A gargalhada colectiva na imensa sala onde decorria a última Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas não foi só um momento embaraçoso para Donald Trump. Foi um reacção generalizada do mundo aos discursos pomposos do presidente dos EUA. E foi também um ataque a uma das afirmações principais e fantasiosas de um presidente que, de acordo com o Washington Post, fez mais de 5 mil afirmações falsas ou enganadoras desde que chegou ao poder.
Há já muito tempo que o presidente Trump argumenta que os outros países se tem aproveitado dos Estados Unidos – “o alvo de chacota do mundo inteiro”, publicou no Twitter em 2014 – e a sua ascensão política baseou-se na premissa de que ele teria a força e a determinação para mudar isso.
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Mas na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas da última terça-feira, Donald Trump foi castigado no maior palco do mundo. Com um discurso que tinha como objectivo estabelecer a soberania dos EUA sob as vontades e necessidades das outras nações, o momento triunfante do presidente ficou marcado logo no primeiro minuto, quando a audiência se riu – à sua custa.
O momento embaraçoso aconteceu quando Donald Trump se vangloriou de que a sua administração fez mais em dois anos do que “qualquer outra administração” na história americana, o que despertou risadas na enorme sala.
O presidente dos EUA pareceu ter ficado surpreendido. “Não estava à espera desta reacção”, disse, “mas tudo bem.” E a audiência que o ouvia riu-se novamente – desta vez, talvez por simpatia.
Donald Trump continuou o seu discurso, que se prolongou por mais 34 minutos, mas o momento marcou a reacção da comunidade internacional a um presidente que tem adorado “picar” aliados dos EUA em assuntos como o comércio, alianças de segurança e os bons costumes diplomáticos em geral.
“[Trump] Sempre teve uma obsessão com as pessoas a rirem-se do presidente. Desde meados dos anos 1980 que ele diz: ‘O mundo ri-se de nós. Pensam que somos idiotas’”, disse Thomas Wright, um analista europeu da Brookings Institution. “Não é verdade, mas ele tem dito o mesmo sobre todos os presidentes. Que saiba, é a primeira vez que alguém realmente se riu de um presidente. Acho que isto o vai levar à loucura. Vai de encontro a todas as suas inseguranças.”
Para Donald Trump, o momento não foi só embaraçoso. Foi também um ataque a uma das afirmações principais e fantasiosas de um presidente que, de acordo com factos apurados pelo Washington Post, fez mais de 5 mil afirmações falsas ou enganadoras desde que chegou ao poder.
À medida que as eleições intercalares se aproximam, Trump começou a vangloriar-se de uma longa lista de feitos da sua administração, chegando a recitá-los num comício de campanha recente através de duas folhas de papel que retirou do bolso do casaco.
Assim, o presidente dos Estados Unidos tem clamado um sucesso esmagador e comparou-se a si mesmo, favoravelmente, aos maiores líderes da nação. Num comício em Springfield, Missuri, na semana passada, Trump discursava para os seus apoiantes e preparava-se para terminar com uma prosa floreada no teleponto sobre a coragem dos fundadores da América quando se desviou do guião para afirmar que a sua eleição em 2016 foi “o maior movimento da história” dos EUA.
Nas Nações Unidas, a reivindicação de Trump de que fez mais em menos de dois anos do que as 44 administrações anteriores desafiou todos os limites da realidade – ou arrogância.
“Por um lado, pensas ‘Oh, meu Deus, coitado do presidente americano, todos se riem dele no palco do mundo’”, disse Julie Smith, que trabalhou para o vice-presidente Joe Biden como vice-conselheira de segurança nacional. “Mas por outro lado, sentes-te contente que Donald Trump tenha finalmente saído da bolha dos comícios políticos que continuamente lhe dão a impressão de que todos concordam com as suas falsas afirmações”, disse Smith, que viu o discurso de Trump a partir de Berlim, onde está a passar um ano como bolseira na Academia Bosch. “Houve um momento em que pensei para mim mesma, ‘Ainda bem que o presidente está ser exposto ao que o resto do mundo pensa dele.’”
Apesar de o riso dos líderes mundiais nas Nações Unidas ter sido espontâneo, pode ter havido algum aproveitamento por parte de algumas das delegações. As câmaras televisivas apanharam alguns dos diplomatas alemães a rirem-se — talvez uma forma de aliviar a tensão depois das relações entre Trump e a chanceler Angela Merkel terem começado com o pé errado e assim têm continuado.
No ano passado, os alemães presentes na conferência do Conselho Económico da União Democrata Cristã, em Berlim, riram-se e aplaudiram depois de ter sido cortada a palavra ao secretário do Comércio dos EUA, Wilbur Ross, quando este ultrapassou o tempo destinado ao seu discurso. Merkel respondeu depois aos comentários de Ross ao longo do seu discurso.
Nas redes sociais, os críticos de Trump não perderam tempo e gozaram com ele. “Os presidentes americanos costumavam estabelecer a agenda global na Assembleia Geral das Nações Unidas. Agora riem-se de Trump”, publicou no Twitter Ben Rhodes que, como assessor de segurança nacional para Comunicações Estratégicas, ajudou o Presidente Barack Obama a escrever discursos das Nações Unidas.
“O mundo acabou de se rir de @realDonaldTrump”, publicou, por sua vez, a comediante Wanda Sykes no Twitter. Referindo-se ao famoso teatro em Harlem onde a audiência vaia e interpela os maus actores, acrescentou, “Mantenham-se sintonizados, pode ser que façam como no programa Showtime at the Apollo.’“
Na tarde de terça-feira, Donald Trump emanava um ar de indiferença, dizendo aos repórteres que aquela parte do discurso tinha como objectivo “suscitar o riso”. Mas alguns dos espectadores não acreditaram, uma vez que o presidente raramente ri de si mesmo e a sua expressão típica é um olhar furioso que não poupa ninguém.
“Teve de doer”, disse Wright, o analista da Brookings Institution. “Foi filmado e foi espontâneo. Foi num dos maiores palcos do mundo.”
Exclusivo PÚBLICO/Washington Post
Tradução de Ana Silva
Wheeler Catarina
P Galvao
LisboaWheeler Catarina
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