Missão Cancelada
Franco
Nogueira, entretanto, preveniu-me de que a agitação americana já se
havia desencadeado e que o embaixador (Almirante G. Anderson) o tinha
procurado, manifestando as preocupações do seu governo perante uma tal
eventualidade e argumentando em termos quase duros a que o ministro
português havia respondido com firmeza.
O ministro não estava
preocupado com isso pois os EUA acabavam de pedir reforço de facilidades
nos Açores e mesmo a concessão de apoios na Madeira e no Continente
para orientação de foguetões, para se acrescer a eficácia contra alvos
vitais soviéticos. O Governo Português não desejava envolver-se em mais
compromissos que viriam agravar o risco no caso de uma eventual
confrontação nuclear, mas manteria as conversas, em base amigável, para
explorar o interesse americano. Não era assim crível que a reacção dos
EUA pudesse ser violenta perante a nossa aproximação com Peking pois não
desejariam um rompimento que pudesse pôr em causa aqueles ambicionados
apoios estratégicos.
José Manuel Fragoso estava tão entusiasmado
como Franco Nogueira na concretização do plano que tinham decidido
confiar-me, mas mantinha dúvidas quanto à realização por recear o
impacto das já desencadeadas pressões americanas. Acrescia que,
internamente, a extrema-direita se movimentaria contra tal abertura
acusando-se, mesmo, o ministro de ser influenciado por "razões
conjugais". Efectivamente a mulher de Franco Nogueira (a Verinha) era
chinesa e filha de um diplomata que depois da revolução havia sido
condenado à morte e tivera pena reduzida para 12 anos de prisão, sendo
indultado depois de haver cumprido 5. Vivia em Xangai como professor de
línguas. Só por calúnia ou manobra política, se podiam envolver os
problemas familiares neste grave assunto.
Na imagem: D. Afonso de Albuquerque, 2.º Governador da Índia Portuguesa
Ao
corrente do planeado estava o prof. Adriano Moreira, que já defendera
atitude semelhante (em 1961) quando da invasão de Goa pela União
Indiana. Entendia não se dever abandonar esta última oportunidade mas
duvidava que houvesse decisão para o fazer.
Enquanto passavam os
dias e Franco Nogueira não me transmitia instruções concretas, as minhas
apreensões iam-se agravando. Tinha conversado com o Ministro da Defesa
Nacional (Gen. Gomes de Araújo) e com o Ministro das Finanças (Prof.
Pinto Barbosa) que eram muito da minha intimidade. Havia-os encontrado
apreensivos sobre a possibilidade de se manter o esforço de guerra no
Ultramar sem a decidida ajuda, indirecta, americana.
Chegámos,
assim, ao dia 20 de Fevereiro (levava eu duas semanas em Lisboa) sem que
o Ministro dos Estrangeiros obtivesse uma decisão do Doutor Salazar
apesar de com ele haver trabalhado em duas oportunidades.
Para mim isso não era bom sinal, com certeza. O José Manuel Fragoso pensava da mesma forma e estava desalentado.
Com
a concordância de Franco Nogueira decidi-me a telefonar directamente ao
Presidente do Conselho que, sem demora, me marcou uma entrevista.
Tratados outros assuntos (com dominância para o caso do Malawi)
apresentei-lhe frontalmente o problema que me tinha feito vir até
Lisboa.
Foi evasivo, não argumentou com clareza habitual e
ficámos em que eu regressaria a Moçambique para onde me comunicaria,
logo que possível, as decisões que viesse a tomar. Recomendou-me que,
quando tivesse tempo, continuasse a estudar os problemas chineses pelos
quais tanta predilecção evidenciava.
Assegurou-me, de bom humor, que eu seria o primeiro embaixador em Peking se um dia houvesse relações diplomáticas.
Franco
Nogueira e José Manuel Fragoso ficaram desolados. Muito congeminámos
sobre as razões que teriam levado o Presidente Salazar, contra os seus
hábitos, a recuar sobre uma decisão tomada. Repetidas vezes o voltámos a
fazer depois e nunca topámos com uma explicação completa.
Para mim, fora de dúvida, a pressão americana deveria ter sido tremenda. Só nunca saberei a que argumentos e meios recorreram (ob. cit., pp. 69-53 e 61-66).
Continua