O deputado socialista português João Soares considera que mais importante do que colocar José Filomeno dos Santos em prisão preventiva é recuperar as verbas que terão sido desviadas enquanto este liderou o Fundo Soberano de Angola. A propósito, os ex-PCA, directores e similares do Jornal de Angola já reservaram lugar na… prisão?

“Ajustiça deve fazer-se, evidentemente, os roubos foram de tal dimensão e o poder da cleptocracia corrupta que governou Angola foi de tal maneira que longe de mim pedir que não se faça justiça, mas as cadeias não resolvem este tipo de coisas, o que é preciso é que se devolva e recupere o dinheiro público mal usado durante todo este período e, já agora, se pudéssemos recuperar os sete ou oito mil milhões do BESA [Banco Espírito Santo Angola] que foram inteiramente para os bolsos da cleptocracia no poder, uma parte dela provavelmente ainda no poder em Angola, dava-nos algum jeito”, disse João Soares em declarações à Lusa.
Nas declarações a propósito do primeiro ano da eleição de João Lourenço e da detenção, em prisão preventiva, do antigo presidente do Fundo Soberano e filho do ex-chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, João Soares disse saudar a mudança, “com a instalação de um novo poder resultante de um processo eleitoral”, e acrescentou que considera que “há indiscutivelmente uma mudança e está a ser posta em causa uma parte da cleptocracia política que dominou Angola durante 30 anos, quase tantos como Oliveira Salazar em Portugal”.
Por sinal, recorde-se, foram 38 anos…
José Filomeno dos Santos, ou Zenu como é conhecido em Angola, liderou o Fundo Soberano angolano, constituído com 5.000 milhões de dólares de recursos do Estado, entre 2012 e 2018, tendo sido exonerado em Janeiro, por João Lourenço. Antes, até 2017, chegou a ser apontado como potencial sucessor de José Eduardo dos Santos, mas está agora a ser investigado em Angola em dois processos, nomeadamente sobre a gestão no fundo soberano, aguardando julgamento em prisão preventiva, em Luanda.
Questionado sobre eventuais retaliações por parte dos que foram afastados de cargos políticos e empresariais importantes, João Soares respondeu: “Não sou favorável a que se faça funcionar aquilo a que muitas vezes se quer chamar justiça, numa lógica de justiceiro e de vingança; não vejo com agrado que se meta na prisão quem quer que seja, a menos que se trate de crimes de sangue óbvios”.
Com a existência de “corrupção nesta escala, deve-se é fazer pagar e recuperar o que tinha sido roubado do erário público, quer angolano, quer português, no caso do BESA, é um caso que vai ao erário público português e provocou a queda do Grupo Espírito Santo, é bom não esquecer isso”, vincou o antigo ministro da Cultura.
Para o futuro, “é preciso avançar tão rapidamente quanto possível, para um Estado verdadeiramente democrático onde se respeitem os direitos humanos” e se reconheça “a coragem de gente como Luaty Beirão, Rafael Marques e as pessoas que na oposição política, como Justino Pinto de Andrade, Isaías Samakuva ou Alcides Sakala, que nunca vergaram e souberam procurar dizer a verdade em cada momento mesmo quando isso era difícil”.
Questionado sobre se as mudanças políticas são uma tentativa de João Lourenço estabelecer o seu poder, ou se representam uma mudança de políticas, João Soares disse que as alterações têm essas duas componentes.
“É uma confluência entre as duas; o que importa é afirmar os valores democráticos e a alternância política, enquanto não houver real alternância política em Angola os valores democráticos continuam a ser mitigados”, disse o deputado socialista, acrescentando: “Enquanto não houver poder autárquico e regional em Angola resultante de eleições democráticas, não se pode falar de uma democracia plena, pelo contrário, estamos perante um processo democrático mitigado”.
Em Angola, vaticinou João Soares, “a velha lógica do alibi permanente, que era constituir a UNITA como alibi para tudo o que eles (MPLA) eram incapazes de fazer, inclusivamente para a situação de corrupção e de miséria generalizada em que vive Angola, isso desapareceu, e nunca foi um verdadeiro alibi, o problema não é de pessoas, nem de José Eduardo dos Santos, é de poder e de poder autoritário, muitas vezes não democrático”.

