O ministro da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola, Francisco Queirós, admitiu hoje, em Luanda, que milhares de crianças em Angola continuam sem registo de nascimento sendo objectivo do Governo, a “médio prazo”, inverter a situação. Há quantos anos ouvimos estas promessas? “Xé menino”, desde o tempo do antigamente…
Por onde andou Francisco Queirós e o seu partido, o MPLA, para 43 anos depois de chegarem ao poder terem, entre outras “obras” deixado que milhares de crianças continuem sem registo de nascimento?
Francisco Manuel Monteiro de Queirós foi Ministro da Geologia e Minas, cargo para o qual foi nomeado aos 28 de Outubro de 2012, na sequência das eleições gerais ganhas pelo MPLA.
A partir de 1979, Francisco Queirós inicia um longo percurso profissional ao ser Magistrado do Ministério Público (Procuradoria Militar), até 1984. No ano seguinte, a sua trajectória foi marcada pela docência nas Faculdades de Direito e de Economia da Universidade Agostinho Neto (UAN) na qual tem a categoria de Professor Associado. Na UAN chegou a exercer o cargo de Director da Faculdade de Direito, de 1986 a 1991.
Ainda nos anos 80, foi Assistente Diplomático do Gabinete do Presidente da República tendo atingido a categoria diplomática de Ministro Conselheiro. Mais tarde, em 2005, exerceu as funções de Assessor do Presidente da República para os Assuntos Parlamentares e Políticos. Em 2008, foi Secretário do Presidente da República para os Assuntos Políticos e Constitucionais.
Por despachos Presidenciais exerceu as funções de Coordenador de Reformulação da Legislação Económica, tendo em vista adoptar a legislação económica do País à economia de mercado, em 1991. Foi também Consultor do Grupo Endiama e Coordenador Adjunto do Grupo de Reflexão Estratégica de reorganização do Sector dos Diamantes.
Em 2005, tornou-se Consultor Jurídico-económico de várias empresas públicas e privadas.
“Somos 28 milhões de habitantes e é possível que haja milhares de crianças nesta condição. É tendo consciência deste número que estamos exactamente a reforçar os registos nas escolas, em locais onde há crianças concentradas, para reduzir este número”, disse, quando questionado pela agência Lusa.
Em declarações aos jornalistas, no final da reunião que manteve com os embaixadores dos Estados membros da União Europeia (UE) em Angola, o governante referiu que decorrem trabalhos no intuito de, a médio prazo ou no final de legislatura, poder “‘zerar’ este número”.
O respeito pelo terceiro dos 11 Compromissos da Criança, sobre o Registo de Nascimento, foi um dos assuntos que juntou no encontro o ministro da Justiça e Direitos Humanos e diplomatas da comunidade europeia acreditados em Angola.
Na ocasião, o embaixador da União Europeia em Angola, Tomas Ulicny prometeu apoios para os esforços de Angola em garantir o registo de nascimento das crianças logo à nascença, no quadro de um programa comunitário denominado “Justiça pelas Crianças”.
“O senhor ministro pediu mais apoio nos programas de expansão de registo do nascimento. Também discutimos sobre os passos da próxima etapa do nosso programa ‘Justiça pelas Crianças’ e temos os outros programas para fornecer as experiências europeias ao Ministério da Justiça [angolano]”, disse.
Tomas Ulicny reiterou ainda “satisfação” pelas reformas em curso em Angola, que, no seu entender, também concorrem para a melhoria dos Direitos Humanos.
“Todos nós apreciamos a vontade do novo Governo avançar no sentido da melhoria dos direitos humanos. Todos nós testemunhamos e confirmamos que o Governo está no bom caminho”, afirmou.
Recorde-se que A Assembleia Nacional aprovou em 26 de Fevereiro de… 2015, por unanimidade, a Lei de Simplificação de Registo de Nascimento, o que impede situações de duplo registo.
Em declarações à imprensa, à saída da sessão parlamentar, o então ministro da Justiça, Rui Mangueira, disse que o diploma inova aspectos fundamentais no processo de registo de nascimento, nomeadamente com a introdução da recolha de dados biométricos.
“Para evitarmos o duplo registo, que tem estado a acontecer um pouco por todo o país, por uma série de razões, através da recolha da face e da íris, para termos a certeza de facto dos dados que estamos a recolher relativamente aos cidadãos”, frisou.
