Por E. Macamo
O lado grotesco
do Nono Congresso da Frelimo foi a presença de Yaqub Sibindy. Foi grotesco por
um político evidentemente inepto como o líder do PIMO ter conseguido enrolar
uma parte da Frelimo, um partido cheio de políticos de grande calibre. A forma
como o partido da Maçaroca e do Batuque lidou com este assunto, o destaque que
deu à contribuição financeira que ele fez para a realização do Congresso e a
pompa com que o acolheu em Quelimane deram indicações daquilo que alimenta os
receios de muitos, segundo os quais o País estaria a enveredar pela via do
monopartidarismo. A Frelimo tem todo o interesse em encorajar formas
constructivas de oposição, mas a forma como esse encorajamento é feito precisa
de ser interpelada.
Com efeito, em
total contraste com a forma como o Presidente Guebuza tem lidado com a Renamo
desde que assumiu a Presidência – reduzindo o contacto ao mínimo necessário e
sem privilégios especiais para o seu líder, assumindo a confrontação
parlamentar e não cedendo sequer um passo na discussão de questões centrais da
vida do País, medidas estas, aproveito dizer, absolutamente necessárias à evolução
da nossa democracia nascente – o Congresso reagiu a Sibindy com a impressão de
que a preferência da Frelimo não é pelo jogo democrático, mas sim por uma
oposição dócil, sem coluna vertebral e sem sentido de direcção. A atitude da
Frelimo lembra o gesto de um rico que aceita esmola de um pobre. Sibindy é
capaz de ter enrolado a Frelimo ao mostrar que com um pouco de dinheiro é
aparentemente possível ganhar a aquiescência do partido e que uma oposição só é
construtiva quando se submete.
Oposição não significa,
obviamente, hostilidade. Uma democracia não é necessariamente sã só quando os
partidos não se falam, não estabelecem alianças, endurecem posições e não se
desejam boa sorte. Com efeito, a democracia precisa de um espaço amplo de
debate e troca de ideias na base de posições claras e enformadas por um
compromisso com a ideia que cada um tem do que o País deve ser. A trajectória
política de Yaqub Sibindy bem como o perfil político do partido que dirige
nunca deram indicações de se tratar de uma força política com posições claras.
Para além de demonstrar com a maior clareza possível o tipo de força política
que o nosso País tende a produzir, Yaqub Sibindy e o seu PIMO são o exemplo
claro daquilo que um político e um partido político não deviam ser.
Agora, a questão
que se coloca é de saber quem dentro da Frelimo achou que estivesse a prestar
um serviço ao partido e a Moçambique dando o destaque que se deu a Sibindy.
Porque ninguém teve o bom senso de agradecer a oferta financeira, recusá-la e
aconselhar Sibindy a investir os 17 mil Mtn directamente no combate à pobreza?
Porque ninguém teve a ideia de aproveitar a atitude de Sibindy para reafirmar a
posição da Frelimo em relação ao tipo de democracia que quer para o País? Que
ganhos políticos é que alguns estrategas da Frelimo acham ter logrado com este
espectáculo grotesco? Que argumentos trocaram entre si para decidirem que era
do interesse da Frelimo aceitar a oferta e dar espaço de intervenção a este
“político”?
Estas
interrogações conduzem directamente ao tipo de conclusões que dão sustento aos
receios de monopartidarização. Na verdade, o caso Sibindy mostra de forma
desconcertante que algumas pessoas dentro da Frelimo têm uma concepção muito
problemática de democracia, da oposição e do seu próprio papel no País. A ideia
de democracia que parecem ter é de um espaço público feito de aquiescências.
Há-de ser, de certeza, esta ideia que faz com que membros com capacidade de
pensar no interior da Frelimo não se notabilizem pelo uso dessa faculdade.
Há-de ser por causa desta ideia que muitos jovens ambiciosos e cheios de
potencial e energia se juntam à Frelimo ou ao aparelho do Estado com a
convicção forte de que o seu contributo consiste em dizer sim a tudo desde que
singrem.
A concepção de
oposição que têm é de gente subserviente que reconhece o papel dirigente da
Frelimo. É daí que uma reflexão divergente do que a maioria no interior do
partido pensa corra o risco de ser interpretada como um ataque. Esta concepção
há-de explicar, de certeza, a fraca qualidade dos debates de fundo durante o
Congresso. Na verdade, a vontade e determinação de combater a pobreza não se
documentaram por um debate sério sobre o tipo de medidas que são necessárias
para esse efeito. Não vi nenhuma reportagem sobre estratégias diferentes de
combate a essa pobreza que tivessem sido alvo de acalorados debates nesse
encontro. A qualidade do debate teve o nível que as reclamações do quotidiano
têm. O exemplo disso foi a intervenção da Ministra do Trabalho Helena Taipo;
foi também, curiosamente, a de Sérgio Vieira. Digo curiosamente porque, apesar
disso, foi para mim, das melhores e mais profundas intervenções que houve
durante o Congresso, tendo pecado justamente por abordar as questões ao nível
do senso-comum.
Finalmente, a
ideia que algumas pessoas dentro da Frelimo têm do seu próprio papel no País é
de uma profunda identidade entre partido e Estado. Para eles a discussão sobre
a governação do País constitui uma contribuição para os esforços da Frelimo de
desenvolver o País. A Frelimo é o mar onde desaguam todos os rios. Não é um dos
rios que vai desaguar no mar que é o Estado. É o contrário. Este tipo de
atitude cria espaço para a intransparência, abuso do poder e prepotência,
males, diga-se de passagem, que a Frelimo nos gloriosos tempos já tentou
combater. É deprimente que um “político” do calibre de Sibindy tenha ajudado a
expor estes problemas. Espero que Sibindy não escreva no jornal Zambeze que foi
tudo uma farsa, que queria apenas demonstrar claramente que tipo de partido é a
Frelimo... Os que se riram dele, riram-se cedo demais.