Renato Silva Remamas
10 h ·
A CAMINHO DE SUSPENDERMOS A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA?
A Constituição da República é como sabido o vértice do ordenamento jurídico e dentre os princípios constitucionais suscetíveis de condicionar o conteúdo de outras normas infraconstitucionais avultam os Direitos, Deveres e Liberdades Fundamentais enunciados no Título III da Constituição da República. Entre outros, a título de exemplo: o dever de respeitar a Constituição art. 38; interpretação dos direitos fundamentais art. 43; a liberdade de constituir, participar e aderir a partidos políticos art. 53; direito de defesa art.62 (sendo esta também uma garantia individual); direito a recorrer aos tribunais art. 70; direito de resistência art. 80 etc.
Ademais a Constituição da República no art. 248 refere que a Administração Pública serve o interesse público e na sua atuação respeita os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos (n.1). Os órgãos da Administração Pública obedecem à Constituição e à Lei e atuam com respeito pelos princípios da igualdade, da imparcialidade, da ética e da justiça. E o Conselho de Ministro, nos termos do art. 202, n.1 da Constituição da República tem como função assegurar a administração do país, garante a integridade territorial, vela pela ordem pública e pela segurança e estabilidade dos cidadãos (…) desenvolve e consolida a legalidade e realiza a política externa do país. Ainda compete ao Conselho de Ministros, nos termos da alínea a) n.1 do art. 203 da Constituição da República garantir o gozo dos direitos e liberdades dos cidadãos.
Dispondo a Lei 7/97, de 31 de Maio, no seu artigo 11 a forma do processo e competência para perda de mandato faz mesmo sentido que o cidadão Manuel de Araújo lhe tenha sido vedado o direito ao contraditório (defesa), sob o argumento de que, havendo prova material, não precisa de sindicância prevista na lei? É preciso referir que o Conselho de Ministro para o caso concreto, mutatis mutandi “julgou”, revestiu-se de poderes de um juiz. Como se denota acima o artigo 62 da Constituição reconhece o direito de defesa como um Direito Fundamental, mas sobretudo uma garantia individual – isto é, é inegociável. Significa que esse direito não pode ser privado ao cidadão, mesmo que a infração tenha ocorrido diante de câmaras de filmar! Esta é uma conquista que está plasmada na Declaração Universal dos Direitos Humanos – ONU arts 8 e 11 e na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos n.3 art 7. Por isso, mesmo os presos em flagrante delito não lhe é dispensada, mesmo nos Estados totalitários. Desta feita ao não se reconhecer o direito ao contraditório (defesa) ao cidadão Manuel de Araújo, o Conselho de Ministro eximiu-se da sua primeira competência constitucional que é a garantia do gozo dos direitos e liberdades dos cidadãos previstos na Constituição da República, na Carta Africana dos Direitos dos Homens e dos Povos e na Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU).
Sobre a seleção que o Conselho de Ministro fez das normas a aplicar e aquelas a não aplicar, para um cidadão razoável e de normal diligência dá-se a entender que o mesmo, como órgão da Administração Pública não agiu em obedecia à Constituição e à Lei e tanto menos no respeito dos princípios da igualdade, da imparcialidade, da ética e da justiça. Senão vejamos:
Aos olhos do cidadão comum parece que o Ministério da Administração Estatal ao não dar o contraditório a Manuel de Araújo o fez de forma deliberada, por forma que este não aproveitasse os 30 dias previstos no n.4 do artigo 11 da Lei 7/97 de 31 de Maio. É perceção do cidadão de mediana inteligência que a fuga das etapas foi no sentido de encurralar o arguido. Se o Ministério tivesse reconhecido o Direito Constitucional à defesa ao cidadão Manuel de Araújo, este teria provavelmente o processo a seu favor, já que teria os 30 dias para preparar e apresentar a sua defesa e mais outros 20 dias para impugnar junto do Tribunal Administrativo, o que significaria decisão, depois de 10 de Outubro.
