sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

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Tribunal dos EUA diz que antigo Presidente da República de Moçambique recebeu subornos

"Para garantir que o projeto tem luz verde do Chefe de Estado [Armando Guebuza], um pagamento tem de ser combinado", ler-se-á num e-mail de 2011, relativo ao financiamento da empresa Proindicus.
Armando Guebuza foi Presidente da República de Moçambique durante dez anos, entre 2005 e 2015
ANTÓNIO SILVA/LUSA
O despacho de Acusação da Justiça dos Estados Unidos no caso das dívidas ocultas de Moçambique, a que a Lusa teve acesso, assume que o ex-Presidente Armando Guebuza recebeu subornos para viabilizar o financiamento da empresa estatal Proindicus.
Na acusação, os procuradores norte-americanos usam a correspondência trocada entre os acusados para tornar claro que altos responsáveis do ministério da Defesa, do Interior e Força Aérea em 2011 também terão beneficiado, mas não apontam especificamente o nome do antigo ministro da Defesa e atual Presidente da República, Filipe Nyusi.
A acusação cita um email de novembro de 2011 que Jean Boustani, o libanês que negociou os empréstimos em nome da Privinvest, recebeu de uma pessoa cujo nome está rasurado, mas que a acusação sabe quem é, no qual se lê: “Para garantir que o projeto tem luz verde do Chefe de Estado [à data Armando Guebuza], um pagamento tem de ser combinado antes de chegarmos lá, para sabermos e acertarmos, bem antes do tempo, o que tem de ser pago e quando”.
Logo de seguida, esta pessoa não identificada acrescenta: “Quaisquer que sejam os pagamentos adiantados que tenham de ser pagos antes do projeto, eles podem ser incorporados no projeto e recuperados”.
A Acusação norte-americana, feita ao abrigo da Lei das Práticas de Corrupção Estrangeiras (FCPA, no original em inglês), apresenta de seguida a resposta de Boustani a esta pessoa, na qual o libanês alerta para as “experiências negativas em África, especialmente relativamente a ‘taxas de sucesso'”, uma expressão conhecida e que é usada para significar o pagamento de subornos para garantir a aprovação com sucesso dos projetos.
Na resposta, enviada três dias depois, a pessoa cujo nome está rasurado, mas que aparenta ser um membro do Governo, afirma: “Fabuloso, concordo consigo em princípio; vamos combinar olhar para o projeto em dois momentos distintos; um momento é o da massagem do sistema e a obtenção da vontade política para avançar com o projeto; o segundo momento é a implementação e execução do projeto”.
Logo de seguida, escreve: “Concordo consigo que quaisquer montantes só podem ser pagos depois da assinatura do projeto, isto tem de ser tratado de forma separada da implementação do projeto… Porque para a implementação do projeto haverá outros agentes cujos interesses têm de ser atendidos, por exemplo o Ministério da defesa [à data liderado pelo atual Presidente da República, Filipe Nyusi], o Ministério do interior [à data liderado por Alberto Mondlane], força aérea, etc… nos governos democráticos como o nosso as pessoas entram e saem, e toda a gente envolvida vai querer a sua fatia do bolo enquanto estiver no Governo [‘in office’, no original em inglês], porque depois de sair vai ser difícil. Por isso é importante que a assinatura do contrato da taxa de sucesso seja acertada e paga no seguimento da assinatura do contrato”.
Menos de um mês depois, dizem os procuradores norte-americanos, usando a troca de emails entre os envolvidos, “os acusados Jean Boustani e NOME RASURADO acordam o pagamento de 50 milhões de dólares em subornos e ‘luvas’ a membros do Governo de Moçambique e 12 milhões de dólares em ‘luvas’ [kickbacks’, no original em inglês] para os co-conspiradores da Privinvest”.
O antigo ministro das Finanças moçambicano e atual deputado pelo partido no poder, Manuel Chang, foi detido no sábado na África do Sul, acusado de lavagem de dinheiro e fraude financeira. Manuel Chang permanecerá sob custódia até voltar a ser ouvido em tribunal, no próximo dia 08 de janeiro, e o seu advogado já indicou que vai contestar o pedido de extradição para os Estados Unidos.
De acordo com o despacho de acusação da Justiça norte-americana, foram investigadas três empresas criadas para levar a cabo operações de “fiscalização marítima”, apoio à pesca do atum e reparação naval.
O esquema passou pela concessão de empréstimos a estas três empresas no valor de mais de 2 mil milhões de dólares (1.760 milhões de euros), garantidos pelo Governo moçambicano, entre 2013 e 2016.
O dinheiro “deveria ter sido utilizado exclusivamente em projetos marítimos”, pode ler-se no despacho de acusação consultado pela Lusa.
“Na realidade”, acrescenta o texto, “os acusados criaram o projeto marítimo como um embuste para enriquecimento próprio e para desviarem intencionalmente partes dos empréstimos para pagamento de comissões a si mesmos e de subornos na ordem de, pelo menos, 200 milhões de dólares a representantes do Governo moçambicano e outros”.

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