domingo, 5 de maio de 2019

Venezuela: Correr atrás do prejuízo


FOTO EDILZON GAMEZ/GETTY IMAGES

Revolta. Os apoios militares não foram suficientes, terça-feira, para Juan Guaidó derrubar Nicolás Maduro. O presidente interino, reconhecido por dezenas de países, garante que não desiste e esforça-se por desgastar o regime a conta-gotas

DANIEL LOZANO, CORRESPONDENTE EM CARACAS
A estratégia do presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, e da Assembleia Nacional (AN, democrática) não mudou. Apesar do fiasco de 30 de abril, a oposição ao regime de Nicolás Maduro continua apostada em romper as fileiras cerradas da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB). “Falei com muitos generais. Vai haver mais movimentos no sector militar”, advertiu o antigo preso político Leopoldo López, na sua primeira aparição pública depois de se ter refugiado, como hóspede, na residência do embaixador espanhol em Caracas.
“A fissura que se abriu vai converter-se numa racha que acabará por romper o dique”, assegurou na última quinta-feira o líder do partido Vontade Popular (no qual também milita Guaidó), à porta da garagem da legação diplomática. Poucas horas antes um tribunal da capital ordenara o seu encarceramento na prisão militar de Ramo Verde, a mesma onde permaneceu durante quase três anos de reclusão, passando depois a prisão domiciliária. O Governo de Madrid já anunciou que não o entregará.
Há inúmeras interrogações e dúvidas sobre a rebelião de quase meia centena de guardas nacionais e polícias políticos, que não conseguiram em nenhum momento assumir o controlo da base aérea de La Carlota. Foi dali que Guaidó lançou a ofensiva, num vídeo divulgado nas redes sociais.

FALTARAM GENERAIS

“O movimento militar era de maior envergadura, mas falharam alguns generais”, asseguram ao Expresso fontes da equipa de Guaidó, também presidente da AN. “Havia uma negociação em marcha e, à última hora, houve uma mudança de planos que fez com que Maduro ficasse. Isto indica que ele já tem um pé fora da Venezuela e que falta um empurrão para que lá ponha o outro”, declarou Gustavo Tarré, representante da Venezuela junto da Organização de Estados Americanos.
Quem permanece em paradeiro incerto é o general Cristopher Figuera, diretor do Serviço Bolivariano de Informações (Sebin, que funciona como polícia política) até à passada terça-feira e peça-chave da revolta. A sua destituição fulminante, sem grandes explicações, encerrou uma jornada em que Maduro imitou os movimentos do rei Juan Carlos durante a intentona de extrema-direita de 23 de fevereiro de 1981 em Espanha: foi chamando os chefes militares das unidades mais importantes, um a um, para se certificar da sua fidelidade.
“O que conseguimos em 30 de abril e 1 de maio confirma que estamos na fase final da nossa luta e que a Operação Liberdade é imparável. O nosso plano fez com que o regime débil e o usurpador duvidassem até do seu círculo mais próximo”, adiantou Guaidó. Apesar de estar sob graves acusações (liderar um golpe de Estado e trair a pátria, sendo marioneta dos EUA), o líder opositor continua em liberdade, o que não impede que o Governo aperte o cerco sobre os seus colaboradores mais próximos e família.
No dia 30, a repressão governamental incluiu veículos militares a investir contra civis, mas não impediu que a oposição mantivesse os protestos contra o Governo no 1º de Maio. Rodeado de centenas de apoiantes nas ruas de Caracas, o presidente interino Juan Guaidó anunciou a libertação do preso político Leopoldo López e a iminente queda de Nicolás Maduro, mas o regime mostrou-se mais sólido do que muitos previamFOTOS FEDERICO PARRA/GETTY IMAGES E MATIAS DELACROIX/GETTY IMAGES
No dia 30, a repressão governamental incluiu veículos militares a investir contra civis, mas não impediu que a oposição mantivesse os protestos contra o Governo no 1º de Maio. Rodeado de centenas de apoiantes nas ruas de Caracas, o presidente interino Juan Guaidó anunciou a libertação do preso político Leopoldo López e a iminente queda de Nicolás Maduro, mas o regime mostrou-se mais sólido do que muitos previamFOTOS FEDERICO PARRA/GETTY IMAGES E MATIAS DELACROIX/GETTY IMAGES
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Quinta-feira, Maduro anunciava ter chegado “a hora de combater”, dirigindo-se à cúpula militar e aos 4500 soldados que o acompanharam numa surpreendente caminhada “de lealdade” dentro do Forte Tiuna, o quartel mais importante da capital. O chavismo quis, com tal encenação, demonstrar a sua “unidade monolítica”, posta em causa durante os últimos dias.
A demonstração de força, qual bumerangue, acabou por se converter em fraqueza, já que pôs em evidência o único temor que o chefe revolucionário exibe desde o primeiro dia do desafio da oposição: que os militares o derrubem do poder. O sucessor de Hugo Chávez transmite, desde janeiro, essa inquietação aos seus interlocutores mais chegados.
“Existe uma profunda instabilidade no seio da FANB. Maduro tem a perceção genuína de que uma cisão nos comandos militares acabará por desalojá-lo”, defende Rocío San Miguel, presidente da associação cívica Control Ciudadano para la Fuerza Armada. “Devem saber que não se conseguiu mais por não se ter considerado a participação de infiltrados do regime e por se ter subestimado o apoio tático dos russos e dos cubanos. A Operação Liberdade ainda agora começou”, revelou, a partir de Espanha, Hugo “El Pollo” Carvajal, chefe dos serviços secretos chavistas durante 12 anos. O militar está detido e enfrenta um processo de extradição para os EUA.
Ambas as afirmações aprofundam as dúvidas dos militares, embora matizem as afirmações vindas dos EUA, que estão “sobredimensionadas”, acrescenta San Miguel. O suposto acordo da administração Trump com o ministro da Defesa, general Vladimir Padrino, o presidente do Tribunal Supremo de Justiça, Mikel Moreno, e o diretor dos serviços de contrainformação militar, Iván Hernández Dala, parecera um “jogo para semear incerteza no regime”, afirma, de Washington, o especialista em relações internacionais Mariano de Alba. Russos, cubanos e norte-americanos jogaram as respetivas cartas, marcadas por diversos interesses geopolíticos e económicos.

CINCO VÍTIMAS MORTAIS

O refúgio de López à sombra de Espanha, e de 25 guardas nacionais na embaixada do Brasil, confirmou o fracasso do primeiro capítulo da rebelião, mas não o seu resultado final. Um dia depois a oposição ocupou as ruas do país com rios humanos que enfrentaram a bruta repressão governamental. Cinco vítimas mortais, incluindo três menores, mais de 300 feridos e 200 detidos: eis o primeiro balanço da resposta do regime ao regresso dos seguidores de Guaidó às ruas.
O presidente interino conseguiu reforçar-se, apesar do revés de 30 de abril, e apresentar ao país o seu novo roteiro de ação: protestos permanentes, paralisações escalonadas e organização da greve cívica nacional, uma espécie de greve geral num país que já trabalha em mínimos. Um novo caminho para prosseguir o mesmo objetivo, o de cindir a unidade dos militares. O mesmo que conduziu aos acontecimentos da passada terça-feira.

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