Por E. Macamo
Em minha opinião,
a Frelimo está duplamente presa. Uma abordagem analítica dos nossos problemas
políticos tem que partir deste pressuposto. No fundo, não é a Frelimo que tem o
País nas mãos, mas sim o contrário. A análise dos nossos problemas só vai poder
ser útil se tivermos a coragem de libertar a Frelimo de si própria e de todos
nós. A Frelimo prisioneira de si própria é aquela que confunde a sua sorte com
o destino do País. Essa Frelimo, na verdade pessoas de carne e osso, não vêem
mal nenhum em usar o poder do Estado para cimentar o seu ascendente sobre a
sociedade. Essa é a Frelimo dos medíocres, incompetentes e oportunistas. Essa
Frelimo, na verdade essas pessoas, adoram a intransparência e a confusão
institucional porque só assim conseguem dissimular as suas próprias
insuficiências. Essa é a Frelimo dos que usam fundos do Estado para fazer
trabalho do partido; dos que atribuem concursos de empreitada às empresas que
mais contribuem para os cofres do partido; dos funcionários públicos que afixam
anúncios descarados a informar sobre a sua ausência do local de trabalho em
serviço do partido. Dos que têm medo de dizer o que pensam com receio de
estarem a criticar a “Frelimo”.
Trata-se de uma
“Frelimo” que documenta o País que somos. Somos um País com características
muito específicas, a principal das quais é a nossa dependência do auxílio
externo. A lógica política, mas também a lógica individual consistem, neste
tipo de contexto, na instrumentalização desse auxílio. A classe política faz
tudo para estar em conformidade com as exigências desse auxílio, muitas vezes
não por convicção política, mas por conveniência pessoal. Nós os outros estamos
à espreita de oportunidades, sejam elas consultorias, projectos ou mesmo
empregos bem pagos. Para esse efeito, estamos preparados para dizer seja o que
for que seja do agrado dos que nos ajudam. Convicções não contam muito. E se
contam, ajustamos as nossas. Somos também um País em que o controlo do Estado
determina o acesso a todo o tipo de recursos. Assim, muitos de nós alinhamos o
nosso posicionamento pessoal de acordo com os que detêm o poder do Estado. Há
lugares em Concelhos de Administração por distribuir, há direcções em
ministérios, há ministérios, há projectos, etc. Neste ambiente dominado pela
preocupação do “ter” – material – e no qual o “ser” – convicções – desempenha
apenas um papel secundário – e é visto com hostilidade por muitos – não admira
que haja muitos oportunistas que investem na ideia de uma Frelimo forte apenas
com o intuito de tirar benefício individual.
O tipo de Frelimo
em que essas pessoas investem precisa de se libertar de si própria porque a
longo prazo os ganhos obtidos agora não vão perdurar. Serão ganhos píricos,
isto é serão feitos à custa da destruição do próprio partido e do País. E para
não dar a impressão de que estou a desfiar uma teoria de conspiração,
apresso-me a dizer que a Frelimo prisioneira de si própria é uma Frelimo que é
palco de conflitos internos, forças centrífugas e visões contrárias. É uma
Frelimo que por receio do debate interno de ideias faz vista grossa às
irregularidades e considera conveniente o que não prejudica o partido, mesmo se
prejudica o País. Essa é, com efeito, a Frelimo generalizada, a Frelimo que
está em cada um de nós. Quantos de nós preferimos a regra e norma burocrática
ao espontâneo, familiar e partidário? Quantos de nós estamos preparados e
dispostos a deixar passar para a frente o que é mais competente, tem maior brio
profissional e se preocupa com a sorte dos mais fracos na sociedade? Uma
ilustração simples disto é um sítio qualquer de atendimento público. Toda a
gente que lá chega, mas toda sem excepção, passa imediatamente para a frente
ignorando todos os outros.
Existe, contudo,
também uma Frelimo prisioneira de todos nós. Essa é a Frelimo normal que não
pode agir no seu próprio interesse. É uma Frelimo paralisada pelas nossas
exigências. A preocupação do Presidente Guebuza em reforçar a Frelimo é
legítima. Governar significa gerir o País em nome de ideais representativos do
projecto que determinados grupos dentro da sociedade têm em relação ao País. O
dilema enfrentado por Guebuza, contudo, consiste na expectativa irrealística de
muitos observadores nacionais e estrangeiros de que ele faça isso sem
prejudicar a oposição. Na verdade, o perigo que a nossa democracia enfrenta não
vem do reforço da Frelimo – que me parece necessário e oportuno – mas sim do
facto de que o reforço da Frelimo põe a descoberto um dos grandes equívocos dos
últimos anos, nomeadamente a ilusão de que a Renamo alguma vez representou um
projecto político coerente e claro.
Tudo quanto pode
servir de referência para avaliar a génese da Renamo indica com alguma
segurança que ela foi coisa de bandidos. Opositores sensatos da Frelimo como
Domingos Arouca ou Máximo Dias trataram de se distanciar dela assim que
chegaram à mesma conclusão. As dificuldades que a Renamo tem em corresponder
aos anseios dos muitos moçambicanos que decidiram depositar a sua confiança
nela revelam justamente as linhas pelas quais este equívoco se coze. Portanto,
manietar o reforço da Frelimo ao destino deste equívoco parece-me igual a
hipotecar o destino do País à sorte de gente que não sabe de onde vem, nem para
onde quer ir. Libertar a Frelimo de si própria, contudo, significa saudar o
esforço do seu reforço para que se torne num verdadeiro partido, isto é numa
entre várias forças políticas, comprometido com uma separação clara entre o
partido e o Estado.