Segundo o ministro, a introdução da recolha de dados biométricos facilitará igualmente o processo de obtenção do Bilhete de Identidade.
Rui Mangueira apontou ainda como inovação a colaboração com o Ministério da Saúde, que visa a realização de registos de nascimento a partir das maternidades públicas ou privadas, estando já a decorrer alguns ensaios.
No meio rural, frisou o governante angolano, a colaboração acontece com as parteiras e autoridades tradicionais, incumbidas de fazer o cadastro de todo as pessoas que fazem os partos e das que morrem.
“O cadastro é uma actividade oficiosa, é apenas para que as autoridades tradicionais e as parteiras tradicionais nos possam fornecer informações sobre as pessoas que nasceram e também as falecidas, e com base nisso vamos tratar de registar oficialmente os nascimentos e os óbitos”, realçou.
Tudo gratuito desde que… se pague
Um estudo sobre o registo civil nos municípios angolanos de Cambulo, Cuango e Chitato, concluiu que os cidadãos são obrigados a pagar até 35 euros para terem acesso ao registo ou Bilhete de Identidade, que devia ser gratuito.
Em causa estão os resultados do “Estudo de Caso sobre o Registo Civil” em três municípios da província da Lunda Norte, no leste de Angola, a mais de 1.200 quilómetros de Luanda, realizado em Outubro de 2017 pela Organização Não-Governamental angolana Mosaiko – Instituto para Cidadania.
De acordo com a pesquisa, as referidas cobranças, entre 5.000 e 10.000 kwanzas (até 35 euros) faz com que um elevado número de crianças e adultos fique sem qualquer documento que certifica a sua cidadania, uma vez que grande parte da população daqueles municípios, de produção diamantífera, vive em situação de pobreza.
“Este facto faz com que muitas pessoas, sobretudo das zonas rurais, não tratem do registo de nascimento ou do bilhete de identidade”, aponta o estudo, apresentado em Luanda.
A pesquisa, que contou com a participação de 52 grupos focais espalhados pelos três municípios, assinala igualmente a morosidade do processo como uma das limitações para o acesso ao registo de nascimento.
Um dos inquiridos no Cuango, sublinha o estudo, referiu mesmo que conseguiu receber o seu bilhete de identidade “um ano depois da abertura do processo” e “graças à pressão que fez ao órgão responsável pelos registos do município”.
A insuficiência de materiais para a celeridade no tratamento de registos de nascimento é igualmente apontada pelo estudo como um dos factores que tem influência directa na inacessibilidade a estes serviços, situação “confirmada pelas autoridades locais”.
Acrescenta a pesquisa que “um sistema de corrupção que parece instalado” nos municípios “também concorre para que centenas de crianças e adultos fiquem sem o registo de nascimento, assento ou ainda o bilhete de identidade”.
“Sem dinheiro, há muitas voltas, você vai lá e dizem que quem vai carimbar o processo não está. Mas se tiver dinheiro é atendido no momento por um dos responsáveis dos registos”, explica o estudo, aludindo a outra entrevista aos jovens das localidades.
Nos municípios onde o estudo centrou a abordagem, refere ainda, “é crescente o número de progenitores sem qualquer documento de identidade”, situação que segundo os grupos focais “leva a que os mesmos não consigam registar os seus filhos”.
O estudo concluiu igualmente que a fraca fiscalização nos serviços de registo de nascimento e de emissão do bilhete de identidade tem contribuído para a prática da corrupção.
Em declarações os jornalistas, o director geral do Mosaiko, Júlio Candeeiro, referiu que o estudo abarcou o sentimento e a realidade das pessoas entrevistadas, pelo que “a falta do registo de nascimento continua a ser um dos principais problemas dos cidadãos”.
“Por todos os municípios, comunas e localidades, quando perguntamos às pessoas sobre os principais problemas, o registo de nascimento é primordial e daí as dificuldades no exercício de outros direitos”, argumentou o responsável da Mosaiko, que opera no país há 20 anos, na promoção dos direitos humanos.
Acrescentou que o estudo revelou ainda “que a questão da regulamentação do poder tradicional é crucial”: “Porque em algumas zonas onde há ausência de instituições do Estado a influência do poder tradicional é muito forte e essa situação precisa de urgente intervenção”.
Folha 8 com Lusa
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