Desta feita há entendimento não leviano que o responsável do Ministério que deveria dar seguimento as formalidades legais do processo (inquérito/sindicância) pode ter agido propositadamente, impedindo o direito à defesa a Manuel de Araújo, para que o mesmo ficasse prejudicado no processo eleitoral. Como servidor público, é razoável tirar-se a conclusão que tratou-se de um abuso de poder, falta de justiça, ética e imparcialidade, ferindo o previsto no n.1 do artigo 248 da Constituição da República.
Admitindo-se violação de um direito e garantia constitucional do cidadão (direito a defesa – art. 62 Constituição) é nosso entender que o Despacho do Conselho de Ministros pode ser nulo, de nenhum efeito, uma vez que na atuação, o Conselho de Ministros deve garantir a estabilidade dos cidadãos e consolidar a legalidade. Mas, sobretudo compete ao Conselho de Ministros, nos termos da alínea a) n.1 do art. 203 da Constituição da República garantir o gozo dos direitos e liberdades dos cidadãos, o que parece ter sido negado ao caso Manuel de Araújo.
Sobre os atos nulos, estabelece o artigo 286 do Código Civil que a nulidade é invocável a todo tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal. Para o efeito, a título de exemplo, querendo um terço, pelo menos, dos deputados da Assembleia da República, o Provedor de Justiça ou dois mil cidadãos podem requerer nos termos do n.2 do artigo 244, a ilegalidade do Decreto de Perda de Mandato de Manuel de Araújo, nos termos da Al.a) n.1 do art.243 da Constituição. As demais pessoas com legitimidade para intentar ação junto do Conselho Constitucional as deixamos por motivos óbvios.
A propósito da inconstitucionalidade. É manifestamente inconstitucional o tal Decreto do Conselho de Ministros que cassou o Mandato de Manuel de Araújo por se ter inscrito para o próximo pleito eleitoral autárquico num outro partido. Este Decreto afronta o artigo 53 da Constituição da República, que estabelece liberdade de se filiar em partido político. Aliás, Manuel de Araújo não se filiou a Renamo para cumprir o mandato deste partido ao longo deste exercício autárquico a terminar. Ele pretende sim, abraçar outros interesses políticos no fim do seu mandato. Não nos parece razoável que seja para tal impedido. Do nosso ponto de vista as leis 7/97 e 6/2018, vedam inscrever-se em partido político diverso ou adiram a lista diferente daquela em que se apresentaram a sufrágio. À Sufrágio daquele mandato e não outro. É preciso ter o elemento teleológico que se pretende salvaguardar que é o conflito de interesse num determinado mandato sufragado. O contrário não pode ser, senão estaríamos a dizer que, quem esta em órgãos autárquicos se quiser renovar mandato deve manter filiação política, mesmo a contra gosto. Isso é absurdo e afronta de forma grosseira o artigo 53 da Constituição da República e as normas do Direito Internacional que Moçambique tem em conta na interpretação constitucional.
A proibição visa a impedir representação simultânea de interesses contraditórios no mandato sufragado. Araújo está acautelar seu futuro político. Isso lhe é permitido pelo artigo 53 da Constituição da República. Sobretudo o seu n.2 que estabelece a adesão a um partido político é voluntária e deriva da liberdade dos cidadãos de se associarem em tornos dos mesmos ideais políticos. Araújo pretende aderir a estes ideais políticos no próximo mandato e não neste que lhe apoiou aquando da sua apresentação a sufrágio em 2013. Esta liberdade de se filiar a um partido político livremente não é uma conquista apenas da Constituição moçambicana, mas sim um direito fundamental previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos (arts 3, 19 e 20) e na Carta Africana dos Direitos dos Homens e dos Povos (art. 10), instrumentos que se devem ter em conta na ordem constitucional moçambicana. Desta feita a nosso ver o que é inconstitucional não são as leis 7/97, de 31 de Maio e a Lei 6/2018, de 3 de Agosto, mas sim inconstitucional é o Decreto que fixou perda de mandato, pelo facto de Manuel de Araújo abraçar outro projeto político para os desafios do próximo mandato autárquico. O que o Legislador Constitucional não proíbe, não pode ser feito por uma norma infraconstitucional, daí o artigo 38 da Constituição da República.
“1. Todos cidadãos têm o dever de respeitar a ordem constitucional. 2 Os actos contrários ao estabelecido na Constituição são sujeitos à sanção nos termos da lei”.
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