quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O Poder da Frelimo - «Académicos» e «Políticos» (7)


Por E. Macamo
É difícil não dar razão a Machado da Graça quando na sua “Talhe da foice” no Semanário Savana suspeita que o combate à pobreza seja apenas um acto de constrição por parte de pessoas que enriqueceram à custa dos pobres. Na verdade, o problema da ênfase que o Presidente Guebuza dá ao combate à pobreza como grande objectivo da sua governação é bem mais profundo. Embora louvável e em sintonia com os grandes Objectivos do Milénio, a ênfase no combate à pobreza é sintomática de algo que se tornou óbvio no decurso do Nono Congresso, nomeadamente que a Frelimo não só deixou de ser partido de operários e camponeses – se é que alguma vez foi – como também, e mais grave, que os intelectuais perderam muito do protagonismo que tiveram no passado. Não há novos Eduardo Mondlane, Jorge Rebelo, Óscar Monteiro, Luís Bernardo Honwana, Sérgio Vieira. Só há intelectuais orgânicos que sabem dizer quem não faz parte, mas aparentemente não fazem a mínima ideia donde querem levar o País.
Dito de outra maneira, estão a fazer falta à Frelimo pessoas que formulem projectos de sociedade e articulem-nos com a leitura que fazem da sociedade moçambicana. Se como refere Machado da Graça o grosso dos participantes ao Congresso consistiu em gerentes de empresas e funcionários públicos, isso é porque a Frelimo, na verdade, é um partido gestor, um partido sombra do seu próprio passado quando, mesmo que privilegiando ideologias problemáticas e aventureiras, se definia por um projecto claro e coerente de sociedade. O engraçado nisto tudo, todavia, é que volvidos 30 anos da independência que a Frelimo conquistou, o País dispõe de muita gente formada ao alto nível, a maioria da qual até é militante do partido. Praticamente, todo o intelectual digno desse rótulo é membro da Frelimo. Contudo, a julgar pela fraca qualidade do que o partido propõe como visão para o País, esses intelectuais não têm nenhum protagonismo nas suas hostes.
Escrevo isto com um pouco de trepidação, pois já alguns “colegas” me qualificaram de pretencioso e arrogante. Suponho que me critiquem por preferir falar e escrever de acordo com o que considero mais em sintonia com os hábitos académicos de reflexão do que alguns deles que, desonrando a academia a que dizem pertencerem, preferem das duas uma: calarem-se ou dizerem o que acham ser mais do agrado dos que detêm o poder. Não quero com isto dizer que todo o académico deva escrever para os jornais, pois o trabalho académico não consiste nisso. Nem quero dizer que toda a gente com título académico seja académica. Na verdade, a reflexão que faço aqui é para distinguir precisamente isso e dar a devida importância às pessoas detentoras de títulos e que decidiram dedicar o seu conhecimento ao serviço do trabalho prático e técnico. Refiro-me apenas àqueles que fazem política com o cunho de académicos quando na verdade são meros técnicos e burocratas. A política e a academia são coisas diferentes. São poucas as pessoas que podem conseguir conciliar as duas coisas. Não obstante, isto não significa que os académicos não devam ter preferências políticas, muito menos que não sejam militantes de um partido. Contudo, se forem militantes e continuarem a querer fazer parte da academia eles devem ter a coragem de fazer aquilo que identifica um académico, nomeadamente contribuir com o seu pensamento crítico para uma melhor formulação dos problemas, mesmo se as conclusões a que chegarem puserem em questão preceitos importantes do partido.
O político, já disse isto uma vez apoiando-me num sociólogo alemão, Max Weber, olha para os fins. Para lá chegar qualquer meio, em princípio, serve, desde o momento que o leve lá. O académico, em contrapartida, olha para os meios e pergunta se são os mais adequados para os fins propostos. Ao fazer isso, coloca à disposição do político todas as possibilidades que se abrem ao se tomar uma decisão. O Nono Congresso, por exemplo, reconfirmou o combate à pobreza como grande objectivo do partido. Decidiu também que um dos meios para lá se chegar era o slógan “decisão tomada, decisão cumprida”, algo que mereceu a crítica atenta de Machado da Graça.
Portanto, o Congresso parece ter decidido que o problema principal enfrentado pelo País é o não cumprimento das decisões tomadas. O que disseram os “académicos” militantes da Frelimo? Bateram palmas? Acenaram forte com a cabeça? Gritaram vivas? Ou interpelaram a qualidade das decisões tomadas? Fizeram isso? Procuraram saber como é que as decisões são tomadas? Interrogaram-se sobre o contexto em que decisões são tomadas? Perguntaram se essas decisões correspondem a uma leitura coerente do País real? Indagaram-se se essas decisões contêm dentro de si a visão do que o País deve ser? Puseram decisões em relação com leis? Perguntaram se a ideia de “decisão” é compatível com um sistema democrático?
Duvido imenso. E isto é preocupante. A falta de consenso sobre o que a Frelimo é e, sobretudo, sobre o que o seu poder é, conduz-nos a uma situação em que pseudo-académicos interpretam o papel da academia no País como sendo o de utilizar os seus títulos para dar legitimidade a posições políticas. Confundem a crítica com oposição e tornam o pensamento e a produção de conhecimento em artefactos mercenários da sua própria esquizofrenia: “académicos” e políticos. Bom, pelo menos nunca estarão sozinhos. Usam considerações materiais como critérios de avaliação da plausibilidade do que diz quem quer pensar de forma crítica. Se eu critico a ênfase no combate à pobreza, o “académico” não procura saber que argumentos tenho; ele quer saber em graças de quem eu quero cair. A ideia de que a reflexão possa constituir um fim em si próprio não cabe no seu entendimento do papel de um académico.
Políticos o nosso País já os tem em número suficiente. Académicos, contudo, isto é, pessoas comprometidas com a verdade e com o fomento deste País por via da reflexão crítica, esses fazem ainda muita falta. Moçambique não vai deixar de existir ou de resolver os seus problemas porque os “académicos” foram ao Nono Congresso. Mas se esses académicos assumissem o seu papel, o País poderia lograr todos os desafios com mais opções. Era tão bom que eles tomassem a decisão de serem académicos ou políticos e... cumprissem-na.