Mudanças nos mensageiros e nas mensagens

Fora da cadeia, por roubo mas também por incitamento à violência, estão os antigos responsáveis do Jornal de Angola, o Pravda do regime do MPLA de Eduardo dos Santos. Ninguém responsabiliza quem, por exemplo, escreveu em editorial que “fazer carreira política” em Portugal envolve “dizer mal” do Presidente, José Eduardo dos Santos, dos políticos e dos empresários angolanos?
Com o título “Atitude desleal”, o Avante de Luanda – que, como o seu pai português, ainda não tinha reparado que o Muro de Berlim há muito que caiu, afirmava no dia 18 de Novembro de 2014 que os empresários nacionais “investiram milhares de milhões de euros em Portugal nos últimos seis anos”.
Afirmava bem, reconheça-se. E com um raro sentido de oportunidade, sobretudo porque as lavandarias portuguesas são do melhor que há. Além disso, investir num país esquelético, subserviente e bajulador (Portugal) é fácil, barato e dá milhões.
“Primeiro, por causa dos afectos, depois pelos negócios. E o investimento em Angola tem uma vertente: ajudar um país irmão a debelar a crise e superar as dificuldades económicas e financeiras em que está mergulhado. Noutro sentido, milhares de portugueses procuram também trabalho em Angola. Todos são bem-vindos, embora alguns se comportem como ocupantes”, lê-se nesse editorial ressabiado, típico de um qualquer socialista sanzaleiro.
Recordava o Pravda que os angolanos “investiram em todos os sectores da economia portuguesa”, que os empresários portugueses “fizeram o mesmo em Angola” e que “ninguém se queixou do ambiente de negócios, das facilidades institucionais, das parcerias constituídas”.
Claro que sim. A diferença, provavelmente irrelevante, estava no facto de um ser – mau grado algumas debilidades – um país democrático e um Estado de Direito, e o outro ser uma ditadura encapotada que tinha, desde 1979, um Presidente da República que nunca foi nominalmente eleito.
“Se alguma coisa corre mal, os problemas resolvem-se nas sedes próprias e nunca na comunicação social angolana”, observava o escriba que hoje, provavelmente, vive à grande quando deveria estar na cadeia por se ter servido de um órgão púbico. Contudo, referindo-se directamente a políticos – como João Soares e Francisco Louçã – o Jornal de Angola abordava o peso das críticas portuguesas.
“A situação é de tal forma anómala que até fica a ideia de que quem quiser fazer carreira política em Portugal tem que dizer mal do Presidente de Angola, dos políticos angolanos que fazem parte do partido (MPLA) que venceu as eleições com maioria qualificada, dos nossos empresários, mesmo dos que investem elevadas somas para ajudar Portugal a sair da crise”, acrescentava o sipaio de serviço, certamente um dos muitos portugueses frustrados que pululam na gamela do erário público angolano.
É verdade que o MPLA é – segundo o pasquim – Angola, e que Angola é o MPLA. É igualmente verdade que o MPLA conseguiu, em termos eleitorais, dar uma lição à própria Coreia do Norte, pondo os mortos a votar em si e, até, a registar em alguns círculos mais votos do que eleitores.
Para o Jornal de Angola, em Portugal “chegam ao cúmulo de levantar suspeitas sobre a origem do dinheiro dos angolanos”, mas “ninguém quer saber da origem do dinheiro” de investidores de outras nacionalidades. “É uma pura e selectiva perseguição aos interesses angolanos”, assumindo o jornal que “se há dúvidas quanto à origem das suas fortunas dos angolanos, as autoridades competentes que investiguem” e depois “tirem as suas conclusões”.
Como habitualmente, o Pravda confundia a bissapa com a mata. Primeiro ninguém pôs em dúvida a origem do dinheiro dos angolanos. O que estava em dúvida é a origem do dinheiro dos donos dos angolanos. Em segundo, também ninguém põe em dúvida a origem do dinheiro dos empresários. Em dúvida está a origem do dinheiro dos empresários que são exclusivamente do MPLA, que viviam na gamela do clã presidencial, que têm participação nos roubos ao dinheiro que deveria ser de todos.
Em caso de dúvida basta perguntar a João Lourenço que, agora, está explicar e a demonstrar como é que a roubalheira se fazia, confirmando (para gáudio do Folha 8) tudo o que temos dito ao longo de muitos anos.
“Mas é inadmissível que todo o cão e gato em Portugal ponham em causa a origem do dinheiro dos empresários angolanos que investem naquele país. É inadmissível que levantem suspeitas sobre investidores angolanos no caso dos vistos ‘gold’ e, uma vez conhecida a lista dos que investiram em troca desse visto, não está lá nenhum angolano”, afirmava a correia de transmissão das teses kangambianas do MPLA de Eduardo dos Santos.
O Pravda/Avante tinha, contudo, alguma razão. Os donos de Angola não precisavam de vistos Gold para lavar as toneladas de lombongo que sacavam, à grande, ao Povo angolano. Aliás, Portugal foi sempre uma sucursal do regime de José Eduardo dos Santos, um paraíso ao dispor de quem manda, o presidente angolano.
O pasquim assumia por isso que “os portugueses têm que decidir de uma vez por todas se querem ou não os angolanos como parceiros” e que se Portugal “quer desenvolver a cooperação com Angola, não pode depois haver perseguição a cidadãos angolanos que dão o seu melhor para que os acordos de cooperação em vigor tenham sucesso”.
Bem visto. Chantagem em cima deles. Bastava dizer: não se armem em sérios porque, se o chateiam muito, o “querido líder”, o “escolhido de Deus”, fecha a torneira. Não contavam, contudo, que João Lourenço estava pronto, atento e informado para pôr, ou pelo menos tentar, a casa em ordem.
“Atirar com nomes de angolanos para as páginas dos jornais ou dos meios audiovisuais como estando envolvidos em actos ilícitos é uma deslealdade que começa a cansar”, avisava o órgão oficial do regime, recordando que a empresária Isabel dos Santos, ao entrar na corrida à compra da Portugal Telecom, “foi logo nomeada como a ‘filha do Presidente de Angola’”.
Que chatice. Estaria o pasquim a querer dizer ao mundo que Isabel dos Santos não era filha de Eduardo dos Santos? Que os mercenários de elite escolhidos para redigir estes editoriais, por regra José Ribeiro e Artur Queiroz, tenham renegado as suas origens e – por isso – os seus pais, é uma coisa. Mas Isabel nunca faria isso em relação ao seu querido pai.
Folha 8 com Lusa
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