Por E. Macamo
Ouvi Teodato
Hunguana, membro do Conselho Constitucional, há algumas semanas a dizer que o
País precisa de uma terceira força. Esta observação, vinda de uma pessoa que
faz parte dos altos círculos da Frelimo, devia dar de pensar aos que
privilegiam teorias de conspiração. Mas mais do que isso, a ideia documenta o
desmoronamento da ilusão de uma oposição política da Renamo no País. As
negociações e o Acordo de Roma é que fizeram a Renamo, dando-nos a impressão de
se tratar de uma oposição política coerente. Os “trust funds” bem como a
facilidade de ingressar em movimentos internacionais com rótulo político, a
saber “democracia cristã”, conseguiram durante muito tempo camuflar essa impressão.
O que os fundos externos e do Estado lograram fazer nos anos que se seguiram ao
Acordo de Paz não foi transformar a Renamo num partido político, mas sim numa
rede clientelista cuja lógica de actuação não é necessariamente a solução dos
problemas do País, mas sim a sua própria sobrevivência parasita. Contrariamente
ao que eu próprio pensei durante muito tempo, o enfraquecimento da Renamo não é
algo necessariamente mau para a nossa democracia. Pode ser até uma benção.
Esse
enfraquecimento não é, portanto, mau, mas a fraqueza da oposição, em geral, é.
Há diferença. E é esta diferença que alguns estrategas da Frelimo ainda não
perceberam, salvo a honrosa excepção de Teodato Hunguana. Da mesma forma que o
Acordo de Roma criou a Renamo, ele contribuíu bastante para criar a impressão
de que a captura do Estado por meios legítimos conferia prerrogativas
ilimitadas ao vencedor. Isto tem um pouco a ver com a própria lógica das
negociações de Roma. Enquanto que a Renamo vendeu a guerra em troca do
reconhecimento político – e fundos para transformar a sua nomenclatura em
chefes patrimoniais – a Frelimo vendeu a guerra em troca da promessa de captura
do Estado que recebe auxílio ao desenvolvimento. Os doadores compraram e hoje
se queixam. O que alguns estrategas da Frelimo ainda não perceberam é que a
existência de uma Frelimo coerente e forte depende de um contexto social e
institucional são.
O contexto social
é são quando a intervenção política responde a interesses existentes na
sociedade. Nenhum partido pode representar todos os interesses numa sociedade.
É contraditório. Partido não é o todo. É parte. A Frelimo, portanto, tem que
definir que interesses quer representar e defender no nosso País. As teses ao
Nono Congresso, infelizmente, não fizeram isso, mas isso é outro assunto. O
desiderato de uma representação universal cria incoerência e espaços de
arbitrariedade. Ao lado dos esforços actuais da Frelimo de se afirmar na
sociedade podem ser observados problemas de interesses divergentes no seu
interior que só são resolvidos à custa da reprodução de um contexto
institucional intransparente. Isto é uma outra maneira de dizer que os
problemas de confusão entre Estado e Partido, corrupção, impunidade e
indiferença constatados pelos vários estudos mencionados mais acima não são o
resultado de uma conspiração obscura de forças invisíveis. Eles são o resultado
de processos sociais concretos que podem ser descritos e analisados. Nem todos
os membros da Frelimo se sentem à vontade com a proximidade de certos círculos
de negócios; igualmente, nem todos os círculos de negócios se sentem à vontade
com a dependência desta proximidade para se fazerem coisas. Este ambiente cria
cumplicidade, não conspiração.
O País está a
ficar cada vez mais maduro para o surgimento de forças sociais interessadas na
transparência. E isso é bom porque a transparência tem que resultar de um
impulso vindo do interior da sociedade. Os homens de negócios de Nampula que
perdem um concurso em Maputo começam a ver que o melhor para todos deviam ser regras
claras e transparentes, e não só a cunha. O ministro que tem que outorgar um
concurso à empresa que melhor oferta faz, começa a ver que se protege melhor do
empresário que paga para os cofres do partido com recurso às regras. O técnico
no ministério convence melhor o seu ministro da necessidade de dar licença a
quem de facto pode explorar um determinado recurso – por exemplo, peixe –
quando sabe que tem certos padrões de qualidade que tem que observar – por
exemplo da União Europeia – e que um veterano qualquer por aí não pode.
Um
partido forte e quase que invencível não é incompatível com a democracia. A
experiência de muitos Países com democracias maduras já revelou isto. Nos
Países escandinavos, por exemplo, os partidos sociais democratas dominaram a
política durante décadas. Mesmo um ambiente político confuso não é incompatível
com a democracia. A Itália só recentemente é que começou a clarificar a sua
esfera pública. Dito de outro modo, a tendência de monopartidarização que
muitos estudos e muitos observadores constatam em Moçambique não é
necessariamente má. Em minha opinião, Guebuza faz muito bem em reforçar a
Frelimo. De igual modo, se esse reforço implica o enfraquecimento da Renamo,
tanto melhor, desde o momento que o reforço não consista essencialmente no
enfraquecimento consciente da oposição. Para que isso aconteça, é necessário
ter em conta, porém, que esse reforço deve ser acompanhado do fortalecimento
das instituições estatais com regras transparentes e previsíveis. Fazendo isso,
não haverá nenhuma necessidade de “criar” uma terceira força. A terceira força
será a própria transparência