hoje tão chocantes.
Ter faculdades de ciências e tecnologias para o desenvolvimento nacional localizadas nos pontos do país onde seja significativo e essencial teria acontecido a um ritmo diferente. As amarras políticas de origem unilateral, com uma génese inegavelmente étnico-política, embrulhada por imperativos ideológicos castrantes, foram durante certo tempo o vector e motor de acções que se pretendiam acima de qualquer prova. Mas o tempo, mestre como diz a sabedoria popular, encarregou-se de demonstrar onde morava a verdade.
Subordinação, subserviência camuflada, seguidismo em algo que estava baseado em pressupostos impostos pelos colonizadores, no aspecto de que quem estava melhor preparado eram uns e não outros, para serem os protagonistas do processo político moçambicano são considerações que estão ruindo e se desmoronando à medida que o tempo passa.
Se há alguns “distraídos beneficiados” com algumas benesses e satisfeitos com o seu status individual, isso não significa de maneira alguma que Moçambique esteja bem e progredindo em paz e estabilidade.
Percorrer os subúrbios infestados por miséria e pobreza pode constituir um momento importante para tirar conclusões sobre o que pensa o moçambicano real. Quem é pobre e vive sem esperança de um amanhã diferente não tem dúvidas de que o país esta desgovernado e desnorteado.
O momento não é de propaganda de separatismos ou de federalismos infundamentados. Moçambique é uma república viável e com muito mais hipótese de se afirmar como país numa situação de uma unidade activa, dinâmica, envolvente e participada. A questão talvez seja que os políticos nacionais se situem e deixem de se enganarem com proposições de “Unidade Nacional” distantes dos desígnios consensuais.
Uma aposta arreigada em eliminar do mapa político os heróis dos outros é um mau ponto de partida. E deixa obstinadamente demostrado que a reconciliação política nacional tão falada, está bem longe do que os políticos detentores do poder realmente querem.
Volta e meia o que nos dizem corresponde ao que diziam nos tempos do partido único, em que o Estado correspondia exactamente ao que a burocracia superior do partido no poder queria e determinava. Quem quiser construir um ambiente de concórdia numa situação deste tipo só pode estar redondamente enganado.
Convenhamos e aceitemos que décadas de uma retórica medíocre declarando o fim do tribalismo e do racismo se manifestam a olhos vistos por tudo o que é canto no país. Se para a tropa, Serviço Militar Obrigatório, são convocados ou participantes os que provém das zonas pobres e escuras, se os que se beneficiam das vantagens materiais, financeiras são uma minoria “mais clara e asiática de origem” então estamos perante uma mentira oficial de “Unidade Nacional”.
Os moçambicanos nascem por lei iguais perante a lei. Se os “ricos” se colocam fora das zonas de risco e ocupam posições de preferência quando chega a hora da verdade, isso obviamente altera totalmente o quadro em que a competição e concorrência ocorrem no país. Assim não há democracia nem se pode promover a democracia.
Importa que se analise numa perspectiva demonstrativa de maturidade que realmente, queremos, como cidadãos, como moçambicanos. Importa prosseguir na via da construção de uma moçambicanidade com que nos identificamos e que queremos ver se transformando em realidade.
África, independentemente das perspectivas e desenhos geoestratégicos predominantes, precisa de encontrar e verificar exemplos que se possam seguir, apontando para cenários de equilíbrio, de estabilidade e desenvolvimento.
Convém que os políticos moçambicanos ou outros não se enganem. Não façam contas erradas. A sustentabilidade do actual modelo em que impera a demagogia de cariz pernicioso, as invencionices populistas e uma artificialidade política não faz sentido.
Com o actual espaço existente, em certa medida parte de conquistas dos moçambicanos e nesse sentido dos africanos em geral, importa que não se desanime e se continue a lutar por um relacionamento político maduro, consensual e promotor daqueles desenvolvimentos necessários.
As assimetrias regionais, o desvio crónico de fundos, a impunidade judicial aparecem acasaladas ao estado unitário de uma forma indisfarçável. Há como que um entendimento entre os controladores do poder macrocéfalo, de que enquanto as ilicitudes acontecerem longe da capital e sem prejuízo para eles, nada importa…
O amanhã pode ser melhor para todos mas também bem pior. Há que exigir-se uma abordagem que ultrapasse os tabus estabelecidos por conveniência de alguns detentores de poder… (Noé Nhantumbo / CanalMoz)
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