A patologia da RENAMO
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O pensamento
“É preciso saber servir os homens tal como eles são e nunca conceber um poder sem limites” António de Oliveira Salazar, ex-estadista português
A pedido do seu editor, aceitei o convite para fazer parte do leque dos colunistas deste jornal – Correio da manhã –, com a certeza de que o débito do meu raciocínio não cairá entre as paredes (oxalá) e que provoque nos leitores uma espécie de “convulsão” ao diálogo. É este o sentido das minhas reflexões. Mais não tem outro objectivo que não seja o diálogo. O diálogo é um bem tão precioso que herdei dos meus antepassados e faço dele uma munição para o combate de todo o mal que infesta a este mundo, o país em particular. O amigo leitor não tenha dúvida, o mal que infesta este mundo é causado pelas mentes diabólicas que se julgam de mais superiores que as outras. O Homem, esse animal político, ao invés de multiplicar-se de esforços com o intuito de combater as hecatombes e promover o diálogo, vai em busca do absurdo. Do nada. Veja que o Homem fabricou a bomba atómica com o objectivo único de destruir a si mesmo. Calha ela estar nas mãos de um delirante, será o fim da festa.
Alguns deverão ser tentados a perguntar o porquê de ter começado esta reflexão com uma frase do ditador português, António de Oliveira Salazar. Quis espevitar o amigo leitor ao diálogo e, nalgum momento, picar “o porco que dorme”.
É absurdo vindo de quem vem: de Salazar! Que não fosse a podridão da
cadeira que o tombou, a ele e ao regime, se calhar morreria com o
próprio Estado português, como alguns ditadores pensam! Ninguém é
eterno. Os Estados permanecem, morrem as pessoas e os regimes.
É
preciso colocar as pessoas a falar, a opinar e a tirar ilações daquilo
que vêem, lêem e acreditam, até certo ponto para sabermos a quanto
andamos em matéria de diálogo. Quem sabe, assim medimos também o tamanho
da nossa ignorância. E não tenha dúvida, ninguém sabe tudo. Quanto mais
se investiga, disse o historiador José Hermano Saraiva, mais se descobre que afinal não se sabia.
Este é tempo de fazer balanço do desempenho da RENAMO e do seu líder, Afonso Dhlakama,
que saíram derrotados, a ZERO, nas eleições de 28 de Outubro, até para
avivar a memória dos mais incautos. Passado este ciclo eleitoral, embora
os resultados ainda não tenham sido promulgados oficialmente por quem
de direito, devo assumir uma posição sobre o actual estado do Partido,
tão-somente por ser um património público. Quer se queira, quer não: a
RENAMO é um património público nacional, porquanto é graças a ela que a
liberdade de expressão é uma realidade no país.
A
pesadíssima derrota da RENAMO (porque de Dhlakama já se esperava,
depois daquela acrobacia gratuita e barata para mostrar ao povo que ele
ainda é o temido leão de Marínguè, não lhe podia esperar outra sentença
que não fosse a derrota esmagadora) veio confirmar que, finalmente, não
só o país está doente como está a própria RENAMO. Uma derrota que deixou
a RENAMO sem leme e à beira de desaparecer no xadrez político nacional
ou então, no mínimo, limitar-se-á a fazer estatística. E não me enganei
quando escrevi “Mambas ou Nhanzalumbos”, que nem
sempre a atribuição de nomes às coisas públicas reflecte os valores que
as definem. A “perdiz”, para além de não estar a mostrar o seu real
valor, perdeu leme!
E
ficou demonstrado recentemente que a RENAMO continua longe de
constituir uma alternativa, de merecer a confiança da maioria dos
moçambicanos para ser governo. É preciso, na minha maneira de ver, duas
alternativas para salvar a RENAMO: ou submete-se a uma operação para
extrair o tumor maligno que anda nas cabeças dos seus quadros, ou então,
terá que substituir o seu maior tumor, o seu líder, Sr. Afonso
Dhlakama. Mesmo
os clubes mais mediáticos no mundo do futebol, face aos resultados
negativos que apresentam, mudam de treinadores. A RENAMO, que é um
grande clube na oposição moçambicana, continua, infelizmente, a apostar
na sua velha raposa (em Afonso Dhlakama), para conquistar o que há muito
perdeu, aliás, nunca teve. Em política é proibido usar as armas do
passado para conquistar as lutas de hoje (parabéns, Dr. Namburete, por
fazer jus a esta regra).
Na
política, um partido ou um líder que não consiga resultados pode estar
condenado ao fracasso. Acontece, porém, que Afonso Dhlakama já é um
fracassado político, nem que concorra por mais 15 anos há-de sempre
perder as eleições. Nesse sentido, terei de concordar com as palavras da
jornalista portuguesa Judite de Sousa que diz que, “na política, a medida dos resultados é a vitória de uma eleição.” E, por seu turno, Armando Guebuza, mesmo que descanse por cinco anos, sairá ganhador. O segredo está no trabalho e na organização. “Os índices de popularidade são normalmente garantia de êxito e de qualidade” (estive a citar Judite de Sousa).
