quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Taxa de circulação nocturna em Palma: 50 Mts


Em Palma, lá no norte de Moçambique, onde se projecta um Eldorado de gás cada vez mais longínquo por causa dos ataques de uma insurgência cujo mandante se desconhece, há um recolher obrigatório. A partir das 21 horas, ninguém pode circular ou ensaiar uma cavaqueira nas barracas junto às “mangueiras”. Nessa hora, militares armados até aos dentes, caras sisudas mergulhadas em seu feitio castrense, marcam o compasso da noite na vila e arrabaldes.

Quem ousar arrastar-se por entre seus carreiros e atalhos arenosos, arrisca-se a um insondável encontro com os militares, que há mais de 4 meses estabeleceram como que um passe de circulação noturna: 50,00 Mts. Quem for encontrado a circular nas ruas de Palma de noite ou paga ou leva. Pagar custa 50,00 Mts por cada vez. Levar envolve dar o rabo para umas violentas cacetadas. Chambocadas na linguagem corriqueira. Para os militares, 50.00 Mts servem de empurrão: compram cigarros e bebidas em momentos de lazer, poucos. É a extorsão pura e simples, chantagem desenfreada, agora com ameaça de agressão física.

O ambiente em Palma ainda não se assemelha ao de uma vila dominada pelo cheiro à pólvora. Os atacantes ainda não chegaram ao seu centro, mas há o receio de que a qualquer momento eles vão entrar, irrompendo na calada da noite quando menos se espera. Nos palmenses, lê-se em seus semblantes gestos de revolta e interrogação. Porquê nós? Não fosse o gás e tudo estava na mesma. Habituados a viver em sua pobreza franciscana, eles exultavam com a descoberta do gás, mas agora se consideram amaldiçoados. Mesmo antes da exploração, já são vitimas. 

Há duas semanas, a vila encheu-se de refugiados de zonas circunvizinhas que foram la pernoitar fugindo aos insurgentes. Na semana passada, depois de uma viatura ter sido incendiada há cerca de 30 Km, perto de desvio de Pundanhar, os palmenses se rebelaram nas ruas e, numa aglomeração nas “mangueiras”, exigiram que os projectos de exploração de gás fossem interrompidos. O cheiro da carnificina começava a exalar nas proximidades.

Desde que a insurgência eclodiu em Outubro de 2017 até cerca de um mês atrás, Palma e suas redondezas mais próximas eram ainda uma ilha. A insurgência se alojara em Macomia, Mocímboa e Nangade, teatros horríficos de aldeias incendiadas e gentes decapitadas. Há cerca de 3 semanas, quando o exército governamental reforçou a região de companhias fortemente armadas dando, através do Ministro da Defesa Atanásio Mtumuke, uma perspectiva optimista que indicava para contenção da insurgência, os atacantes agudizaram sua táctica de terror. Começaram a incendiar viaturas. E sinalizaram que Palma (e o gás) era mesmo o seu alvo de preferencial, o troféu derradeiro de um terrorismo sem causa aparente.

Esta semana, o ataque a Maganja, reportado em primeira mão na “Carta de Moçambique”, foi o primeiro golpe direto sobre os empreendimentos do gás. O terrorismo nas rodovias de acesso à Palma já havia plantado receios a quem se habituara a viajar de Pemba para lá por estrada. Mas Maganja foi um golpe fecundo. A 4 km de Quitupo, onde se ergue a vila de reassentamento para os deslocados de Afungi, a aldeia acordou sinistra no dia seguinte à incursão na noite de domingo. 

O impacto em Quitupo também foi visível. Na segunda, centenas de trabalhadores da construtora CMC, que ergue as casas para os descolados de Afungi, foram dispensados. Ninguém trabalhou. O próprio “compound” da Anadarko, guarnecido por uma tropa altamente equipada, esteve encerrado. Em Quitupo houve manifestação popular. Em Palma, os palmenses também repetiram sua reivindicação: que se encerre os projectos do gás, a causa de toda a maldição, como alegam.

Ontem, terça feira, os ânimos estavam acalmados. As populações de Maganja e nas regiões junto de Palma, retomaram o quotidiano mas agora sempre com o coração na mão. A vida normalizou, mas nem tanto. O perigo espreita. Os trabalhos nas obras de Quitupo estavam ontem a meio gás. Em Maganja, o número de militares aumentou. Mas também a frequência de voos dos helicópteros que transportam os expatriados da Anadarko de Palma para Afungi. 

O ronco dos pássaros gigantes é agora ouvido durante todo o dia, mostrando que os cuidados com segurança por parte das multinacionais estão a ser reforçados nos últimos meses e à medida que a insurgência deu indicações claras de que seu alvo era o gás. “Carta” sabe que o impacto dos ataques sobre as regiões de Palma pode fazer atrasar a exploração. 

A conjunção dos ataques, do terramoto político com a prisão de Manuel Chang e um ano eleitoral com indícios de turbulência política e social, pode levar a que a Anadarko e a Exxon Mobil adiem respectivamente a sua Decisão Final de Investimento e o seu Plano de Desenvolvimento para o próximo ano. O que seria um grande golpe nas expectativas do Governo e nas aspirações dos moçambicanos. (Marcelo Mosse)
A verdade nunca Morre
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