Dirão
alguns que Dhlakama trabalha, dá a volta o país todo. Sim, falar é
fácil, difícil é convencer o eleitorado. Dhlakama deixou de convencer o
eleitorado desde 1999, quando alguém lhe disse que o povo estava com ele
“forever”. A partir daí deixou de fazer aquilo que em política
deve ser feito de forma descontinuada: o contacto com o povo,
independentemente de ter ou não idade para votar. As crianças de hoje são os eleitores do amanhã. Dhlakama
é um político populista. Age em função das sondagens feitas e com base
no cálculo feito e NUNCA, mas NUNCA por convicção. Come com os olhos, ou
seja, quanto mais gente vê nos seus comícios, mais convencido fica de
que já ganhou as eleições. Mentira! Nem todos os que dizem “viva Dhlakama, viva RENAMO” são potenciais eleitores seus e do seu partido.
Uma vez quis saber do saudoso Dr. David Aloni (meu eterno mestre) a razão do desaire da RENAMO (não tinha passado muitos anos em que ele tinha sido injustamente “encostado” nas listas para a “escolinha do barulho” – Parlamento) ao que me respondeu com um dossier. Não sei se ainda tenho guardado este documento, certo é que precisei de algumas semanas para consumi-lo na íntegra. Era um dossier com as suas intervenções no partido, a cabala de que era alvo por parte dos seus colegas, enfim, nunca antes divulgado (sei que estava na forja um livro neste sentido).
Depois
de ler e perceber o dossier, combinou-se que nos encontrávamos na sua
residência, na MATOLA, sempre aos domingos. Disse-me, sem rodeios, que
estava agastado com a situação interna no partido.
Era
difícil expor as suas ideias num meio em que a bajulação era o
Pão-Nosso de cada dia. Quando foi chefe do gabinete do líder,
confessou-me, tinha de travar uma guerra sem quartel para que o partido
deixasse de acomodar os interesses pessoais dos camaradas, e que
passasse a trilhar os caminhos do progresso científico. A conversa
terminou quando lamentava por todos sentidos o facto dos
secretários-gerais da RENAMO saírem de pessoas que não compreendem
patavina de academia. Defendia que a RENAMO devia e deve apostar na
juventude, na educação principalmente, para chegar ao poder. Não foi
ouvido, nem compreendido.
A
se confirmar a queda da RENAMO (apelo ao presidente do município de
Maputo para a necessidade premente de arranjar outro local, que não seja
o esgotado Cemitério de Lhanguene, para enterrar a “perdiz”) onde já lá
jazem partidos como o PAMOMO,
PADEMO,
MONAMO, PPLM, SOL, MOMOMO (se não existiu, pelo menos houve intenção
para o seu rebento) e mais recentemente o PIMO, PDD, ECOLOGISTA, PUP
(meu Deus) e família ilimitada! Os partidos funcionam como algumas
seitas religiosas, quanto maior for a gritaria dos seus pastores, maior é
o número de crentes que ela possui. E há, curiosamente, partidos com um
único membro, que é o seu fundador, que nem a si vota, é o caso do PIMO. É com esta desorganização toda que querem chegar na Ponta Vermelha?
Voltemos
ao líder da RENAMO. Começou por expulsar um dos rostos mais visíveis e
idolatrados do partido, claro, a seguir dele – Dhlakama. Depressa perdeu
as eleições autárquicas de 2008, também a ZERO, com uma excepção: o seu
cordeiro venceu no
município
da Beira, onde a RENAMO se diz dona. Muito recentemente, esfregou as
mãos de alegria indescritível quando soube que o MDM tinha sido excluído
em nove dos 13 círculos eleitorais, pensando que o seu partido teria o
estatuto de sua maior força partidária no Parlamento (ainda o é, mas com
uma dúzia de deputados). O feudo de Dhlakama está em perigo! E não
acaba por aqui. Recentemente, o líder da RENAMO
ameaçou arder o país, caso os resultados eleitorais não lhe forem favoráveis. Meu Deus.
Não
sabemos o que resta desta RENAMO. Nem eu sei. Mas posso dizer uma
coisa: o caminho que a RENAMO está a trilhar não levará a lugar nenhum
que não seja à cova. Se não podem fazer nada pelo partido, ao menos
façam – senhores quadros seniores da “perdiz” – em memória dos que
tombaram para que hoje ostentassem os 4x4: Matsangaissa, Aloni, Quitine e tantos outros, ninguém merece esta paga. Zicomo kwambiri (muito obrigado)
* Jovem
moçambicano, 30 anos de idade, natural de Tete, estudante de História,
Património Cultural e Arte na Universidade de Évora. Residente em Lisboa
CORREIO DA MANHÃ - 13.11.2009
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